JOÃO CANAVILHAS EM
ENTREVISTA
Escrever para o
on-line exige nova gramática

O jornalismo on-line caminha para uma
hegemonia que deixará o suporte papel inevitavelmente para trás. Mas,
escrever para o suporte electrónico não é escrever apenas com letras.
Exige som, e imagem, estática e em movimento, pelo que é necessário
aprender uma nova gramática para comunicar. A opinião é de João Messias
Canavilhas, docente da Universidade da Beira Interior que terminou
recentemente a sua tese de doutoramento, no âmbito da qual criou uma
gramática da escrita on-line, a qual assenta num caminho que vai da
pirâmide invertida para a pirâmide deitada. Estes mês explica esse
percurso numa entrevista concedida ao Ensino Magazine, na qual fala
ainda da televisão regional e do futuro do jornal on-line e de papel
publicados pela Universidade da Beira Interior.
Na sua tese desenvolveu uma
gramática da escrita on-line. Quais são as características principais
dessa gramática?
Parti de um princípio simples: se a Web é um novo meio de comunicação
então deve ter uma linguagem jornalística própria que explore as suas
particularidades. Para identificar esta linguagem, a investigação
centrou-se em duas das suas características mais importantes:
hipertextualidade e multi-medialidade.
Foi desenvolvido um trabalho experimental que procurou saber de que
forma a utilização de hipertexto, vídeos, sons e infografias pode
influenciar a percepção de compreensão, satisfação, atitudes e emoções
dos utilizadores. Os resultados mostram que tanto o hipertexto como o
vídeo, para citar apenas dois exemplos, têm impactos nas variáveis
estudadas. Partindo dos resultados obtidos com vários tipos de conteúdos
propôs-se uma arquitectura para a notícia online e uma gramática onde se
explica como, quando e onde se devem utilizar links, textos, vídeos,
sons e infografias. A proposta final é um conjunto de regras para a
redacção de notícias na Web, a tal gramática multimédia.
Em que essa gramática difere da
gramática que serve de base à escrita para papel?
Esta gramática propõe uma técnica de redacção diferente daquela que é
usada na imprensa escrita, a Pirâmide Invertida, onde a notícia começa
com os dados mais importantes, seguindo-se sucessivamente parágrafos com
informações cada vez menos importantes.
No caso do online propõe-se uma nova técnica a que chamei Pirâmide
Deitada. Trata-se de uma arquitectura noticiosa de livre navegação que
oferece quatro níveis de informação. Começa com a Unidade Base - o lead
- que responde ao essencial: O quê, Quando, Quem e Onde. Segue-se um
outro bloco de informação - o Nível de Explicação - que responde ao Por
Quê e ao Como, completando a informação essencial sobre o acontecimento.
Na passagem de um nível para o outro existe apenas um link.
A partir deste nível o texto passa a incluir links para mais informação
sobre os vários aspectos centrais da notícia. Chama-se Nível de
Contextualização e os blocos de informação podem ser texto, vídeo, som
ou infografia animada: o objectivo é situar a informação num determinado
contexto social, cultural, económico, etc..
Por fim, o Nível de Exploração liga a notícia ao arquivo da publicação
ou a arquivos externos, aprofundando mais cada um dos aspectos antes
referidos.
Ao contrário do que acontece na Pirâmide Invertida, aqui o jornalista
não se concentra na decisão do que é mais importante para si, mas em
oferecer informação mais rica que permita a cada utilizador ler aquilo
que mais lhe interessa. Desta forma o utilizador que prefere pouca
informação fica-se pela leitura dos primeiros níveis e o leitor mais
exigente pode explorar o assunto até se considerar satisfeito com a
informação.
Essa gramática destina-se apenas ou
mais a pessoas cuja profissão está relacionada com a escrita ou é algo
que, mais cedo ou mais tarde, poderá ser um conhecimento necessário ao
cidadão comum?
Esta gramática é uma ferramenta profissional para quem conta histórias
ou relata factos. O objectivo é libertar o leitor e dar-lhe a
possibilidade de personalizar uma história, escolhendo ele próprio o
percurso de leitura que mais lhe interessa.
No caso concreto dos jornalistas,
considera que é necessário reaprenderem a escrever para poderem escrever
para jornais on-line?
Só se for por causa do novo acordo ortográfico (risos). Claro que não é
preciso reaprender, basta fazer as necessárias adaptações. Aconteceu o
mesmo no início da rádio e posteriormente na televisão. O ano passado,
por ocasião dos 50 anos da RTP, foram emitidas gravações onde foi
possível constatar isso mesmo: muitos dos primeiros jornalistas de
televisão chegaram à RTP vindos de rádios, por isso a linguagem e a
colocação de voz eram tipicamente radiofónicos. O que se faziam não era
jornalismo televisivo, mas jornalismo radiofónico com imagens. Por isso
é natural que actualmente se utilizem no online as técnicas usadas na
imprensa escrita. Mas as coisas começam a mudar. A técnica que eu
proponho para o jornalismo na Web é apenas um pequeno contributo para
uma futura linguagem, mas já é leccionada em algumas instituições de
ensino superior portuguesas, espanholas e americanas. Tenho sido
convidado para fazer alguns workshops em escolas e a receptividade tem
sido boa.
As regras para escrever em jornais online são simples e com uma
utilização regular acabarão por ser interiorizadas. Um exemplo: para quê
gastar quatro parágrafos a explicar se determinada jogada de futebol foi
ou não grande penalidade quando é possível mostrar um vídeo com a
jogada? O texto é substituído por vídeo e cada um fará a sua própria
interpretação da jogada. Desta forma consegue-se até um jornalismo mais
objectivo.
Vários autores, como Kress, defendem
que hoje ler já não é algo que se faz da esquerda para a direita e de
cima para baixo, mas é também ler ecrãs, com uma organização espacial
diferente e com elementos multimédia além do texto. Concorda com esta
posição?
Absolutamente de acordo. Lemos textos tal como lemos imagens ou sons
porque o cérebro associa imagens e sons a palavras, e vice-versa. A
nossa geração teve uma educação muito baseada na linguagem verbal
escrita e por isso fomos obrigados a adquirir um conjunto de
competências iconográficas no dia-a-dia para compreendermos as novas
narrativas. A geração actual tem uma educação em que as linguagens
verbal e não verbal surgem em pé de igualdade e por isso adaptam-se
muito rapidamente a este novo estilo de narrativas multimédia.
A exploração das potencialidades da Web que proponho procura justamente
atrair estas novas gerações para a leitura de informação de cariz
jornalístico.
Então, o que é escrever hoje?
Hoje, como sempre, podemos escrever com letras, mas também com imagens
ou sons, embora nos dois últimos casos seja necessário o apoio do texto
para uma correcta descodificação. As "escritas" não se substituem,
complementam-se. Ao olhar para um quadro fazemos uma leitura
contextualizada graças ao que lemos sobre o autor, sobre a sua época ou
sobre as técnicas utilizadas. Se não fosse assim, tudo o que pudéssemos
dizer seria o reflexo de um estado de espírito e não uma apreciação da
obra.
Apesar de defender esta escrita hipermultimediática devo sublinhar que
sem um bom domínio do texto verbal escrito não é possível desenvolver
outras competências. Quem não lê terá certamente muitas dificuldades na
escrita e na interpretação do mundo que o rodeia pelo que a sua produção
intelectual ficará irremediavelmente condicionada.
A UBI é um caso paradigmático, pois,
a partir de um jornal on-line acabou por apostar também na edição em
papel. Como é que viu essa decisão e o que pensa dessa
complementaridade?
O URBI em papel surgiu numa altura em que o online ainda não tinha a
projecção que tem hoje e o acesso à Internet estava restrito a um
pequeno grupo. Com a vulgarização dos acessos à Internet penso que em
breve deixará de fazer sentido ter uma edição em papel.
O João defende há muito o
desenvolvimento do jornalismo on-line em Portugal, mas esse
desenvolvimento tem sido incipiente. Na sua opinião por que é que o
jornalismo em suporte on-line tem de ser desenvolvido e de que forma é
que tal poderá ser feito, tendo em conta que o que preocupa as empresas
é o retorno publicitário?
De acordo com o Innovation in Newspapers 2007 World Report, em 2012 a
Internet será a primeira fonte de informação jornalística em todo o
mundo. Um outro estudo aponta para 2018 como o ano em que as receitas do
online vão ultrapassar as receitas do papel. Estamos claramente no
início de um ciclo ascendente para este sector. Aqui ao lado, em
Espanha, há inúmeros casos de sucesso de publicações exclusivamente
online, com jornalistas que fizeram a carreira na imprensa escrita a
lançarem os seus próprios projectos na Web. O nome mais importante do
sector online em Espanha, Mário Tascón, abandonou a liderança da
Prisa.com para lançar um projecto próprio. Estamos a falar de um
administrador de topo de um dos grupos mais importantes do planeta.
Neste momento as grandes empresas internacionais estão a apostar no
sector da informação online seguindo as indicações no mercado. Em
Portugal as coisas acontecem sempre mais tarde, mas se olharmos com
atenção percebemos que há mudanças recentes no Expresso, no Público, no
Jornal de Notícias, na TSF, na RTP, só para citar alguns exemplos.
Definitivamente, o futuro está na Web.
Na sua opinião, há espaço para ser
criada uma televisão regional? Se sim, de que forma tal poderá ser
feito, tendo em conta a necessária viabilidade financeira? Se não,
porquê?
Depende muito do tipo de televisão regional que estivermos a falar. Se
pensarmos num projecto sério e com qualidade penso que é muito difícil
fazer uma televisão que abranja apenas os distritos Castelo Branco,
Guarda e Portalegre. Nestes três distritos há jornais e rádios locais a
viver com grandes dificuldades financeiras e note-se que estamos a falar
de meios menos exigentes em termos de recursos humanos e técnicos.
A única forma de lançar uma televisão digna desse nome seria alargar a
área de influência ou juntar num só projecto todas as rádios e jornais
regionais, as escolas de ensino superior, as associações de
desenvolvimento regional e um conjunto de investidores dispostos a
apostar num projecto cujo retorno só ocorre no médio-longo prazo. Noutro
país poderíamos ter aqui uma fantástica oportunidade, em Portugal temos
uma impossibilidade devido aos bairrismos bacocos e às mentalidades de
minifúndio dominantes.
Na chamada geração dos polegares, a informação passa cada vez mais
pelo telemóvel. Podem os jornais ganhar a batalha de serem lidos em
telemóvel? A UBI está a desenvolver investigação no sentido de adaptar
esse suporte à informação?
O jornalismo para dispositivos móveis é uma das apostas de futuro onde a
UBI está a desenvolver investigação. Iniciámos recentemente um novo
projecto que procura desenvolver linguagens e interfaces que permitam
aos utilizadores aceder a informação jornalística a partir de telemóveis
e de plataformas de jogos, como a PSP.
O tempo dos clubes de leitura passou. A distribuição dos jornais, uma
das partes mais caras de todo o processo, tenta levar a informação até
pontos próximos do leitor, mas já não é suficiente. Para quê comprar um
jornal no quiosque se é possível tê-lo a toda a hora no telemóvel? É
evidente que ler num ecrã de telemóvel não é agradável, mas é justamente
nesse campo que o projecto vai trabalhar.

Cara da notícia
João Canavilhas é doutorado em
Comunicação pela Univ. de Salamanca e professor na Universidade da Beira
Interior onde lecciona várias disciplinas na área de jornalismo.
Investigador no Labcom - Laboratório de Comunicação Online, coordena
ainda o Centro Multimédia da UBI e é director do primeiro jornal online
universitário português, o URBI.

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