CARLOS DANIEL, JORNALISTA
DA RTP
"Jornalismo não é
profissão de sucesso garantido"
DO rosto do “Trio de Ataque” e do “Jornal
da Tarde” entende que devem ser encontrados os responsáveis pelo
licenciamento de tantos cursos universitários, muitos deles sem saídas
para o mercado laboral. O jornalista critica que o entretenimento invada
os espaços informativos e a aposta na «monocultura da telenovela»
praticada em alguns canais.
No panorama futebolístico, Carlos Daniel defende, em nome da
transparência, que política, construção civil e os grandes escritórios
de advogados, sigam caminhos diferentes. Considera o FC Porto mais forte
que a concorrência directa para ganhar o título e afirma que o nosso
campeonato nunca pode aspirar a ser mais do que aquilo que é.
É o apresentador do programa da
RTP-N, “Trio de Ataque”, o mais visto do canal. O “Dia Seguinte” na
SIC-Notícias é, igualmente, o que recolhe mais audiência naquela estação
do cabo. Como explica a popularidade destes programas de debate sobre
futebol?
O futebol é o denominador comum das conversas dos portugueses e mais de
90 por cento dos que gostam de futebol são adeptos dos três grandes. Os
programas em causa atingem transversalmente a sociedade e colocam a
discussão ao nível do adepto (que sofre, que se queixa, que se indigna,
etc).
O futebol português tem perdido
qualidade, inclusive ao nível dos jogadores estrangeiros que aqui
actuam. Pensa que a médio prazo podemos perder visibilidade para
campeonatos como a Bulgária, a Roménia e Chipre?
Não, não me parece nada. Continuam a nascer demasiados talentos e há uma
evolução positiva ao nível do treino. E nem me parece que o futebol
português tenha perdido assim tanta qualidade. Há é uma Europa dos
super-ricos (Inglaterra, Espanha e Itália à frente, mas também Alemanha
e França) que concentra todos os grandes talentos do mundo. Também
Brasil e Argentina perderam todas as suas grandes vedetas.
O FC Porto dobrou a primeira volta
do campeonato na liderança de forma folgada. Salvo imprevisto, os
dragões vão revalidar o título, sem dificuldade?
Sim, já não há dúvidas. Não é só o Porto que está mais forte, como os
perseguidores (falo de Benfica e Sporting, obviamente), até agora, estão
muito fracos.
Para além do natural investimento, o
que falta para a Liga portuguesa se equiparar algum dia ao espectáculo
da Premier League inglesa?
Estar noutro país, com muito mais de dez milhões de habitantes e
capacidade de se tornar um produto vendável no mundo inteiro do ponto de
vista televisivo. Não vale a pena sonhar. A Liga pode ser melhor mas é…
portuguesa.
A promiscuidade entre política e
futebol continua demasiado latente, como o mostra à sociedade o processo
“Apito Dourado”. Seria mais saudável para a modalidade separar estes
dois “mundos” que insistem em andar de mãos dadas?
Seria mais saudável ainda separar a política da construção civil ou dos
grandes escritórios de advogados.
Realizou as locuções dos jogos da
selecção nacional durante algum tempo. Que possibilidades temos no Euro
2008? Pensa que a geração Ronaldo/Quaresma vai conseguir melhores
resultados do que a geração Figo/Rui Costa?
Não é fácil, mas é possível. Portugal no Euro 2008 pode fazer um bom
torneio se os nossos jogadores estiverem bem individualmente e um
torneiro excepcional se ao talento se somar uma melhoria do desempenho
colectivo, o que não tem acontecido ultimamente.
Scolari deve despedir-se da selecção
no próximo verão. O seleccionador deve ser recordado pelo que fez de
pior, nomeadamente a agressão a um jogador sérvio, ou pelos resultados
alcançados, o 2º lugar no europeu e o 4º no mundial?
Deve ser recordado por tudo. Considero que Scolari tem feito um bom
trabalho – não excepcional – e acho que há vida na selecção depois de
Scolari, como se provar. Ainda assim, o saldo é positivo, apesar do
mérito estar longe de ser um exclusivo do técnico.
É defensor da naturalização de
jogadores estrangeiros? Não teme que algumas selecções se assemelhem a
clubes como o Arsenal e se convertam numa autêntica “Sociedade das
Nações”?
O país tem leis, e devem ser cumpridas. Pessoalmente sou contra a
utilização avulsa de naturalizados. Desvirtua a lógica das selecções,
que passam a parecer equipas de clube. Mas dá jeito ter Deco. E Pepe.
É jornalista da RTP desde 1991, já
foi subdirector de informação da estação pública e agora apresenta o
“Jornal da Tarde”, à hora do almoço, uma referência em termos de
audiências. O facto de ser o único espaço informativo dos quatro canais
transmitido do Porto confere uma mais-valia informativa para o
espectador?
Sem dúvida. Há uma matriz que os espectadores percepcionam ao longo dos
anos. É um olhar diferente sobre o país e o mundo, que representa uma
vantagem competitiva para toda a RTP.
Como analisa a abordagem informativa
praticada pelos canais portugueses? Admite que existem cedências ao
sensacionalismo e ao espectáculo?
Sim, é evidente que isso acontece, em Portugal como no mundo. A
televisão é um meio extremamente sensorial, e esse apelo às emoções é
inevitável. O que me parece perigoso é quando o entretenimento invade os
terrenos da informação, que deviam ser claramente distintos.
Depois de um período de crise, a RTP
recuperou em audiências e na sua imagem perante a opinião pública. O
canal está agora mais próximo do serviço público que lhe está consignado
por lei?
Acho que está próximo da ideia do serviço público que é possível fazer
nas condicionantes em que a empresa vive, como sempre esteve. Não me
parece que tenha havido essa diferenciação tão evidente nos últimos
anos. Houve alguma, mas muito por responsabilidade dos outros operadores
generalistas que se agarraram à monocultura da telenovela.
Um quinto operador televisivo em
sinal aberto deve aparecer em 2009. Pensa que isso vai significar
redução generalizada da qualidade? Há mercado publicitário e audiências
para repartir sem que algum dos canais entre em crise?
Não me parece que haja um mercado maior a explorar. Tenho receio que não
acrescente muito ao nível do que faz mais falta: a aposta em ficção
portuguesa de qualidade, por exemplo, ou a produção de novos
documentários sobre o país, a sua história e a sua cultura (no sentido
mais lato possível).
Finalmente, as questões relacionadas
com educação. Os cursos de Comunicação Social e a profissão de
jornalista são hoje dos mais procurados. Não sente que perante um
mercado tão exíguo como é o dos “mass media” se estão a frustrar os
horizontes de centenas de jovens que acalentam sonhos e depois vêem
fugir essa hipótese?
Acho. O jornalismo não é, hoje em dia, uma profissão de sucesso
garantido. E a ilusão da fama não passa disso, de ilusão. Além de que é,
genericamente, uma actividade muito mal paga. Sobre os cursos haveria
muito para dizer, mas estão ainda longe do que deveriam ser.
As universidades estão de costas
voltadas para as necessidades do mercado de trabalho?
Não se pode culpar exclusivamente as universidades. No caso concreto da
comunicação, há algum esforço académico para uma aproximação mas há
dificuldades também do lado das empresas. Quem licenciou tantos cursos
tem muito mais responsabilidade.
Portugal tem registado nos últimos
anos um aumento de diplomados, mas os recém-formados revelam
conhecimentos práticos pouco sólidos. Está a pagar-se a factura
acumulada de uma pobre cultura de exigência e de rigor?
Sim. E de falta de investimento, de facto, nas questões práticas. Um
estudante de jornalismo, por exemplo, tem de sair da faculdade
habilitado a fazer jornalismo com mais competência que qualquer outro
licenciado e isso nem sempre é assim tão evidente.
Nuno Dias da Silva
A CARA DA NOTÍCIA
Informar com pronúncia
do norte
Carlos Daniel é um dos mais populares
pivots da televisão em Portugal. Já apresentou o “Telejornal” no horário
nobre, nos estúdios de Lisboa, agora é o rosto semanal, de quinze em
quinze dias, do “Jornal da Tarde” da RTP, a partir dos estúdios do Monte
da Virgem, em Gaia. O “Jornal da Tarde” lidera há vários anos de forma
incontestável as audiências dos espaços informativos da hora do almoço.
Daniel desempenhou as funções de subdirector de informação da RTP,
estação a que se mantém fiel desde 1991, altura em que entrou para o
canal do Estado. Anteriormente, a rádio havia sido a sua paixão. Antena
1, Rádio Comercial e TSF, constam do seu curriculum, depois de se ter
iniciado nas rádios locais da zona de Paredes, a cidade de origem. A sua
especialização orientou-se para os relatos de futebol. Mais tarde, na
RTP, a vocação para o desporto-rei veio a expressar-se, ficando a seu
cargo os relatos dos desafios da selecção nacional de futebol até que
acabou por ser afastado, alegadamente por uma incompatibilidade em
público com o presidente da FPF, Gilberto Madaíl. Actualmente, apresenta
para além do “Jornal da Tarde”, o “Trio de Ataque” na RTP-N, um dos mais
vistos do canal.
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