Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIII    Nº146    Abril 2010

Entrevista

FRANCISCO GEORGE, DIRECTOR-GERAL DE SAÚDE

"É uma urgência nacional mudar de vida"

O responsável máximo da autoridade de saúde portuguesa quer pôr o país a mexer, defendendo que se «volte aos parques e ofereça às crianças trotinetas, triciclos e bicicletas». Promover hábitos saudáveis de alimentação e quebrar com o sedentarismo será meio caminho andado para combater a hipertensão, a diabetes e a obesidade, as doenças crónicas que mais preocupam o Director-Geral de Saúde. Francisco George considera que o novo impulso dado à educação sexual nas escolas vai valorizar os afectos e que devido à adopção de medidas preventivas contra a gripe A foram adquiridos novos hábitos de higiene nos estabelecimentos de ensino. Sobre o vírus do H1N1, George garante que voltará no Outono.
 

O Dia Mundial da Saúde celebrou-se a 7 de Abril e coincidiu com o anúncio de uma medida emblemática: a diminuição do sal no pão, a partir de Agosto. De que forma o preocupa o fenómeno da hipertensão?

É uma prioridade e estou em crer que a redução do sal no pão vai ter reflexos na pandemia da hipertensão arterial, que é a maior das preocupações. Trata-se de uma lei aprovada no Verão passado pelos deputados da Assembleia da República que impõe que o sal no pão, já confeccionado, não ultrapasse 1,4 gramas por 100 gramas de pão confeccionado. É urgente travar o actual crescimento do número de casos novos de hipertensos. Se juntarmos a hipertensão arterial à diabetes e à obesidade, temos três doenças crónicas que são os maiores problemas com que nos confrontamos e que apresentam em comum o facto de serem influenciadas pelo comportamento dos próprios cidadãos. Também em comum têm o facto de serem as três doenças evitáveis, em parte, através de medidas simples e que passam, nomeadamente pela alimentação equilibrada e pela promoção do exercício físico.
 

Os portugueses, de uma forma geral, são desleixados com a sua saúde?

Não são nem mais nem menos relativamente a outros cidadãos da Europa. Desde que devidamente informados, os comportamentos mudam no sentido da promoção de uma vida mais saudável. Há que fazer um esforço de informação dos cidadãos. A Direcção-Geral de Saúde não impõe hábitos, limita-se a fornecer elementos informativos para que os receptores da mensagem, ou seja, os cidadãos, mudem o seu comportamento.
 

As mortes provocadas pelo cancro têm crescido nos últimos anos. Que factores condicionam o aparecimento desta doença: o estilo de vida ou factores genéticos?

Todos os factores têm uma intervenção na génese destes problemas, mas hoje sabe-se que os estilos de vida e os hábitos alimentares no seio familiar adquirem especial importância.
 

Um estudo recente conclui que um em cinco portugueses sofre de perturbações psiquiátricas. A saúde mental dos portugueses está a degradar-se?

Não. Esta é uma questão distinta das outras doenças crónicas já citadas. O Serviço Nacional de Saúde tem que ter em conta a magnitude dos casos do foro mental. Há que ter em consideração sobretudo os problemas que estão ligados ao aumento da longevidade.
 

Um estudo intitulado «A adesão à terapêutica em Portugal», revela que um terço dos doentes crónicos admite que não compra remédios receitados pelo médico por falta de dinheiro. Como encara esta conclusão?

Com apreensão. Naturalmente.
 

A Alta Comissária da Saúde quer o contributo de todos para o Plano Nacional Saúde (2011-2016) e pretende recolher opiniões através das redes socais. Defende o recurso ao Twitter e ao Facebook para fazer passar mensagens de sensibilização?

Por que não?
 

A Lei do Tabaco gerou forte polémica aquando da sua implementação, mas agora praticamente não oferece contestação. Significa que este exemplo deve estimular o Estado a manter esta atitude pedagógica junto da sociedade?

O caso concreto demonstrou que o Estado, através de iniciativas legislativas, pode contribuir para elevar o nível de saúde da população. Temos acompanhado atentamente a implementação da Lei através de um dispositivo por nós introduzido, designado INFOTABAC e concluímos que todos reconhecem que se trata de uma boa medida de saúde pública. Nos restaurantes e similares, onde anteriormente crianças e idosos evitavam frequentar esses espaços devido à concentração de poluição do ar interior, há hoje uma aceitação generalizada, incluindo de trabalhadores e proprietários.
 

Os fumadores passivos foram os grandes beneficiados?

Não fazia sentido que num espaço público fechado um fumador obrigasse um outro cidadão a fumar o seu cigarro. As reacções registadas na altura de algum modo diluíram-se à medida que todos foram reconhecendo que o ar interior desses espaços públicos tinha mais qualidade. Todos os portugueses querem saúde, incluindo os fumadores.
 

Que outras medidas relevantes têm sido tomadas no âmbito da saúde pública?

Há diversas medidas, nomeadamente no domínio materno-infantil e da saúde sexual e reprodutiva que obedecem a um rumo estratégico previamente definido. Continuamos a dar um relevo especial às acções que visam proteger a mãe e a criança. Como sabe, têm sido anunciadas medidas nesse sentido e até no que diz respeito à procriação medicamente assistida foram dados passos com vista a aumentar a participação do Estado nos projectos familiares relativamente à fertilidade. A infertilidade é motivo de sofrimento para muitos casais, mas as medidas inovadoras vão permitir aumentar o número de nascimentos medicamente assistidos. Esperamos atingir 3 por cento do total dos nascimentos, o que representa quatro vezes mais do que actualmente se verifica. Isto já para não falar da lei aprovada recentemente que permite a interrupção voluntária da gravidez por decisão da mulher, desde que seja feita até à decima semana.
 

Como aprecia a aplicação para o próximo ano lectivo da educação sexual nos estabelecimentos de ensino básico e secundário?

Quanto ao trabalho de educação sexual em meio escolar, se bem que seja o Ministério da Educação a liderar o processo, os serviços das unidades de saúde pública vão acompanhar em permanência a sua implementação no terreno. Há um novo impulso na educação sexual em escolas e as medidas complementares que visam elevar a saúde reprodutiva e sexual são muito importantes no sentido da valorização da sexualidade e dos afectos.
 

A educação sexual vai permitir dotar de mais eficácia a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis?

Claro que sim, mas, note que educação sexual nas escolas pretende, antes de mais nada, como lhe disse, valorizar a sexualidade e o afecto entre os jovens. A sexualidade não pode ser ignorada.
 

Da Sida tem-se falado cada vez menos. Faz sentido considerá-la uma doença esquecida?

De modo algum. Mas é uma doença que já não é o que era, visto que temos a possibilidade dos doentes terem uma evolução crónica, prolongada. Contudo, é um problema de saúde pública. Ainda é uma infecção grave. É preciso saber que a transmissão pode ser evitada. Só adquire o VIH quem não atender às práticas preventivas.
 

Uma disciplina de saúde pública devia ser obrigatória nos estabelecimentos de ensino?

Tem havido muitas experiências sobre disciplinas com a opção de Saúde, mas o que é preciso é que os diferentes curricula das disciplinas incluam aspectos que possam elevar os níveis de saúde em termos individuais, da família e da comunidade. Para além das medidas de higiene clássica há que aprofundar os aspectos relativamente à saúde na vertente informativa. E, a partir dos estudantes, as famílias acabam, também, por receber, essas informações, visando a melhor compreensão dos fenómenos de saúde de maneira a reduzir riscos.
 

O sedentarismo é um dos grandes problemas que afecta as pessoas, devido à falta de exercício físico e ao excesso de exposição à televisão. Que receita tem para pôr o país a mexer?

Existem provas que os hábitos sedentários contribuem para favorecer o aumento da incidência de obesidade. A criança, mesmo em idade pré-escolar, se permanecer mais de duas horas diante de um ecrã, seja de TV ou de um computador, vai adquirir hábitos negativos. É preciso voltar aos parques, oferecer às crianças trotinetas, triciclos e bicicletas. Os pais devem perceber os múltiplos riscos, tanto em termos de conteúdos como ao nível do sedentarismo que comporta a exposição excessiva dos seus filhos diante de ecrãs. Nomeadamente, a obesidade infantil e a diabetes são geradas devido ao insuficiente exercício físico. É essencial voltar a ter uma vida diferente. É uma urgência nacional mudar de vida. Tem de ser um desafio interiorizado à escala nacional.
 

Não é um esforço quase hercúleo quebrar com rotinas instaladas?

Sem dúvida. Mas Portugal não pode ser um país de doentes. Temos mais de 60 mil novos diabéticos todos os anos e não queremos que esta doença venha a representar um problema ainda de maior escala. Se as medidas não forem levadas a sério, esta doença pode colocar em causa a própria sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
 

O Sistema de Planeamento e Avaliação de Refeições Escolares (SPARE) foi apresentado em Janeiro. Em que consiste esta informática?

É uma ferramenta facilitadora da gestão de ementas saudáveis.
 

A gripe A dominou a actualidade nos últimos meses. Afirmou que sem as medidas adoptadas esta gripe teria sido mais mortífera do que a gripe asiática de 1957 que matou 1050 pessoas. A prevenção foi chave para conter a pandemia?

Todos o reconhecem. As medidas tomadas foram apropriadas. Mesmo em meio escolar adquiriram-se hábitos de higiene que não existiam anteriormente. Estou certo. Foi um bom investimento.
 

Pode-se dizer que o pior já passou?

Há um declínio da actividade gripal. Os vírus que provocam a gripe sazonal foram eclipsados pela estirpe nova. Quase 100 por cento dos casos de gripe foram provocados pela estirpe nova, de natureza pandémica.
 

A próxima vacina sazonal vai incluir a estirpe da gripe A?

Seguramente. Neste momento não há actividade gripal no hemisfério norte, apenas no hemisfério sul. Voltaremos a ter gripe a partir do próximo Outono, incluindo a provocada por esta estirpe.
 

O Conselho da Europa levantou uma acusação grave que os laboratórios lucraram com o fabrico das vacinas. O que tem a dizer como responsável máximo da autoridade de saúde nacional?

Estamos num mundo livre e cada um faz os comentários que entende. O que espanta é a facilidade com que as opiniões são ampliadas pelos mass media. O que lhe posso dizer é que o Conselho da Europa é uma estrutura com pouca visibilidade, muitos até o confundem (erradamente) com a Comissão Europeia. Mas, ao contrário do que muito pensam, não tem qualquer relação com a União Europeia.
 

Na sua opinião estas opiniões carecem de credibilidade?

Sim. Agora é preciso que os sociólogos e os especialistas que se ocupam das ciências sociais interpretem estes fenómenos. No que respeita ao movimento contra estas vacinas ele prejudicou a própria vacina. Reconheço que não estávamos devidamente preparados para combater opiniões infundadas, não baseadas em dados científicos. As pessoas são livres de pensar o que quiserem, mas não podem ignorar que há uma demonstração científica que não pode ser contrariada por opiniões pessoais.
 

O H5N1, também conhecida por gripe das aves, vai continuar a não incomodar seres humanos?

Continua a circular em aves e, neste momento, é um problema apenas para veterinários. Não diz respeito, para já, aos seres humanos. Mas não é de excluir que venha, no futuro, a constituir um problema de saúde pública.
 

Fazendo apelo à sua condição de médico, que impressão tem sobre a qualidade dos cursos de Medicina?

Tenho a melhor das impressões dos novos cursos. Creio que as universidades clássicas têm que competir com esses movimentos inovadores de ensino integrado. Temos que compreender que já não estamos na era napoleónica. Há avanços na ciência e no ensino superior que não podemos ignorar.
 

É favorável à presença de médicos estrangeiros em Portugal?

Da mesma forma que os médicos portugueses podem trabalhar no estrangeiro, acho normal que os profissionais de fora exerçam no nosso País. Como médico já trabalhei no estrangeiro. É um assunto pacífico, a meu ver.
 

A questão das dificuldades de comunicação não se coloca?

É óbvio que é preciso um esforço para aprender a língua e saber dialogar com o doente, mas são requisitos que têm sido acompanhados pelas autoridades. Destaco o papel que a Fundação Calouste Gulbenkian tem desempenhado no apoio à integração de médicos estrangeiros, eslavos, sobretudo, no nosso país. São bem-vindos.

Nuno Dias da Silva
Fotos: Lusa - Inácio rosa
e Expresso - Ana Baião

 


Cara da Notícia

Francisco George nasceu em Lisboa, em 1947. É licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa, desde 1973, onde foi aprovado com distinção. Foi interno de medicina nos hospitais civis de Lisboa, em Santa Maria. Foi delegado de saúde a partir de 1976, em Cuba e em Beja. Entre 1980 e 1991 desempenhou o cargo de funcionário da Organização Mundial de Saúde (OMS), tendo sido destacado em diversas missões em vários pontos do mundo. Regressa à carreira nacional, assumindo o cargo de chefe de serviço de saúde pública. Posteriormente, foi nomeado sub-Director-Geral de saúde em 2001 e reconduzido em 2004. Seria nomeado Director-Geral de Saúde, primeiro em 16 de Agosto de 2005 e depois, no seguimento da reforma da administração pública, em 6 de Novembro de 2006. É um grande especialista em questões relacionadas com o VIH/Sida e as doenças relacionadas com a poluição, desempenhando funções neste domínio no quadro da União Europeia. É membro suplente do Conselho Executivo da OMS, desde 2005. Integra ainda como membro as seguintes entidades: Associação Portuguesa de Epidemiologia, Associação Portuguesa para a Promoção da Saúde Pública, Sociedade Portuguesa de Virologia e Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da Sida. Em Março de 2006, recebeu a condecoração da Ordem do Infante D. Henrique, Grande-Oficial, das mãos do Presidente da República, Jorge Sampaio. Em termos académicos, é professor auxiliar convidado da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.
 

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