Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XI    Nº124    Junho 2008

Entrevista

DANIEL BESSA, ECONOMISTA E PRESIDENTE DA ESCOLA DE GESTÃO DO PORTO

"Ser professor é uma espécie de última escolha"

O presidente da Escola de Gestão do Porto critica os «teóricos da educação» da Avenida 5 de Outubro por desenvolveram uma filosofia assente no facilitismo e na desresponsabilização. Daniel Bessa afirma que o sistema educativo é «pouco experimental e pouco prático» e demonstra um défice de exigência e rigor. Bessa lamenta ainda a «progressiva desvalorização» da classe dos professores e é da opinião que «deitar dinheiro em cima» dos problemas do ensino não resolve os problemas. O antigo ministro da Economia conclui deixando um sério alerta: Portugal pode tornar-se uma espécie de Sicília da Europa ocidental – «uma sociedade conservadora e sem ambição, em que para tudo se torna preferível arranjar um “padrinho”».
 

É o presidente da direcção da Escola de Gestão do Porto (EGP), a Escola de Negócios da Universidade do Porto. No site da instituição destaca «a cultura de empreendedorismo, a capacidade de inovação e a juventude», como traços distintivos. Não crê que estas características não estão presentes na maior parte dos estabelecimentos de ensino universitário?

A Universidade é uma das instituições mais antigas das sociedades em que vivemos. É normalmente considerada uma instituição muito conservadora (sobretudo no seu sistema de governo e no seu modo de funcionamento, sendo mais inovadora, por exemplo, no conhecimento que produz), havendo quem ache que deve a esse elevado grau de conservadorismo a sua durabilidade, nalguns casos ao longo de muitos séculos. De qualquer modo, hoje em dia, está sujeita a uma aceleração muito grande, tendo gerado uma série de entidades e de iniciativas muito inovadoras, inclusivé nos seus modelos de governance e nos seus modos de funcionamento.
 

Como avalia o grau de cooperação entre as universidades e o meio exterior, no caso da EGP, com o mundo empresarial?

A cooperação entre as Universidades e as empresas é, em Portugal, um objectivo com muitas décadas – seguindo, com o nosso proverbial atraso, um modelo iniciado, sobretudo nos Estados Unidos, e que se tem mostrado vantajoso. Com atraso, como referi, essa cooperação tem evoluído – aprendendo-se, sobretudo com os erros cometidos, e procurando não os repetir.

No dia em que esta entrevista for publicada, a EGP estará transformada em EGP-University of Porto Business School, uma entidade de formação avançada em gestão, de carácter privado, em que a Universidade do Porto, e uma das suas Escolas em particular (a Faculdade de Economia), surge associada a vinte e duas entidades privadas, na sua quase totalidade empresas, para a prossecução do objectivo acima enunciado. Éramos uma entidade pública em que o financiamento público já não assegurava mais de 2% das receitas totais; agora, com a criação da EGP-UPBS, demos o passo definitivo, tornando-nos numa entidade inteiramente privada, em cuja liderança as empresas têm uma papel primordial. Salvo melhor opinião, e sem falsa modéstia, acho que somos um excelente exemplo de cooperação entre a Universidade portuguesa e as empresas portuguesas.
 

Hoje em dia, os licenciados em Economia e Gestão têm uma margem de empregabilidade mais segura do que os inscritos nos cursos de letras?

No que se refere a esta questão, entendo que a resposta só pode ser afirmativa. O que não quer dizer que todos os licenciados em Economia e em Gestão tenham emprego (depende desde logo das Escolas onde se formaram) e que nenhum licenciado em Letras encontra emprego. Mas, grosso modo, com base em “grandes números”, parece evidente que é muito mais fácil a um licenciado em Economia ou em Gestão encontrar em bom emprego do que a um licenciado em Letras – é o mercado quem manda, sendo cada vez mais difícil fugir às suas leis.
 

Que principais factores aponta para o atraso que o país acumulou em matéria de educação? Vamos a tempo para recuperar o tempo perdido?

Gostava de saber responder a esta questão, mas receio não saber. Acho que, com o decorrer dos anos, evoluímos para um sistema de educação pouco preocupado com exigência e rigor, pouco experimental e pouco prático, formando pouco as pessoas em aspectos tão fundamentais como o dos valores, o das atitudes, e o da responsabilidade pessoal. Infelizmente, a classe dos professores foi-se vendo progressivamente desvalorizada, de todos os pontos de vista – o que, a longo prazo, nunca pode augurar nada de bom, sobretudo a partir do momento em que, para muitos, ser professor se tornou numa espécie de “última escolha” ou “alternativa que resta à hipótese de desemprego”. Revejo-me no conjunto de pessoas que criticam muito duramente o “eduquês”, uma filosofia de educação assente no facilitismo e na desresponsabilização dos alunos, que tomou conta do edifício do Ministério da Educação, na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, por vezes desde o rés-do-chão até ao 13.º e último andar. Os mais pessimistas entendem que poderá não haver solução enquanto esta geração de “téoricos da educação” não for substituída.
 

Educação e formação têm sido apontados como os maiores fracassos da sociedade portuguesa contemporânea. Tem faltado dinheiro ou engenho para aplicá-lo?

Se há coisa que não tem faltado à educação em Portugal é dinheiro. Neste aspecto, partilho a opinião, expressa por muitos, de que o pior dos pontos de partida para resolver um problema de qualidade do que quer que seja (ou de falta dela) é “deitar-lhe dinheiro em cima”. Quanto se gastou em Portugal em formação profissional, financiada pelo Fundo Social Europeu? Teve algum resultado palpável?
 

A situação económica também não ajuda. O défice foi aliviado, mas a turbulência dos mercados financeiros, a crise do subprime e o aumento dos combustíveis trocaram as voltas à previsível recuperação da economia nacional. Até quando pode durar este período de agitação e que efeitos destrutivos terá em Portugal?

A economia portuguesa acumulou, durante os anos noventa, uma série de erros estruturais que lhe diminuíram, em muito, o seu potencial de crescimento: estimado hoje pela OCDE em cerca de 1,5% ao ano, em média (em média, digamos que sobre um decénio, não num ano particularmente mau). É verdade que, nos últimos anos, procurámos corrigir alguns destes erros estruturais (uns mais do que outros), e que a situação interna parecia recuperar lentamente, sendo, de facto, uma infelicidade que este ambiente de recuperação se tenha visto súbita e violentamente prejudicado pela crise dos mercados internacionais.

Ninguém sabe quanto tempo pode durar esta situação depressiva. Os mais optimistas falam em meia dúzia de meses; outros, não necessariamente os mais pessimistas, falam em mais dois ou três anos de recessão.
 

O fenómeno recente dos “novos pobres”, desencadeou os alertas do Banco Alimentar Contra a Fome e a AMI. Preocupa-o um fenómeno que começa a alastrar para lá das classes inferiores?

O fenómeno dos “novos pobres”, mais do que a pobreza propriamente dita, reflecte a situação de extractos sociais em regressão: regresso a uma situação de baixo poder de compra (interrompendo movimentos ascendentes, anteriormente em curso) e, nos casos mais dramáticos, provocados sobretudo pelo aumento do preço dos bens alimentares, regresso a uma situação de pobreza em termos absolutos, e de fome. Todos estes fenómenos são preocupantes, fazendo parte dos que acham que devem ser encontrados os mecanismos de apoio às situações de pobreza mais absoluta; acho muito mais difícil, através de políticas conjunturais e de tipo assistencial, fazer algo que contrarie a perda de rendimento por parte das classes médias.
 

«A economia no bom caminho vai aumentar o desemprego», foi uma frase que proferiu numa entrevista. Como explica a sua aparentemente paradoxal afirmação? Admite que o desemprego possa chegar aos 10 por certo, aumentando as tensões sociais?

Esta frase foi, de facto, proferida por mim, e tem sido citada muitas vezes, em diferentes contextos e com diferentes entendimentos. Para mim, no momento em que a proferi (e posso continuar a proferi-la, hoje em dia) tem um conjunto de significados precisos. O emprego não pode ser o indicador único nem sequer primordial do grau de sucesso de uma política económica (é um dos erros cometidos em Portugal ao longo dos anos noventa). A longo prazo, a vida de uma comunidade (de um País, se preferir), aumenta não com o emprego, mas com a produtividade. Muitas vezes, políticas empenhadas em aumentar o emprego, travam o crescimento da produtividade. Alguns dos países cujo nível de vida mais cresceu nos últimos anos (veja-se, como exemplo mais flagrante, por todos, o caso da Irlanda) passaram por um período de aumento muito grande do desemprego – um preço que tiveram que pagar, na transição para uma economia mais moderna e mais competitiva, e para um nível de vida mais elevado.

Pessoas menos informadas ou mal intencionadas, podem ver e tentar que se veja naquela afirmação uma maldade, talvez mesmo uma perversão. Não é assim, infelizmente – podendo eu responder, com absoluta segurança, que políticas que elegem o emprego como objectivo fundamental, sobrepondo-se a todos os outros, podem ter muito de solidariedade mas têm muito pouco de crescimento e de desenvolvimento; podem preocupar-se muito com o presente mas deixam o futuro completamente a descoberto.
 

Tem criticado a dependência do modelo de desenvolvimento face ao Estado. Continua a achar que podemos tornar-nos uma Sicília da parte mais ocidental da Europa?

Sim, acho que esse é um dos perigos maiores que impende sobre a sociedade portuguesa – tornar-se uma sociedade ultra-conservadora e sem ambição, inteiramente avessa ao risco, em que os valores predominantes são a protecção e a segurança, sem o menor sentimento de responsabilidade individual e pessoal, em que para tudo se torna preferível arranjar um “padrinho”. É este o “modelo siciliano”, que outros designam de outro modo – sendo patente que o clima de recessão em que caímos nos últimos meses, e o conjunto de reivindicações a que tem vindo a dar lugar, nos aproxima, mais do que nos afasta deste modelo.

Nuno Dias da Silva

 

 

 

Cara da notícia

Daniel Bessa, nasceu no Porto, em 1948. É licenciado em Economia pela Faculdade de Economia do Porto e doutorado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão de Lisboa. Tem uma carreira de mais de 30 anos ligada ao ensino, à investigação e à consultadoria na área da conjuntura e da previsão económica. É desde 2000 presidente da direcção da Escola de Gestão do Porto e durante 29 anos foi docente na Universidade do Porto. Exerce o cargo de administrador e consultor de várias empresas. A macroeconomia é a sua área de especialização. Economista de profissão, Bessa foi ministro da Economia, indústria, Comércio e Turismo do XIII governo constitucional liderado por António Guterres, entre Outubro de 1995 e Março de 1996.

Está, neste momento, a desenvolver um estudo estratégico de desenvolvimento na Serra da Estrela, com aposta no sector no turismo. O objectivo é dotar a região de vários atractivos, para além da neve. Em 2003, foi o responsável pela elaboração do Programa de Recuperação de Áreas e Sectores Deprimidos do País em que traçou o mapa do «Portugal desfavorecido».

 

 

 

GONÇALO CADILHE

O homem que persegue o sonho de Magalhães

O Viajante ao serviço de um ideal de vida muito próprio, Gonçalo Cadilhe fala de uma viagem radicalmente diferente das que empreende sozinho por todo o mundo, o projecto televisivo Nos Passos de Magalhães.

Valoriza «Cada minuto vale mais que cada cêntimo» e diz trazer das viagens apenas papéis. Mas da sua bagagem fazem também parte as crónicas que vai reunindo em livros tão essenciais como Planisfério Pessoal e a Lua Pode Esperar. Com um percurso feito de inúmeros destinos, aos 40 anos, e com 20 anos de viagens, Gonçalo Cadilhe está em forma para continuar a percorrer a terra, pois afirma «voar não é viajar é só chegar de um ponto a outro ponto».
 

Nos Passos de Magalhães – Em Busca da Maior Epopeia Realizada por um Português é um livro teu e também uma série documental televisiva a ser transmitida aos sábados à noite, na RTP2. Tal como Fernão de Magalhães também és um viajante e um homem de aventura, mas esta epopeia foi concluída em circunstâncias diferentes, as câmaras de televisão estavam lá. Como foi a experiência?

A minha epopeia foi radicalmente diferente dos projectos que tinha a vindo a desenvolver nos últimos anos. Não estava a viajar sozinho, essa é a diferença fundamental e isso obrigou-me a uma organização brutal, a nível de encontros com o operador de câmara, que vinha ter comigo com uma certa regularidade aos lugares chave da vida de Magalhães. Por outro lado, tínhamos marcações. Poderíamos visitar este museu e filmar no dia xis, havia a entrevista com o professor universitário, da Universidade não sei onde, no dia ipslon, era tudo especialmente compartimentado e agendado. Precisamente o oposto do meu projecto anterior, da viagem de África. O que acontecia no momento, decidia o próximo passo. Depois o facto de querer ter a certeza do que estava a dizer, obrigou-me a uma pesquisa de quase um ano, de dezenas de livros, para chegar à síntese que espero seja a indicada como veículo de transmissão da vida de Magalhães.
 

Fernão de Magalhães há 500 anos empreendeu uma viagem de circum-navegação ao serviço do rei de Espanha. És um viajante ao serviço do quê?

Ao serviço de um ideal de vida muito próprio, muito pessoal, onde cada minuto vale mais que cada cêntimo. Aquela ideia de «tempo é dinheiro» ganha o seu significado literal, ou se tem tempo ou se tem dinheiro e eu sempre preferi ter tempo em detrimento do dinheiro. Esta viagem Nos Passos de Magalhães, flui perfeitamente dentro do percurso de vida que tenho vindo a levar nos últimos 20 anos.
 

Com um curso de Gestão de Empresas, trabalhaste sete meses em Marketing. Foi o tempo necessário para perceberes que a tua empresa era o mundo, ou esse era um sonho mais antigo?

Definitivamente um sonho muito mais antigo. Um sonho que esperava apenas ser concretizado, mas que está desde miúdo. Há dias recebi um e-mail de um amigo que já não vejo há vinte cinco anos. Conseguiu contactar-me porque enviou o e-mail para a editora, que depois o passou. Ele dizia «quando comecei a ver o teu nome, interrogava-me, será o mesmo que eu conheci há vinte e tal anos na Figueira? Mas tinha a certeza que sim, porque já na altura o teu sonho era andar a viajar pelo mundo». Pelos vistos, quando tínhamos 12,13, 14 anos e éramos amigos, já falava disso.

Depois há algo que também escrevo num livro, No Principio Estava o Mar «Se um sonho que nós temos é apenas isso, um sonho nunca se chega a realizar». Chegamos aos 70 ou 80 anos, olhamos para trás e vemos que andamos a vida toda a ser atormentados por esse sonho e nunca o realizamos, afinal não foi um sonho, foi um pesadelo. Eu não queria ter pesadelos, queria ter sonhos.
 

Tens vários livros publicados, escreveste como jornalista de viagens para a Grande Reportagem, para o Independente, e actualmente assinas artigos na Única, a revista do Expresso. Escreves para poder viajar ou também viajas para escrever?

É uma pergunta que me ponho a mim próprio e ainda não tenho uma resposta. Faço as duas coisas. Portanto a resposta está dada.
 

África Acima (2007) é o resultado de 8 meses de viagens e 27 mil quilómetros através de África, do Cabo da Boas Esperança, ao Estreito de Gibraltar. No livro afirmas «Excluo o transporte aéreo, voar sobre África não é viajar por África. Aliás, voar não é viajar.».Uma viagem cumpre-se mais no percurso do que no destino?

Depende da viagem, depende do projecto. No caso de Magalhães, por exemplo, a viagem cumpria-se nos destinos e não no percurso. O que interessava era chegar aos lugares onde ele esteve. Têm esse símbolo, de terem testemunhado cinco séculos atrás, a vida desse homem. Não me interessava atravessar um país que nada viu de Magalhães. Moçambique, Tanzânia, Quénia são três países que estão ligados uns aos outros, Magalhães sabe-se com toda a certeza que esteve na ilha de Moçambique, em Mombaça, no Quénia, não esteve. Atravessar de um lado ao outro não fazia parte do meu projecto, cada projecto tem um objectivo. Mas volto repetir o que já disse nesse livro «Voar não é viajar, é apenas chegar de um ponto a outro ponto».
 

Um turista regressa com recordações na bagagem e as recordações de um viajante, cabem na mochila ou não são de ordem material?

Cada viajante terá a sua resposta. Pessoalmente a única coisa que trago, a nível material, são bilhetes de autocarro, entradas de museus, etiquetas de cerveja. Só papéis que depois me divirto em casa a colar num cartaz que ponho na parede. Não trago mais nada, por causa do peso e porque acho que é uma tentativa inútil de recuperar uma experiência que vivemos e que só a memória pode realmente guarda-la. Um objecto em si não consegue ter o poder de transportar ao momento em que vivemos isso.

Mas também acho essa distinção entre turista e viajante injusta. O turista pode viver muito mais intensamente a viagem do que o viajante. Um viajante pode apenas sê-lo porque vive numa época da história da humanidade e numa zona do globo, como sejam os Estados Unidos, a Austrália ou os países Anglo-saxónicos, em que o nível de vida é muito elevado e é fácil comprar um bilhete para viajar pelos lugares exóticos, estar um ano sem trabalhar e gastar dinheiro que se ganhou facilmente num país. Então esse é um viajante, mas um viajante superficial, que nada lhe foi caro, tudo lhe foi fácil. Foi a indústria do turismo e a indústria dos livros que fez muita pressão para que existisse uma diferença entre turista e viajante.

Voltando à pergunta pessoal, não trago quase nada, só trago brincadeiras, para me divertir a colá-las.
 

Há um verso de Fernando Pessoa que diz: «Em tudo o que olhei fiquei em parte». Também te sentes ligado aos lugares por onde passas ou procuras sempre um destino mais a norte ou mais a sul. Enfim, mais distante?

Não me importo de voltar repetidamente aos mesmos lugares quando fico ligado a eles, em detrimento de lugares novos que ainda não conheço e que ficarão por conhecer. Não sou pela quantidade, sou pela intensidade da experiência e muitas vezes a experiência mais intensa é no regresso, no reencontro, e não na descoberta.
 

Atravessas fronteiras perigosas nas tuas andanças pelo mundo?

Viajo com uma relativa segurança, com uma relativa prudência e nunca arrisco por princípio. Se as pessoas atravessarem essas fronteiras, eu faço como elas, sigo-as. Vou sempre com prudência, não corro riscos. Limito-me apenas a fazer o que para essas pessoas é o quotidiano delas. Limito-me a perseguir quotidianos.
 

Também se viaja ao encontro de si mesmo, ao conhecer o mundo também nos conhecemos melhor?

Não necessariamente. Volto à ideia de há bocado desses jovens anglo-saxónico que quando acabam os estudos conseguem juntar dinheiro ou fazer trabalho de part-time para estar um ano a viajar. Vão atrás da diversão, de um comportamento de massas. Tanto que é assim que há livros que vendem aos milhares, como os Lanely Planet os Rough Guide, onde estão instituídos percursos, e não acredito que por se estar a viajar se esteja a descobrir qualquer coisa. Enquanto há pessoas que sem sair de casa conseguem isso. Depende da espiritualidade que cada um queira desenvolver por si próprio, independentemente de viajar ou não.

É obvio que um horizonte aberto permite mais que um horizonte fechado, uma fila de trânsito, um engarrafamento, permite menos que um rochedo sobre uma planície, um vale. Mas isso não tem a ver com viajar, tem a ver com procurar momentos da nossa vida que nos predisponham para essa viagem interior.
 

Da bagagem fazem parte a prancha de surf, a guitarra e os livros. Qual foi o livro que te acompanhou durante mais tempo ou mais quilómetros?

Magellan, de Tim Joyner. Este livro foi de todos aqueles que li sobre Magalhães o que eu achei que é a biografia definitiva. Foi uma bíblia para mim neste último projecto sobre a viagem.
 

Muitos sonham com a vida que tens mas poucos terão a coragem de a viver. Que conselho darias a alguém que aspira andar pelo mundo?

É uma ideia muito romântica para quem está de fora, mas depois é uma vida como todas as outras. Uma pessoa tem de saber muito bem o que quer fazer da vida e a partir do momento em que tomou a sua decisão, procurar desenvolve-la da maneira mais coerente possível. Se calhar esse conselho era igual para alguém que vai começar a ser médico, sê honesto contigo próprio, sê coerente. Para alguém que quer ir com o Jipe dar volta ao mundo, não tinha nenhum conselho, porque não faz parte da minha experiência. Se é alguém que quer fazer alguma coisa que eu já fiz, podia ter um conselho, mas tinha de ser uma coisa genérica, ao qual teria cuidado de não dar uma resposta inútil.
 

O que é que faz falta para viajar?

Uma pessoa só precisa daquilo que tem. Tenho vivido uma vida e feito viagens que estão perfeitamente de acordo com a minha maneira de ser e as minhas limitações, quer económicas, quer intelectuais, quer físicas. Viajar é também uma questão de esforço físico. Nada me tem faltado nada, porque tenho escolhido coisas que estão dentro das minhas possibilidades. Se calhar voltamos à pergunta anterior e o conselho que eu dava era conhecer bem as próprias capacidades, os próprios limites. Os meus quarenta anos, - vou fazer sábado (24 de Maio)- são nesse sentido um planador de serenidade, porque sinto que estou precisamente naquele momento da minha vida em que consigo ter perfeita noção dos meus limites e a forma física e saúde para os realizar.

Eugénia Sousa

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