FRANCISCO GEORGE,
DIRECTOR-GERAL DE SAÚDE
"É uma urgência
nacional mudar de vida"

O responsável máximo da autoridade de
saúde portuguesa quer pôr o país a mexer, defendendo que se «volte aos
parques e ofereça às crianças trotinetas, triciclos e bicicletas».
Promover hábitos saudáveis de alimentação e quebrar com o sedentarismo
será meio caminho andado para combater a hipertensão, a diabetes e a
obesidade, as doenças crónicas que mais preocupam o Director-Geral de
Saúde. Francisco George considera que o novo impulso dado à educação
sexual nas escolas vai valorizar os afectos e que devido à adopção de
medidas preventivas contra a gripe A foram adquiridos novos hábitos de
higiene nos estabelecimentos de ensino. Sobre o vírus do H1N1, George
garante que voltará no Outono.
O Dia Mundial da Saúde celebrou-se a
7 de Abril e coincidiu com o anúncio de uma medida emblemática: a
diminuição do sal no pão, a partir de Agosto. De que forma o preocupa o
fenómeno da hipertensão?
É uma prioridade e estou em crer que a redução do sal no pão vai ter
reflexos na pandemia da hipertensão arterial, que é a maior das
preocupações. Trata-se de uma lei aprovada no Verão passado pelos
deputados da Assembleia da República que impõe que o sal no pão, já
confeccionado, não ultrapasse 1,4 gramas por 100 gramas de pão
confeccionado. É urgente travar o actual crescimento do número de casos
novos de hipertensos. Se juntarmos a hipertensão arterial à diabetes e à
obesidade, temos três doenças crónicas que são os maiores problemas com
que nos confrontamos e que apresentam em comum o facto de serem
influenciadas pelo comportamento dos próprios cidadãos. Também em comum
têm o facto de serem as três doenças evitáveis, em parte, através de
medidas simples e que passam, nomeadamente pela alimentação equilibrada
e pela promoção do exercício físico.
Os portugueses, de uma forma geral,
são desleixados com a sua saúde?
Não são nem mais nem menos relativamente a outros cidadãos da Europa.
Desde que devidamente informados, os comportamentos mudam no sentido da
promoção de uma vida mais saudável. Há que fazer um esforço de
informação dos cidadãos. A Direcção-Geral de Saúde não impõe hábitos,
limita-se a fornecer elementos informativos para que os receptores da
mensagem, ou seja, os cidadãos, mudem o seu comportamento.
As mortes provocadas pelo cancro têm
crescido nos últimos anos. Que factores condicionam o aparecimento desta
doença: o estilo de vida ou factores genéticos?
Todos os factores têm uma intervenção na génese destes problemas, mas
hoje sabe-se que os estilos de vida e os hábitos alimentares no seio
familiar adquirem especial importância.
Um estudo recente conclui que um em
cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas. A saúde mental
dos portugueses está a degradar-se?
Não. Esta é uma questão distinta das outras doenças crónicas já citadas.
O Serviço Nacional de Saúde tem que ter em conta a magnitude dos casos
do foro mental. Há que ter em consideração sobretudo os problemas que
estão ligados ao aumento da longevidade.
Um estudo intitulado «A adesão à
terapêutica em Portugal», revela que um terço dos doentes crónicos
admite que não compra remédios receitados pelo médico por falta de
dinheiro. Como encara esta conclusão?
Com apreensão. Naturalmente.
A Alta Comissária da Saúde quer o
contributo de todos para o Plano Nacional Saúde (2011-2016) e pretende
recolher opiniões através das redes socais. Defende o recurso ao Twitter
e ao Facebook para fazer passar mensagens de sensibilização?
Por que não?
A Lei do Tabaco gerou forte polémica
aquando da sua implementação, mas agora praticamente não oferece
contestação. Significa que este exemplo deve estimular o Estado a manter
esta atitude pedagógica junto da sociedade?
O caso concreto demonstrou que o Estado, através de iniciativas
legislativas, pode contribuir para elevar o nível de saúde da população.
Temos acompanhado atentamente a implementação da Lei através de um
dispositivo por nós introduzido, designado INFOTABAC e concluímos que
todos reconhecem que se trata de uma boa medida de saúde pública. Nos
restaurantes e similares, onde anteriormente crianças e idosos evitavam
frequentar esses espaços devido à concentração de poluição do ar
interior, há hoje uma aceitação generalizada, incluindo de trabalhadores
e proprietários.
Os fumadores passivos foram os
grandes beneficiados?
Não fazia sentido que num espaço público fechado um fumador obrigasse um
outro cidadão a fumar o seu cigarro. As reacções registadas na altura de
algum modo diluíram-se à medida que todos foram reconhecendo que o ar
interior desses espaços públicos tinha mais qualidade. Todos os
portugueses querem saúde, incluindo os fumadores.
Que outras medidas relevantes têm
sido tomadas no âmbito da saúde pública?
Há diversas medidas, nomeadamente no domínio materno-infantil e da saúde
sexual e reprodutiva que obedecem a um rumo estratégico previamente
definido. Continuamos a dar um relevo especial às acções que visam
proteger a mãe e a criança. Como sabe, têm sido anunciadas medidas nesse
sentido e até no que diz respeito à procriação medicamente assistida
foram dados passos com vista a aumentar a participação do Estado nos
projectos familiares relativamente à fertilidade. A infertilidade é
motivo de sofrimento para muitos casais, mas as medidas inovadoras vão
permitir aumentar o número de nascimentos medicamente assistidos.
Esperamos atingir 3 por cento do total dos nascimentos, o que representa
quatro vezes mais do que actualmente se verifica. Isto já para não falar
da lei aprovada recentemente que permite a interrupção voluntária da
gravidez por decisão da mulher, desde que seja feita até à decima
semana.
Como aprecia a aplicação para o
próximo ano lectivo da educação sexual nos estabelecimentos de ensino
básico e secundário?
Quanto ao trabalho de educação sexual em meio escolar, se bem que seja o
Ministério da Educação a liderar o processo, os serviços das unidades de
saúde pública vão acompanhar em permanência a sua implementação no
terreno. Há um novo impulso na educação sexual em escolas e as medidas
complementares que visam elevar a saúde reprodutiva e sexual são muito
importantes no sentido da valorização da sexualidade e dos afectos.
A educação sexual vai permitir dotar
de mais eficácia a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis?
Claro que sim, mas, note que educação sexual nas escolas pretende, antes
de mais nada, como lhe disse, valorizar a sexualidade e o afecto entre
os jovens. A sexualidade não pode ser ignorada.
Da Sida tem-se falado cada vez
menos. Faz sentido considerá-la uma doença esquecida?
De modo algum. Mas é uma doença que já não é o que era, visto que temos
a possibilidade dos doentes terem uma evolução crónica, prolongada.
Contudo, é um problema de saúde pública. Ainda é uma infecção grave. É
preciso saber que a transmissão pode ser evitada. Só adquire o VIH quem
não atender às práticas preventivas.
Uma disciplina de saúde pública
devia ser obrigatória nos estabelecimentos de ensino?
Tem havido muitas experiências sobre disciplinas com a opção de Saúde,
mas o que é preciso é que os diferentes curricula das disciplinas
incluam aspectos que possam elevar os níveis de saúde em termos
individuais, da família e da comunidade. Para além das medidas de
higiene clássica há que aprofundar os aspectos relativamente à saúde na
vertente informativa. E, a partir dos estudantes, as famílias acabam,
também, por receber, essas informações, visando a melhor compreensão dos
fenómenos de saúde de maneira a reduzir riscos.
O sedentarismo é um dos grandes
problemas que afecta as pessoas, devido à falta de exercício físico e ao
excesso de exposição à televisão. Que receita tem para pôr o país a
mexer?
Existem provas que os hábitos sedentários contribuem para favorecer o
aumento da incidência de obesidade. A criança, mesmo em idade
pré-escolar, se permanecer mais de duas horas diante de um ecrã, seja de
TV ou de um computador, vai adquirir hábitos negativos. É preciso voltar
aos parques, oferecer às crianças trotinetas, triciclos e bicicletas. Os
pais devem perceber os múltiplos riscos, tanto em termos de conteúdos
como ao nível do sedentarismo que comporta a exposição excessiva dos
seus filhos diante de ecrãs. Nomeadamente, a obesidade infantil e a
diabetes são geradas devido ao insuficiente exercício físico. É
essencial voltar a ter uma vida diferente. É uma urgência nacional mudar
de vida. Tem de ser um desafio interiorizado à escala nacional.
Não é um esforço quase hercúleo
quebrar com rotinas instaladas?
Sem dúvida. Mas Portugal não pode ser um país de doentes. Temos mais de
60 mil novos diabéticos todos os anos e não queremos que esta doença
venha a representar um problema ainda de maior escala. Se as medidas não
forem levadas a sério, esta doença pode colocar em causa a própria
sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
O Sistema de Planeamento e Avaliação
de Refeições Escolares (SPARE) foi apresentado em Janeiro. Em que
consiste esta informática?
É uma ferramenta facilitadora da gestão de ementas saudáveis.
A gripe A dominou a actualidade nos
últimos meses. Afirmou que sem as medidas adoptadas esta gripe teria
sido mais mortífera do que a gripe asiática de 1957 que matou 1050
pessoas. A prevenção foi chave para conter a pandemia?
Todos o reconhecem. As medidas tomadas foram apropriadas. Mesmo em meio
escolar adquiriram-se hábitos de higiene que não existiam anteriormente.
Estou certo. Foi um bom investimento.
Pode-se dizer que o pior já passou?
Há um declínio da actividade gripal. Os vírus que provocam a gripe
sazonal foram eclipsados pela estirpe nova. Quase 100 por cento dos
casos de gripe foram provocados pela estirpe nova, de natureza pandémica.
A próxima vacina sazonal vai incluir
a estirpe da gripe A?
Seguramente. Neste momento não há actividade gripal no hemisfério norte,
apenas no hemisfério sul. Voltaremos a ter gripe a partir do próximo
Outono, incluindo a provocada por esta estirpe.
O Conselho da Europa levantou uma
acusação grave que os laboratórios lucraram com o fabrico das vacinas. O
que tem a dizer como responsável máximo da autoridade de saúde nacional?
Estamos num mundo livre e cada um faz os comentários que entende. O que
espanta é a facilidade com que as opiniões são ampliadas pelos mass
media. O que lhe posso dizer é que o Conselho da Europa é uma estrutura
com pouca visibilidade, muitos até o confundem (erradamente) com a
Comissão Europeia. Mas, ao contrário do que muito pensam, não tem
qualquer relação com a União Europeia.
Na sua opinião estas opiniões
carecem de credibilidade?
Sim. Agora é preciso que os sociólogos e os especialistas que se ocupam
das ciências sociais interpretem estes fenómenos. No que respeita ao
movimento contra estas vacinas ele prejudicou a própria vacina.
Reconheço que não estávamos devidamente preparados para combater
opiniões infundadas, não baseadas em dados científicos. As pessoas são
livres de pensar o que quiserem, mas não podem ignorar que há uma
demonstração científica que não pode ser contrariada por opiniões
pessoais.
O H5N1, também conhecida por gripe
das aves, vai continuar a não incomodar seres humanos?
Continua a circular em aves e, neste momento, é um problema apenas para
veterinários. Não diz respeito, para já, aos seres humanos. Mas não é de
excluir que venha, no futuro, a constituir um problema de saúde pública.
Fazendo apelo à sua condição de
médico, que impressão tem sobre a qualidade dos cursos de Medicina?
Tenho a melhor das impressões dos novos cursos. Creio que as
universidades clássicas têm que competir com esses movimentos inovadores
de ensino integrado. Temos que compreender que já não estamos na era
napoleónica. Há avanços na ciência e no ensino superior que não podemos
ignorar.
É favorável à presença de médicos
estrangeiros em Portugal?
Da mesma forma que os médicos portugueses podem trabalhar no
estrangeiro, acho normal que os profissionais de fora exerçam no nosso
País. Como médico já trabalhei no estrangeiro. É um assunto pacífico, a
meu ver.
A questão das dificuldades de
comunicação não se coloca?
É óbvio que é preciso um esforço para aprender a língua e saber dialogar
com o doente, mas são requisitos que têm sido acompanhados pelas
autoridades. Destaco o papel que a Fundação Calouste Gulbenkian tem
desempenhado no apoio à integração de médicos estrangeiros, eslavos,
sobretudo, no nosso país. São bem-vindos.

Nuno Dias da Silva
Fotos: Lusa - Inácio rosa
e Expresso - Ana Baião
Cara da Notícia
Francisco George nasceu em
Lisboa, em 1947. É licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina
de Lisboa, desde 1973, onde foi aprovado com distinção. Foi interno
de medicina nos hospitais civis de Lisboa, em Santa Maria. Foi
delegado de saúde a partir de 1976, em Cuba e em Beja. Entre 1980 e
1991 desempenhou o cargo de funcionário da Organização Mundial de
Saúde (OMS), tendo sido destacado em diversas missões em vários
pontos do mundo. Regressa à carreira nacional, assumindo o cargo de
chefe de serviço de saúde pública. Posteriormente, foi nomeado
sub-Director-Geral de saúde em 2001 e reconduzido em 2004. Seria
nomeado Director-Geral de Saúde, primeiro em 16 de Agosto de 2005 e
depois, no seguimento da reforma da administração pública, em 6 de
Novembro de 2006. É um grande especialista em questões relacionadas
com o VIH/Sida e as doenças relacionadas com a poluição,
desempenhando funções neste domínio no quadro da União Europeia. É
membro suplente do Conselho Executivo da OMS, desde 2005. Integra
ainda como membro as seguintes entidades: Associação Portuguesa de
Epidemiologia, Associação Portuguesa para a Promoção da Saúde
Pública, Sociedade Portuguesa de Virologia e Associação Portuguesa
para o Estudo Clínico da Sida. Em Março de 2006, recebeu a
condecoração da Ordem do Infante D. Henrique, Grande-Oficial, das
mãos do Presidente da República, Jorge Sampaio. Em termos
académicos, é professor auxiliar convidado da Escola Nacional de
Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.

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