MIGUEL BARREIRA VENCE
WORLD PRESS PHOTO
A força da imagem
Com uma fotografia extraordinária de um
bodyboarder, no Nazaré Special Edition, Miguel Barreira venceu o
terceiro lugar na categoria Desporto do prestigiado World Press Photo
2007. Só dois portugueses conseguiram esse feito. Eduardo Gageiro, com
um retrato do General Spínola, em 1974, arrebatou um segundo lugar e,
trinta e três anos depois, Miguel Barreira.
Em entrevista ao Ensino Magazine, concedida por e-mail, o fotojornalista
fala da história da fotografia que seria conhecida em todo o mundo, uma
imagem que na viagem de regresso a Lisboa achou interessante, mas que o
fez pensar em todas aquelas que poderia ter tirado. Surfista há vinte
anos, confessa-se apaixonado pelo mar que vê como inspiração e terapia.
Fotógrafo desportivo do diário Record há nove anos, explica a
importância de conseguir antecipar os acontecimentos e de como «a força
de cada imagem, se nos atinge ou se nos toca, está no modo como a
olhamos».
Com uma fotografia a preto e branco
do bodyboarder, Jaime Jesus, em perigo obteve o terceiro lugar na
categoria Sport Action do prestigiado World Press Photo. Pode
reportar-nos esse dia 16 de Dezembro?
16 de Dezembro. A primeira imagem que tenho deste dia é o frio quase
incontrolável e o muito sono que tinha, pois na véspera tinha tido um
Belenenses-Benfica no estádio do Restelo e tinha chegado tardíssimo a
casa. Ao mesmo tempo lembro-me que logo cedinho estava uma luz bonita,
decisivo para quem se prepara para fotografar um desporto no mar. O
Nazaré Special Edition era para começar às 8 da manhã, mas devido a uma
maré ainda pouco definida e ao tamanho anormal das ondas, o início era
adiado uma e mais vezes, tendo sempre presente a segurança dos 20
bodyboarders convidados a participar neste evento. É durante este
período de espera que traço um plano de como me iria moldar à rotação do
sol durante o dia. Lembro que fotografar de terra para o mar se torna
quase proibido a partir do meio dia. Assim, previ que durante a tarde,
de cima da falésia que dá para a Praia do Norte, seria o melhor local
para fotografar. Tinha assim a luz a meu favor, e com a maré a encher,
este local deixava-me como se estivesse dentro de água, mas num plano
superior. Tomar este ângulo pouco provável é sempre um risco. Alem de
poder não acontecer nada de interessante, pode-se falhar outras imagens
mais fáceis de outros ângulos mas ainda assim importantes. Estava um mar
como nunca tinha visto, ou melhor, nunca tinha visto ninguém enfrentar
um mar naquelas condições. O bodyboarder Jaime Jesus, de 20 anos da
Figueira da Foz apanha uma das maiores e eu deixo de o ver. Por uma
intuição que tenho de ter na minha profissão e por um conhecimento
profundo que tenho do mar, começo a disparar. Parecia-me uma imagem
interessante, mas sou normalmente muito frio a olhar para as minhas
imagens. Na viagem de regresso a Lisboa , lembrei-me mais vezes de
outras imagens que poderia ter feito do que as que tinha gravadas no meu
cartão de memória.
Trabalha há nove anos no diário
desportivo Record. Como é o dia-a-dia de um repórter fotográfico?
Ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, o nosso dia-a-dia é
muito variado. Fotografamos os treinos dos clubes grandes de futebol, as
modalidades desde o ténis ao xadrez, fazemos imagens para entrevistas,
reportagens, etc. Penso que um jornal desportivo pode ser uma escola de
fotojornalismo muito interessante.
Já afirmou não ter nenhum desporto
de eleição para fotografar. Mas pratica surf há vinte anos e conseguiu
um importante prémio internacional com uma fotografia de bodyboard. Tem
alguma ligação especial com o mar?
Penso que sem o conhecimento que tenho do mar, não tinha disparado
naquele momento.
O mar está sempre presente nas coisas mais importantes da minha vida. É
a ele que recorro como terapia , como objecto fotográfico, como
inspiração.
A reportagem da minha vida foi feita em Band Aceh em Janeiro 2005, um
mês após o tsunami que matou 300 mil pessoas naquela zona da Indonésia
O futebol é o desporto eleito para a
maioria dos portugueses. Em que condições um repórter fotográfico
trabalha nos nossos estádios?
Normalmente a luz é sempre um problema. Há estádios sem condições
mínimas para se fotografar como o do Bonfim em Setúbal e o da Reboleira
na Amadora. Não há fotografia sem luz, e neste caso quem perde é o
próprio desporto, pois as imagens são sempre de fraca qualidade.
Noutros estádios acontece muitas vezes haver boa luz, mas estar mal
distribuída; normalmente as laterais e os bancos dos treinadores são um
terror para se tirarem boas imagens.
Foi dos poucos fotógrafos a
conseguir uma imagem de Scolari a «agredir» um jogador adversário. Foi o
estar num ângulo diferente que lhe permitiu tirar esse retrato?
No futebol não se escolhem ângulos. As regras da FPF e da UEFA são
claras; as áreas onde podemos fazer imagens são do poste da baliza até a
bandeirinha do canto.
O que me permitiu fazer esta imagem foi ter intuição; quando olhei para
o olhar do Scolari e notei que este não era normal no ser humano,
comecei a disparar. Se disparasse quando ele desse o soco não tinha a
imagem. As fotografias são sempre tiradas antes dos acontecimentos.
Sofreu pressões para a fotografia
não ser publicada?
Não.
Os jornais generalistas desdobram-se
em ofertas e campanhas para garantir uma sobrevivência que já não passa
só por informar. Nos jornais desportivos a concorrência é também feroz?
Penso que é talvez nos jornais desportivos que há a concorrência mais
feroz. Record e A Bola lutam taco a taco para serem lideres de um
mercado apetecível mas que vai perdendo leitores diariamente.
Os jornais desportivos tiveram, ao
longo de décadas, um papel educativo junto da população. Para muitos
portugueses ler, significava ler as crónicas do futebol. Isso ainda se
mantém?
Penso que não. Já poucos jornalistas, que foram referência no passado,
escrevem actualmente. Os leitores habituavam-se a ler as crónicas de tal
jornalista ao longo dos anos e quase que cresciam juntos. Muitas vezes
estavam de acordo, outras em desacordo, mas havia um respeito profundo
por aquela opinião a que chamam crónica. Os leitores são bombardeados
diariamente com tanta informação sobre tanta coisa, que já pouca
paciência têm para ler. Mesmo que leiam, já não os marca como
antigamente.
Já se sentiu menos confortável, ou
em perigo, enquanto fotografava?
Penso que qualquer fotógrafo quando tem a câmara no olho se esquece do
perigo.
As novas tecnologia vieram trazer
novas possibilidades à fotografia, e também a facilidade de manipulação.
Quais são os limites que se impõem para conseguir uma imagem?
A manipulação não faz parte do dia-a-dia dos fotógrafos de imprensa.
Actualmente, tudo é possível fazer com uma imagem. Penso que se uma
imagem for informativa, ou se por outro lado for emotiva, não precisa de
ser manipulada.
Uma imagem pode falar, tocar,
atingir-nos. Onde reside a força de uma fotografia?
As imagens especiais são diferentes das outras. Às vezes não é por uma
ou mais razões, é assim. Cada pessoa olha para a mesma imagem e faz uma
leitura diferente. Somos o somatório de tudo o que já vimos, ouvimos,
sentimos, vivemos e tudo isso se reflecte quando olhamos para uma
imagem. Uma fotografia do Papa, por exemplo, para os católicos tem um
significado, tem uma mensagem própria, transmite sensações e leituras
que só estes a entendem.
De um modo geral, penso que as imagens que nos fazem perder algum tempo
a olhar para elas, são as que contem símbolos e significados subjectivos
que não estão presentes num primeiro olhar. Depois há ainda as verdades
quase absolutas sobre as regras da composição, a cor que transmite
estados de espírito diferentes, etc, mas sobretudo penso que a força de
cada imagem, se nos atinge ou se nos toca, está no modo como a olhamos.
Estabelece alguma empatia com o
fotografado, ou uma boa foto pode ser só técnica sem lugar para emoções?
É difícil fazer um retrato onde a alma do fotografado esteja na imagem,
sem haver uma ligação entre os dois.
A polaroíd tem a morte anunciada
para este ano. A Polaroid já teve lugar na sua vida?
Nunca me interessei pela Polaroid. A fraca qualidade da imagem e o
envelhecimento do papel e das tonalidades da imagem são problemas que
não têm resolução.
O que se imagina a fazer daqui a
vinte anos?
Actualmente ninguém, seja em que área for, consegue prever o futuro.
Qual foi a história mais bela que
uma fotografia sua já contou?
A que irei tirar amanhã...
Eugénia Sousa
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