Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIII    Nº148   Junho 2010

Entrevista

LUÍS FREITAS LOBO, ANALISTA DE FUTEBOL

"O futebol é a língua mais falada no Mundo"

Não descura os aspectos tácticos e técnicos do jogo e diz viver o futebol da única forma que o consegue conceber: com emoção. Luís Freitas Lobo, um dos comentadores mais conhecidos da actualidade, pensa que a selecção portuguesa tem condições para ultrapassar a fase de grupos do mundial da África do Sul pese embora criticar alguns jogadores por se sentirem mais importantes do que a equipa. Freitas Lobo acredita que José Mourinho e Cristiano Ronaldo projectam o país além-fronteiras e são os nossos «heróis contemporâneos». Em nome da genuinidade, rejeita a introdução das novas tecnologias no «desporto-rei», argumentando, em jeito de provocação, que «gosta de ver um golo de Maradona com a mão».

Que expectativas tem para este campeonato do mundo de futebol na África do Sul?

É cada vez mais difícil ter mundiais à moda antiga. Dantes os jogadores preparavam meticulosamente a chegada desse momento. Actualmente a Liga dos Campeões já supera o impacto do mundial. Antigamente eram os jogadores que corriam atrás do mundial, agora é o mundial que corre atrás dos jogadores. É um sinal dos tempos.

O que é que se perdeu?

Fundamentalmente inovações tácticas e um futebol pujante e fresco do ponto de vista físico. A fase final do mundial tem de ser urgentemente repensada. Não é possível exigir milagres de jogadores que chegam a um final de época com 70 jogos nas pernas. O tempo de recuperação dos atletas é curto e dos quartos de final para a frente isso nota-se de forma visível. Por isso, este será um mundial como os anteriores. A única diferença reside no facto de ser disputado no Inverno, logo com temperaturas mais baixas. Penso que neste caso as selecções europeias partem em vantagem.

Pensa que Portugal poderá superar o quarto lugar do último mundial disputado em 2006?

O prioritário é ultrapassar a primeira fase. Depois temos equipa para eliminar qualquer selecção. Mesma a própria Espanha, que nos pode calhar depois da fase de grupos. Portugal tem bons jogadores, alguns deles muito experientes, só que creio que alguns sentem-se mais importantes do que a equipa.

Pese embora sermos a terceira selecção do ranking FIFA, não se está a exigir demais a um país que teve tantos anos afastado de fases finais de grandes competições?

Eu acho que o ranking FIFA não é muito credível e está longe de avaliar correctamente as selecções. Não creio que se exija demais até porque é reconhecido que temos dos melhores jogadores do mundo. O nosso futebol atingiu um patamar de topo e muitos jogadores alinham na elite dos clubes europeus. Penso que podemos ir longe na África do Sul, não pode é ser um drama nacional se formos eliminados logo na fase de grupos, até porque os nossos adversários, especialmente o Brasil e a Costa do Marfim, são muito fortes.

Este naipe de jogadores é melhor ou pior do que a selecção de 2006?

Creio que a selecção de 2006 estava mais «feita», tinha jogadores que jogavam juntos há mais tempo, para além de que existia mais entrosamento entre os atletas treinados por Luís Felipe Scolari.

Se a campanha correr mal vai falar-se do fantasma Scolari?

Ele conseguiu resultados, mas tivemos uma circunstância muito específica que foi jogar um campeonato da Europa em casa. O 2.º lugar foi bom, mas ficou o amargo de boca de termos perdido em casa diante da Grécia, uma selecção com pouca expressão. O quarto lugar no mundial de 2006 foi fantástico, mas creio que não foi só mérito do seleccionador, devendo-se este feito em particular à qualidade dos jogadores. Não retiro com isto valor a Scolari. Ele foi importante num período particular, assumindo-se como um treinador afastado da correlação de interesses e dos poderes tradicionais do futebol português.

Em que selecção e «estrela» apostaria?

É difícil. Mas por respeito pela história, aposto no Brasil. Quanto a jogadores são muitos, Cristiano, Messi e Kaká. Talvez Rooney possa intrometer-se e ser uma surpresa.

José Mourinho é, por estes dias, a pessoa mais falada do «planeta futebol». Como se explica que um treinador ultrapasse o mediatismo dos próprios jogadores?

Os grandes técnicos da história do futebol mundial, como Rinus Michels, Helénio Herrera ou o próprio Johan Cruyff, conseguiram que, fruto do seu carisma e talento, as suas equipas fossem meros exércitos por si comandados. Mourinho junta-se a esse clube restrito. Ele é o «top», especialmente naquilo que no futebol é fundamental, a estratégia. E o melhor a preparar cada jogo especificamente.

O que é mais decisivo, os «mind games» ou a componente estratégica?

A táctica e a estratégia são de caras as mais decisivas. Viu-se isso nos dois jogos que Mourinho preparou ao milímetro na eliminatória das meias finais da Champions entre o Inter e o Barcelona. Conhecer o adversário é fundamental, mas não se pode esquecer a vertente psicológica e da liderança, aquilo a que eu chamo a táctica emocional, que nos dias que correm assume grande relevância.

O Real Madrid é um colosso em dimensão e também é grande nos problemas internos. É o maior desafio da carreira do treinador português?

Pese embora o Inter de Milão ser um grande, ele nunca treinou um clube como este no que se refere à política desportiva e aos métodos de trabalho. O Real Madrid foi um clube que nos últimos anos utilizou os jogadores como «pop stars» e tentou vender camisolas antes mesmo de vender o seu futebol. Mourinho vai querer jogadores de carne e osso e não estrelas. Logo estamos perante uma inversão da política de contratações do clube madrileno. Estou expectante para saber se o Real vai conseguir contratar, em vez dos habituais jogadores do meio campo para a frente, alguns defesas.

Mourinho ainda é um jovem. Pensa que pode converter-se no melhor no seu posto?


Neste momento ele já é um dos melhores treinadores de sempre. Pode ganhar a terceira Champions League por três clubes distintos, já venceu no campeonato inglês e italiano e pode agora vencer no espanhol. Mourinho marca definitivamente uma época.

Num cenário de crise o futebol é uma das faces mais visíveis do país no exterior. Mourinho e Ronaldo são dois símbolos do Portugal vencedor. O futebol é a nossa melhor exportação?

Basta viajar para perceber o impacto do sucesso destas duas figuras na projecção de Portugal além-fronteiras. Por isso, respeitam o nosso país e chegam inclusive a tratar-te melhor por seres compatriota de Mourinho ou Ronaldo. Isso já me aconteceu. Portugal nunca teve, ao mesmo tempo, um jogador e um treinador com tanta força e visibilidade em termos planetários. São os nossos heróis contemporâneos. Fazem-nos sentir grandes. Evidentemente que isto não dá de comer a nenhum povo, mas é preciso perceber que o futebol é a língua mais falada no mundo.

Como reage aos portugueses que preferem ser detractores dos êxitos destes seus compatriotas?

É uma forma de ser portuguesa e que talvez merecesse uma análise sociológica adequada. Não é por acaso que a última palavra dos «Lusíadas» é… inveja.

O último campeonato português registou uma inversão de tendência com o Benfica a sagrar-se campeão. Acabou a hegemonia do FC Porto?

Não acredito. Pode é ser diferente daqui em diante. O FC Porto não vai ter uma queda tão acentuada como aconteceu ao Benfica na última década, mas acho que os «encarnados» vão conseguir equilibrar as forças. O treinador Jorge Jesus foi muito importante, da mesma forma que a estrutura montada pode fazer abrir um novo ciclo de equilíbrio entre os grandes, ficando por saber que papel pode o Sporting desempenhar neste duelo a dois.

Depois do segundo lugar deste campeonato, o Sporting de Braga vai conseguir intrometer-se?

O Braga tem uma grande equipa, mas está muito longe de ser um grande clube como o Benfica e o FC Porto, em termos estruturais, patrimoniais e de sócios. Estas lacunas impedem-no de crescer e afirmar-se como crónico candidato ao título.

A falta de competitividade do nosso futebol intramuros atira-nos para a segunda divisão da Europa?

O ritmo de jogo e a qualidade técnica são reduzidas, o que fazem com que o nosso campeonato se situe ao nível de um campeonato grego, turco ou holandês. Falta estrutura económica e competitividade que dificilmente fará com que alcancemos um patamar superior.

Enquanto analista do «desporto-rei» tem uma colecção invulgar de vídeos e recortes sobre a modalidade, onde procura apreender todos os detalhes. É possível conciliar a paixão pelo futebol com uma abordagem próxima da cientificidade?

O futebol é basicamente um jogo de emoções. A partir daí é possível fazer diversas abordagens, mais técnica, cientifica, mais táctica, mas sem nunca retirar a base emocional que suporta toda a modalidade. Como eu costumo dizer, quem não sente o futebol, não o pode entender. Mesmo quando analiso cientificamente um jogo, sistematizando o conhecimento e procurando saber o motivo pelo qual certas coisas acontecem, estou a fazê-lo com emoção. Aliás, defendo que a ciência não mata a emoção, antes pelo contrário. A primeira está ao serviço da segunda.

Não pensa que existem demasiados programas de debate sobre futebol?

Há muita diversidade. É preciso distinguir o programa dos adeptos, em que se fala do futebol de forma mais rudimentar e excessivamente selvagem nalguns momentos, e os outros como o «Pontapé de Saída», em que participo, que é um programa de análise do fenómeno futebol e de todas as suas envolvências. Também há o caso do «Tempo Extra» do Rui Santos, trata-se de um jornalista com um estilo muito próprio e que enquadra o fenómeno do ponto de vista social, político e desportivo, no qual não me revejo, pese embora achar que ele tem um «background» de conhecimento tremendo no jornalismo desportivo.

Precisamente Rui Santos, que foi seu colega em «A Bola», promoveu uma petição sobre a verdade desportiva em que defende a introdução das novas tecnologias no futebol. Concorda?

Assusta-me um pouco quando oiço falar dos meios tecnológicos no futebol. Nunca ninguém explicou como iam ser verdadeiramente adoptados. Penso que iria desvirtuar o desenrolar de um jogo, impondo paragens sem sentido.

O jogo ficaria muito parecido com o futebol americano ou a NBA?

Não rejeito taxativamente, mas tenho muitas dúvidas nos que dizem, sem rodeios, sim. Apenas admito a utilização de meios tecnológicos na situação em que a bola pode ter ultrapassado a linha de baliza. Mas várias questões se levantam: como é que se vai implantar esse sistema no Burkina Fasso, no Quénia e nos jogos de iniciados ou de juvenis? Quanto mais o futebol de alta competição se aproximar do futebol de rua, melhor. Digo-o com sinceridade, apesar de poder chocar muita gente: eu gosto de ver um golo do Maradona com a mão. O futebol para mim é isto.

É um crítico da imprensa desportiva portuguesa. Que principais pecados aponta?

Incomoda-me que se encham páginas e páginas com assuntos e protagonistas à margem dos verdadeiros artistas, do mesmo modo que entendo que se caiu numa cedência ao discurso fácil e mais populista da abordagem do fenómeno futebolístico. Penso que por vezes seria mais interessante dar mais importância a treinadores e a jogadores, do que a dirigentes desportivos, da mesma forma que se devia valorizar o futebol que se pratica dentro das quatro linhas em detrimento do que é «jogado» na secretaria.

A linguagem bélica difundida antes de certos jogos contribui para acicatar os ânimos das massas?

Por vezes exagera-se no destaque que se dá a certas declarações, mas sinceramente não creio que um dos principais problemas do nosso futebol resida na imprensa desportiva.

O futebol é a sua devotada paixão, mas acabou por licenciar-se em Direito pela Faculdade do Porto. Que impressão global tem do sistema de ensino em Portugal?

Parece que continua muito trabalho por fazer em termos de formação, mais do que de educação. Tem a ver com princípios e valores. E temos um grande caminho a percorrer. Tenho dois filhos na quarta classe e quando vou às reuniões com os professores quero saber prioritariamente se partilham valores cívicos e humanos, se demonstram educação, se respeitam os colegas, etc. É neste aspecto que a escola falha de forma gritante e devia avançar muito. Falta educar para os valores.

Essa falta de valores também se reflecte em atitudes menos desportivas dentro e fora do campo?

O nosso problema é de cultura. Ponto final. E essa lacuna manifesta-se, nomeadamente, nos teatros desportivos. O fenómeno mais degradante da actualidade é a desintegração social que se assiste nas ruas e o futebol é o espelho disso, não uma causa.

Nuno Dias da Silva

 


Cara da Notícia

Luís Freitas Lobo nasceu em 1967. É um dos comentadores e analistas de futebol mais evoluídos e solicitados da actualidade. Ocupa boa parte do seu tempo lendo e visionando livros e filmes que guarda religiosamente em casa sobre o «desporto-rei». O seu site pessoal www.planetafutebol.com é uma referência para muitos adeptos. Nele se pode ler uma frase que dá conta da paixão que nutre pela modalidade: «Para mim, mais do que cinco continentes e sete mares, o mundo é um infinito conjunto de campos de futebol com muitas casas à volta».

Formou-se em Direito pela Universidade do Porto, mas a atracção pelo futebol nunca o largou. Mantém colaborações regulares no «Expresso», onde escreve semanalmente, para além de alimentar o blogue «4x3x3» na edição online do jornal da Impresa, na RTP e RTP-N, onde para além de outras participações, intervém no programa «Pontapé de Saída», às quintas-feiras, e na TSF, onde faz parceria com os jornalistas Mário Fernando e João Rosado no debate «Jogo Jogado». É ainda autor da coluna «Planeta Futebol», no jornal «A Bola». Colaborou também nos jornais «Público», «O Jogo» e na «Revista Mundial», na Antena 1 e na SIC. Na incursão pelos livros já escreveu dois: «Os Magos do Futebol», em 2002, e «Planeta do Futebol», em 2007. Vai ser presença assídua nos ecrãs da RTP-N, nos meses de Junho e Julho, como comentador residente do programa «À Noite, o Mundial», apresentado ao serão por Carlos Daniel.
 

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