LUÍS FREITAS LOBO,
ANALISTA DE FUTEBOL
"O futebol é a língua
mais falada no Mundo"

Não descura os aspectos tácticos e
técnicos do jogo e diz viver o futebol da única forma que o consegue
conceber: com emoção. Luís Freitas Lobo, um dos comentadores mais
conhecidos da actualidade, pensa que a selecção portuguesa tem condições
para ultrapassar a fase de grupos do mundial da África do Sul pese
embora criticar alguns jogadores por se sentirem mais importantes do que
a equipa. Freitas Lobo acredita que José Mourinho e Cristiano Ronaldo
projectam o país além-fronteiras e são os nossos «heróis
contemporâneos». Em nome da genuinidade, rejeita a introdução das novas
tecnologias no «desporto-rei», argumentando, em jeito de provocação, que
«gosta de ver um golo de Maradona com a mão».
Que expectativas tem para este campeonato do mundo de futebol na
África do Sul?
É cada vez mais difícil ter mundiais à moda antiga. Dantes os jogadores
preparavam meticulosamente a chegada desse momento. Actualmente a Liga
dos Campeões já supera o impacto do mundial. Antigamente eram os
jogadores que corriam atrás do mundial, agora é o mundial que corre
atrás dos jogadores. É um sinal dos tempos.
O que é que se perdeu?
Fundamentalmente inovações tácticas e um futebol pujante e fresco do
ponto de vista físico. A fase final do mundial tem de ser urgentemente
repensada. Não é possível exigir milagres de jogadores que chegam a um
final de época com 70 jogos nas pernas. O tempo de recuperação dos
atletas é curto e dos quartos de final para a frente isso nota-se de
forma visível. Por isso, este será um mundial como os anteriores. A
única diferença reside no facto de ser disputado no Inverno, logo com
temperaturas mais baixas. Penso que neste caso as selecções europeias
partem em vantagem.
Pensa que Portugal poderá superar o quarto lugar do último mundial
disputado em 2006?
O prioritário é ultrapassar a primeira fase. Depois temos equipa para
eliminar qualquer selecção. Mesma a própria Espanha, que nos pode calhar
depois da fase de grupos. Portugal tem bons jogadores, alguns deles
muito experientes, só que creio que alguns sentem-se mais importantes do
que a equipa.
Pese embora sermos a terceira selecção do ranking FIFA, não se está a
exigir demais a um país que teve tantos anos afastado de fases finais de
grandes competições?
Eu acho que o ranking FIFA não é muito credível e está longe de avaliar
correctamente as selecções. Não creio que se exija demais até porque é
reconhecido que temos dos melhores jogadores do mundo. O nosso futebol
atingiu um patamar de topo e muitos jogadores alinham na elite dos
clubes europeus. Penso que podemos ir longe na África do Sul, não pode é
ser um drama nacional se formos eliminados logo na fase de grupos, até
porque os nossos adversários, especialmente o Brasil e a Costa do
Marfim, são muito fortes.
Este naipe de jogadores é melhor ou pior do que a selecção de 2006?
Creio que a selecção de 2006 estava mais «feita», tinha jogadores que
jogavam juntos há mais tempo, para além de que existia mais entrosamento
entre os atletas treinados por Luís Felipe Scolari.
Se a campanha correr mal vai falar-se do fantasma Scolari?
Ele conseguiu resultados, mas tivemos uma circunstância muito específica
que foi jogar um campeonato da Europa em casa. O 2.º lugar foi bom, mas
ficou o amargo de boca de termos perdido em casa diante da Grécia, uma
selecção com pouca expressão. O quarto lugar no mundial de 2006 foi
fantástico, mas creio que não foi só mérito do seleccionador, devendo-se
este feito em particular à qualidade dos jogadores. Não retiro com isto
valor a Scolari. Ele foi importante num período particular, assumindo-se
como um treinador afastado da correlação de interesses e dos poderes
tradicionais do futebol português.
Em que selecção e «estrela» apostaria?
É difícil. Mas por respeito pela história, aposto no Brasil. Quanto a
jogadores são muitos, Cristiano, Messi e Kaká. Talvez Rooney possa
intrometer-se e ser uma surpresa.
José Mourinho é, por estes dias, a pessoa mais falada do «planeta
futebol». Como se explica que um treinador ultrapasse o mediatismo dos
próprios jogadores?
Os grandes técnicos da história do futebol mundial, como Rinus Michels,
Helénio Herrera ou o próprio Johan Cruyff, conseguiram que, fruto do seu
carisma e talento, as suas equipas fossem meros exércitos por si
comandados. Mourinho junta-se a esse clube restrito. Ele é o «top»,
especialmente naquilo que no futebol é fundamental, a estratégia. E o
melhor a preparar cada jogo especificamente.
O que é mais decisivo, os «mind games» ou a componente estratégica?
A táctica e a estratégia são de caras as mais decisivas. Viu-se isso nos
dois jogos que Mourinho preparou ao milímetro na eliminatória das meias
finais da Champions entre o Inter e o Barcelona. Conhecer o adversário é
fundamental, mas não se pode esquecer a vertente psicológica e da
liderança, aquilo a que eu chamo a táctica emocional, que nos dias que
correm assume grande relevância.
O Real Madrid é um colosso em dimensão e também é grande nos
problemas internos. É o maior desafio da carreira do treinador
português?
Pese embora o Inter de Milão ser um grande, ele nunca treinou um clube
como este no que se refere à política desportiva e aos métodos de
trabalho. O Real Madrid foi um clube que nos últimos anos utilizou os
jogadores como «pop stars» e tentou vender camisolas antes mesmo de
vender o seu futebol. Mourinho vai querer jogadores de carne e osso e
não estrelas. Logo estamos perante uma inversão da política de
contratações do clube madrileno. Estou expectante para saber se o Real
vai conseguir contratar, em vez dos habituais jogadores do meio campo
para a frente, alguns defesas.
Mourinho ainda é um jovem. Pensa que pode converter-se no melhor no
seu posto?
Neste momento ele já é um dos melhores treinadores de sempre. Pode
ganhar a terceira Champions League por três clubes distintos, já venceu
no campeonato inglês e italiano e pode agora vencer no espanhol.
Mourinho marca definitivamente uma época.
Num cenário de crise o futebol é uma das faces mais visíveis do país
no exterior. Mourinho e Ronaldo são dois símbolos do Portugal vencedor.
O futebol é a nossa melhor exportação?
Basta viajar para perceber o impacto do sucesso destas duas figuras na
projecção de Portugal além-fronteiras. Por isso, respeitam o nosso país
e chegam inclusive a tratar-te melhor por seres compatriota de Mourinho
ou Ronaldo. Isso já me aconteceu. Portugal nunca teve, ao mesmo tempo,
um jogador e um treinador com tanta força e visibilidade em termos
planetários. São os nossos heróis contemporâneos. Fazem-nos sentir
grandes. Evidentemente que isto não dá de comer a nenhum povo, mas é
preciso perceber que o futebol é a língua mais falada no mundo.
Como reage aos portugueses que preferem ser detractores dos êxitos
destes seus compatriotas?
É uma forma de ser portuguesa e que talvez merecesse uma análise
sociológica adequada. Não é por acaso que a última palavra dos
«Lusíadas» é… inveja.
O último campeonato português registou uma inversão de tendência com
o Benfica a sagrar-se campeão. Acabou a hegemonia do FC Porto?
Não acredito. Pode é ser diferente daqui em diante. O FC Porto não vai
ter uma queda tão acentuada como aconteceu ao Benfica na última década,
mas acho que os «encarnados» vão conseguir equilibrar as forças. O
treinador Jorge Jesus foi muito importante, da mesma forma que a
estrutura montada pode fazer abrir um novo ciclo de equilíbrio entre os
grandes, ficando por saber que papel pode o Sporting desempenhar neste
duelo a dois.
Depois do segundo lugar deste campeonato, o Sporting de Braga vai
conseguir intrometer-se?
O Braga tem uma grande equipa, mas está muito longe de ser um grande
clube como o Benfica e o FC Porto, em termos estruturais, patrimoniais e
de sócios. Estas lacunas impedem-no de crescer e afirmar-se como crónico
candidato ao título.
A falta de competitividade do nosso futebol intramuros atira-nos para
a segunda divisão da Europa?
O ritmo de jogo e a qualidade técnica são reduzidas, o que fazem com que
o nosso campeonato se situe ao nível de um campeonato grego, turco ou
holandês. Falta estrutura económica e competitividade que dificilmente
fará com que alcancemos um patamar superior.
Enquanto analista do «desporto-rei» tem uma colecção invulgar de
vídeos e recortes sobre a modalidade, onde procura apreender todos os
detalhes. É possível conciliar a paixão pelo futebol com uma abordagem
próxima da cientificidade?
O futebol é basicamente um jogo de emoções. A partir daí é possível
fazer diversas abordagens, mais técnica, cientifica, mais táctica, mas
sem nunca retirar a base emocional que suporta toda a modalidade. Como
eu costumo dizer, quem não sente o futebol, não o pode entender. Mesmo
quando analiso cientificamente um jogo, sistematizando o conhecimento e
procurando saber o motivo pelo qual certas coisas acontecem, estou a
fazê-lo com emoção. Aliás, defendo que a ciência não mata a emoção,
antes pelo contrário. A primeira está ao serviço da segunda.
Não pensa que existem demasiados programas de debate sobre futebol?
Há muita diversidade. É preciso distinguir o programa dos adeptos, em
que se fala do futebol de forma mais rudimentar e excessivamente
selvagem nalguns momentos, e os outros como o «Pontapé de Saída», em que
participo, que é um programa de análise do fenómeno futebol e de todas
as suas envolvências. Também há o caso do «Tempo Extra» do Rui Santos,
trata-se de um jornalista com um estilo muito próprio e que enquadra o
fenómeno do ponto de vista social, político e desportivo, no qual não me
revejo, pese embora achar que ele tem um «background» de conhecimento
tremendo no jornalismo desportivo.
Precisamente Rui Santos, que foi seu colega em «A Bola», promoveu uma
petição sobre a verdade desportiva em que defende a introdução das novas
tecnologias no futebol. Concorda?
Assusta-me um pouco quando oiço falar dos meios tecnológicos no futebol.
Nunca ninguém explicou como iam ser verdadeiramente adoptados. Penso que
iria desvirtuar o desenrolar de um jogo, impondo paragens sem sentido.
O jogo ficaria muito parecido com o futebol americano ou a NBA?
Não rejeito taxativamente, mas tenho muitas dúvidas nos que dizem, sem
rodeios, sim. Apenas admito a utilização de meios tecnológicos na
situação em que a bola pode ter ultrapassado a linha de baliza. Mas
várias questões se levantam: como é que se vai implantar esse sistema no
Burkina Fasso, no Quénia e nos jogos de iniciados ou de juvenis? Quanto
mais o futebol de alta competição se aproximar do futebol de rua,
melhor. Digo-o com sinceridade, apesar de poder chocar muita gente: eu
gosto de ver um golo do Maradona com a mão. O futebol para mim é isto.
É um crítico da imprensa desportiva portuguesa. Que principais
pecados aponta?
Incomoda-me que se encham páginas e páginas com assuntos e protagonistas
à margem dos verdadeiros artistas, do mesmo modo que entendo que se caiu
numa cedência ao discurso fácil e mais populista da abordagem do
fenómeno futebolístico. Penso que por vezes seria mais interessante dar
mais importância a treinadores e a jogadores, do que a dirigentes
desportivos, da mesma forma que se devia valorizar o futebol que se
pratica dentro das quatro linhas em detrimento do que é «jogado» na
secretaria.
A linguagem bélica difundida antes de certos jogos contribui para
acicatar os ânimos das massas?
Por vezes exagera-se no destaque que se dá a certas declarações, mas
sinceramente não creio que um dos principais problemas do nosso futebol
resida na imprensa desportiva.
O futebol é a sua devotada paixão, mas acabou por licenciar-se em
Direito pela Faculdade do Porto. Que impressão global tem do sistema de
ensino em Portugal?
Parece que continua muito trabalho por fazer em termos de formação, mais
do que de educação. Tem a ver com princípios e valores. E temos um
grande caminho a percorrer. Tenho dois filhos na quarta classe e quando
vou às reuniões com os professores quero saber prioritariamente se
partilham valores cívicos e humanos, se demonstram educação, se
respeitam os colegas, etc. É neste aspecto que a escola falha de forma
gritante e devia avançar muito. Falta educar para os valores.
Essa falta de valores também se reflecte em atitudes menos
desportivas dentro e fora do campo?
O nosso problema é de cultura. Ponto final. E essa lacuna manifesta-se,
nomeadamente, nos teatros desportivos. O fenómeno mais degradante da
actualidade é a desintegração social que se assiste nas ruas e o futebol
é o espelho disso, não uma causa.

Nuno Dias da Silva
Cara da Notícia
Luís Freitas Lobo nasceu em
1967. É um dos comentadores e analistas de futebol mais evoluídos e
solicitados da actualidade. Ocupa boa parte do seu tempo lendo e
visionando livros e filmes que guarda religiosamente em casa sobre o
«desporto-rei». O seu site pessoal www.planetafutebol.com é uma
referência para muitos adeptos. Nele se pode ler uma frase que dá
conta da paixão que nutre pela modalidade: «Para mim, mais do que
cinco continentes e sete mares, o mundo é um infinito conjunto de
campos de futebol com muitas casas à volta».
Formou-se em Direito pela Universidade do Porto, mas a atracção pelo
futebol nunca o largou. Mantém colaborações regulares no «Expresso»,
onde escreve semanalmente, para além de alimentar o blogue «4x3x3»
na edição online do jornal da Impresa, na RTP e RTP-N, onde para
além de outras participações, intervém no programa «Pontapé de
Saída», às quintas-feiras, e na TSF, onde faz parceria com os
jornalistas Mário Fernando e João Rosado no debate «Jogo Jogado». É
ainda autor da coluna «Planeta Futebol», no jornal «A Bola».
Colaborou também nos jornais «Público», «O Jogo» e na «Revista
Mundial», na Antena 1 e na SIC. Na incursão pelos livros já escreveu
dois: «Os Magos do Futebol», em 2002, e «Planeta do Futebol», em
2007. Vai ser presença assídua nos ecrãs da RTP-N, nos meses de
Junho e Julho, como comentador residente do programa «À Noite, o
Mundial», apresentado ao serão por Carlos Daniel.

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