Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº121    Março 2008

Entrevista

CARLOS DANIEL, JORNALISTA DA RTP

"Jornalismo não é profissão de sucesso garantido"

DO rosto do “Trio de Ataque” e do “Jornal da Tarde” entende que devem ser encontrados os responsáveis pelo licenciamento de tantos cursos universitários, muitos deles sem saídas para o mercado laboral. O jornalista critica que o entretenimento invada os espaços informativos e a aposta na «monocultura da telenovela» praticada em alguns canais.

No panorama futebolístico, Carlos Daniel defende, em nome da transparência, que política, construção civil e os grandes escritórios de advogados, sigam caminhos diferentes. Considera o FC Porto mais forte que a concorrência directa para ganhar o título e afirma que o nosso campeonato nunca pode aspirar a ser mais do que aquilo que é.
 

É o apresentador do programa da RTP-N, “Trio de Ataque”, o mais visto do canal. O “Dia Seguinte” na SIC-Notícias é, igualmente, o que recolhe mais audiência naquela estação do cabo. Como explica a popularidade destes programas de debate sobre futebol?

O futebol é o denominador comum das conversas dos portugueses e mais de 90 por cento dos que gostam de futebol são adeptos dos três grandes. Os programas em causa atingem transversalmente a sociedade e colocam a discussão ao nível do adepto (que sofre, que se queixa, que se indigna, etc).
 

O futebol português tem perdido qualidade, inclusive ao nível dos jogadores estrangeiros que aqui actuam. Pensa que a médio prazo podemos perder visibilidade para campeonatos como a Bulgária, a Roménia e Chipre?

Não, não me parece nada. Continuam a nascer demasiados talentos e há uma evolução positiva ao nível do treino. E nem me parece que o futebol português tenha perdido assim tanta qualidade. Há é uma Europa dos super-ricos (Inglaterra, Espanha e Itália à frente, mas também Alemanha e França) que concentra todos os grandes talentos do mundo. Também Brasil e Argentina perderam todas as suas grandes vedetas.
 

O FC Porto dobrou a primeira volta do campeonato na liderança de forma folgada. Salvo imprevisto, os dragões vão revalidar o título, sem dificuldade?

Sim, já não há dúvidas. Não é só o Porto que está mais forte, como os perseguidores (falo de Benfica e Sporting, obviamente), até agora, estão muito fracos.
 

Para além do natural investimento, o que falta para a Liga portuguesa se equiparar algum dia ao espectáculo da Premier League inglesa?

Estar noutro país, com muito mais de dez milhões de habitantes e capacidade de se tornar um produto vendável no mundo inteiro do ponto de vista televisivo. Não vale a pena sonhar. A Liga pode ser melhor mas é… portuguesa.
 

A promiscuidade entre política e futebol continua demasiado latente, como o mostra à sociedade o processo “Apito Dourado”. Seria mais saudável para a modalidade separar estes dois “mundos” que insistem em andar de mãos dadas?

Seria mais saudável ainda separar a política da construção civil ou dos grandes escritórios de advogados.
 

Realizou as locuções dos jogos da selecção nacional durante algum tempo. Que possibilidades temos no Euro 2008? Pensa que a geração Ronaldo/Quaresma vai conseguir melhores resultados do que a geração Figo/Rui Costa?

Não é fácil, mas é possível. Portugal no Euro 2008 pode fazer um bom torneio se os nossos jogadores estiverem bem individualmente e um torneiro excepcional se ao talento se somar uma melhoria do desempenho colectivo, o que não tem acontecido ultimamente.
 

Scolari deve despedir-se da selecção no próximo verão. O seleccionador deve ser recordado pelo que fez de pior, nomeadamente a agressão a um jogador sérvio, ou pelos resultados alcançados, o 2º lugar no europeu e o 4º no mundial?

Deve ser recordado por tudo. Considero que Scolari tem feito um bom trabalho – não excepcional – e acho que há vida na selecção depois de Scolari, como se provar. Ainda assim, o saldo é positivo, apesar do mérito estar longe de ser um exclusivo do técnico.
 

É defensor da naturalização de jogadores estrangeiros? Não teme que algumas selecções se assemelhem a clubes como o Arsenal e se convertam numa autêntica “Sociedade das Nações”?

O país tem leis, e devem ser cumpridas. Pessoalmente sou contra a utilização avulsa de naturalizados. Desvirtua a lógica das selecções, que passam a parecer equipas de clube. Mas dá jeito ter Deco. E Pepe.
 

É jornalista da RTP desde 1991, já foi subdirector de informação da estação pública e agora apresenta o “Jornal da Tarde”, à hora do almoço, uma referência em termos de audiências. O facto de ser o único espaço informativo dos quatro canais transmitido do Porto confere uma mais-valia informativa para o espectador?

Sem dúvida. Há uma matriz que os espectadores percepcionam ao longo dos anos. É um olhar diferente sobre o país e o mundo, que representa uma vantagem competitiva para toda a RTP.
 

Como analisa a abordagem informativa praticada pelos canais portugueses? Admite que existem cedências ao sensacionalismo e ao espectáculo?

Sim, é evidente que isso acontece, em Portugal como no mundo. A televisão é um meio extremamente sensorial, e esse apelo às emoções é inevitável. O que me parece perigoso é quando o entretenimento invade os terrenos da informação, que deviam ser claramente distintos.
 

Depois de um período de crise, a RTP recuperou em audiências e na sua imagem perante a opinião pública. O canal está agora mais próximo do serviço público que lhe está consignado por lei?

Acho que está próximo da ideia do serviço público que é possível fazer nas condicionantes em que a empresa vive, como sempre esteve. Não me parece que tenha havido essa diferenciação tão evidente nos últimos anos. Houve alguma, mas muito por responsabilidade dos outros operadores generalistas que se agarraram à monocultura da telenovela.
 

Um quinto operador televisivo em sinal aberto deve aparecer em 2009. Pensa que isso vai significar redução generalizada da qualidade? Há mercado publicitário e audiências para repartir sem que algum dos canais entre em crise?

Não me parece que haja um mercado maior a explorar. Tenho receio que não acrescente muito ao nível do que faz mais falta: a aposta em ficção portuguesa de qualidade, por exemplo, ou a produção de novos documentários sobre o país, a sua história e a sua cultura (no sentido mais lato possível).
 

Finalmente, as questões relacionadas com educação. Os cursos de Comunicação Social e a profissão de jornalista são hoje dos mais procurados. Não sente que perante um mercado tão exíguo como é o dos “mass media” se estão a frustrar os horizontes de centenas de jovens que acalentam sonhos e depois vêem fugir essa hipótese?

Acho. O jornalismo não é, hoje em dia, uma profissão de sucesso garantido. E a ilusão da fama não passa disso, de ilusão. Além de que é, genericamente, uma actividade muito mal paga. Sobre os cursos haveria muito para dizer, mas estão ainda longe do que deveriam ser.
 

As universidades estão de costas voltadas para as necessidades do mercado de trabalho?

Não se pode culpar exclusivamente as universidades. No caso concreto da comunicação, há algum esforço académico para uma aproximação mas há dificuldades também do lado das empresas. Quem licenciou tantos cursos tem muito mais responsabilidade.
 

Portugal tem registado nos últimos anos um aumento de diplomados, mas os recém-formados revelam conhecimentos práticos pouco sólidos. Está a pagar-se a factura acumulada de uma pobre cultura de exigência e de rigor?

Sim. E de falta de investimento, de facto, nas questões práticas. Um estudante de jornalismo, por exemplo, tem de sair da faculdade habilitado a fazer jornalismo com mais competência que qualquer outro licenciado e isso nem sempre é assim tão evidente.

Nuno Dias da Silva

 

 

 

A CARA DA NOTÍCIA

Informar com pronúncia do norte

Carlos Daniel é um dos mais populares pivots da televisão em Portugal. Já apresentou o “Telejornal” no horário nobre, nos estúdios de Lisboa, agora é o rosto semanal, de quinze em quinze dias, do “Jornal da Tarde” da RTP, a partir dos estúdios do Monte da Virgem, em Gaia. O “Jornal da Tarde” lidera há vários anos de forma incontestável as audiências dos espaços informativos da hora do almoço.

Daniel desempenhou as funções de subdirector de informação da RTP, estação a que se mantém fiel desde 1991, altura em que entrou para o canal do Estado. Anteriormente, a rádio havia sido a sua paixão. Antena 1, Rádio Comercial e TSF, constam do seu curriculum, depois de se ter iniciado nas rádios locais da zona de Paredes, a cidade de origem. A sua especialização orientou-se para os relatos de futebol. Mais tarde, na RTP, a vocação para o desporto-rei veio a expressar-se, ficando a seu cargo os relatos dos desafios da selecção nacional de futebol até que acabou por ser afastado, alegadamente por uma incompatibilidade em público com o presidente da FPF, Gilberto Madaíl. Actualmente, apresenta para além do “Jornal da Tarde”, o “Trio de Ataque” na RTP-N, um dos mais vistos do canal.

 

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