Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIII    Nº146    Abril 2010

Entrevista

JOANA VASCONCELOS, EM ENTREVISTA

Conversas sem rede

Joana Vasconcelos, a artista plástica portuguesa mais representativa da sua geração, mostra a sua obra na primeira exposição antológica, Sem Rede. A trabalhar actualmente numa peça sobre o consumismo associado à comida, Joana Vasconcelos fala ao Ensino Magazine do seu percurso artístico, da escolha do título Sem Rede, e das peças em exposição. A artista fala de Corações Independentes; à Noiva, que em Veneza constituiu um marco importante na sua carreira; e ao Sapato Cinderela, símbolo da condição feminina, e um passo de gigante no caminho crescente da internacionalização da criadora.
 

Sem Rede é a sua primeira exposição Antológica e pode ser vista no Museu Berardo até dia 18 de Maio. O que significa Sem Rede?

É uma mostra em termos de obra, que revela no fundo toda a grande aventura que tem sido chegar até aqui. Tem sido uma aventura com imensos percalços, com imensos volte faces, com coisas que resultaram, coisas que não resultaram. Mas o espírito foi uma viagem sem rede, ou seja, correram-se muitos riscos, muitas vezes sem a segurança de poder continuar. É nesse sentido figurado o título.
 

Dois dos modelos do sapato Cinderela foram vendidos por 500 mil euros no leilão internacional da Christie`s. Este valor surpreendeu-a, ou entrar pela porta principal no mercado internacional foi sempre um objectivo?

Não, nunca foi um objectivo. Na verdade esse valor surpreendeu-me porque quando se fazem as peças não se está a pensar quanto é que vão custar. Fazemos porque temos a convicção de que são objectos que vão comunicar, que são diferentes. Objectos que têm um sentido, principalmente de comunicar com as pessoas e com o mundo. Isso é a génese da produção artística, não é a génese de que vai custar dez, cinco mil ou dois mil. Depois o que acontece com o mercado da arte é realmente uma surpresa. Fica-se sempre a pensar «Bem, nunca me passaria na vida tal coisa».
 

Acertou em cheio no coração do mercado e do público internacional?

Isso também é relativo, porque mercados há vários. A Christie`s é um mercado muito específico, é um segundo mercado. Em termos de mercado de arte o primeiro mercado é feito pelas galerias e pelos grandes leilões. Obviamente que é importante estar no panorama internacional, num dos principais palcos do mercado internacional, que é sem dúvida o Christie`s. Mas isso não vai mudar a minha carreira como artista internacional. Ajuda, mas não é isso que a faz mudar.
 

As suas peças utilizam objectos quotidianos: talheres de plástico para Corações Independentes; garrafas para a obra Nectar; tachos do Arroz para Cinderela. Porquê a escolha destes materiais?

A escolha destes materiais tem haver com as ideais que estou a desenvolver. Se estou a falar da dualidade da mulher contemporânea, ou a falar do problema do álcool, do consumismo de álcool que há em Portugal, e que simboliza um flagelo social, estou a pensar nessas coisas. Vou de encontro aos objectos que me ajudam e expressar as minhas preocupações, ou as minhas ideias. Quando estava a falar da dualidade da vida feminina pensei «Como é que eu vou expressar isto?». Pensei em utilizar o sapato que é um símbolo feminino e depois «como é que falo da mulher em casa, da mulher no privado, da mulher relacionada com a família e a tradição?» «Vou fazer isto com tachos». Escolhi um tacho que fosse comum a várias culturas, que fosse o ícone dos tachos, e pareceu-me que o tacho do Arroz era uma boa escala para o fazer. E apareceu o Sapato. Não está na origem da ideia, o material. O material é uma consequência de um projecto conceptual.
 

A Noiva, Cinderela, são obras de carisma forte que remetem para o universo feminino. O Feminino assume um papel importante no conjunto da sua obra?

Claro que sim. Eu sou mulher, e como mulher, e como ser humano, tenho de ser perspicaz em relação ao drama da mulher ser ainda hoje considerada um humano de segunda. Enquanto isso acontecer, não como mulher, mas como ser humano, creio que tenho de defender os direitos humanos das mulheres.
 

De onde surgem as ideias para as suas peças?

No fundo de uma base muito simples: do quotidiano, a nossa vida, as preocupações do presente. As preocupações que temos enquanto vivemos no nosso país, com a nossa condição humana.
 

A sua obra passa uma mensagem?

Temos de mudar as coisas para melhor, sem esquecer as coisas boas que o passado nos trouxe.

Mas tentando avançar com despreocupação e com sentido positivo.
 

Ser artista aconteceu?

Sim aconteceu, mas aconteceu segundo uma procura, uma pesquisa pessoal.
 

Consegue imaginar-se a fazer outra coisa que não arte?

Costumo dizer que os artistas tem uma grande característica que é: se não fossem artistas podiam ser qualquer outra coisa. A capacidade de artista tem haver com uma capacidade de adaptabilidade e de versatilidade, de sinceridade no olhar para a sociedade. Portanto poderia ser qualquer outra coisa. Se fosse preciso, acho que poderia fazer outra profissão qualquer.
 

Há alguma peça que a tenha marcado em especial?

Depende do contexto em que se está a falar. Há peças que me marcam mais por marcarem a minha vida artística, ou um momento especial da minha vida. Sem dúvida A Noiva, em Veneza, é um momento importante da minha carreira em termos pessoais; depois A Torre de Belém é uma peça que me marcou em termos históricos, por estar relacionada com o nosso passado, e a nossa tradição; e por exemplo os Corações relacionando-se com a nossa cultura, com os nosso valores de luxo, e com os nossos valores de técnicas portuguesas. Enfim, cada uma tem o seu significado particular.
 

Está a trabalhar em alguma peça neste momento?

Estou a trabalhar sobre um tema que é o consumismo relacionado com a comida. A ideia de luxo associada à gastronomia. O “ter mais olhos que barriga”. É por aí.
 

Será uma peça de grandes dimensões?

São várias peças de grandes dimensões, umas maiores que outras.

Eugénia Sousa


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