Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VIII    Nº92    Outubro 2005

Entrevista

VALTER LEMOS, SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

Os deveres do Estado na Educação

O secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, acaba de anunciar novas medidas para combater o insucesso escolar, como o apoio aos alunos com duas negativas, ou o alargamento do funcionamento das escolas do 1º ciclo. Directo nas respostas, justifica as opções tomadas pelo governo em matéria educativa e lembra que o objectivo do Ministério passa por criar uma escola pública de igualdades. Valter Lemos adianta ainda que no próximo concurso nacional de professores haverá algumas alterações.

Como é que classifica a experiência que está a viver enquanto secretário de Estado da Educação?

É uma experiência muito positiva em termos pessoais, profissionais e políticos. Estamos a viver tempos difíceis, mas é nessas alturas que é preciso desenvolver trabalho. Os desafios são grandes, mas para quem, como eu, quer efectuar um trabalho com empenho e intensidade é nos tempos difíceis que o podemos fazer. Além disso estou satisfeito e orgulhoso de fazer parte deste governo, pois é um executivo que encara o problema do país de uma forma global, diferente da de todos os outros que o antecederam - independentemente dos partidos. E há dois problemas que temos que resolver em Portugal: a produtividade e a estabilidade do sistema de segurança social.

A contestação dos professores tem sido muita. Como interpreta a reacção dos docentes em relação ao inglês no 1º Ciclo, à presença dos professores, durante mais horas, nas escolas e à limitação da progressão na carreira?

Há que dividir esta questão em dois aspectos. O primeiro está relacionado com as reformas e as carreiras, o qual é parte integrante do problema global do país, e que visa assegurar a estabilidade do sistema de segurança social. É uma situação que resulta do grande desnível no tratamento dos vários grupos da função pública em relação ao sector privado, o que compromete o sistema de segurança social. Esse desnível obriga a que se façam correcções, que passam por retirar alguns privilégios que alguns grupos sociais têm. O problema das reformas antecipadas não afecta só professores mas toda a função pública, pelo que a ideia é criar uma função de igualdade na administração pública. Apenas as forças armadas e de segurança terão um tratamento diferente. 

Ou seja, o problema não é de política educativa?

Não é de política educativa, mas sim de política geral de governação do país.

E a progressão das carreiras?

Trata-se objectivamente de uma situação conjuntural, na qual o país tem um défice muito superior ao aceitável, necessitando de fazer um ajustamento orçamental. O Governo decidiu que uma parte desse ajustamento terá que ser feito com a contenção dos salários da função pública. Para evitar a diminuição de vencimentos a alguém, optou-se por suspender as progressões em toda a função pública. Por isso, não é legítimo os professores, enquanto classe profissional, utilizarem esse argumento de contestação. É legítimo, isso sim, que o façam como funcionários públicos, pois caso contrário estão a sugerir que devem ter um tratamento especial em relação aos outros grupos. Neste momento é necessário fazer este esforço o qual deve ser distribuído por todos os cidadãos. Nenhum cidadão entenderia que houvesse um grupo profissional com benefícios especiais. Volto a referir que estas variáveis não são de política educativa, mas sim de administração geral do país. 

No que respeita à política educativa, em poucos meses muitas alterações foram introduzidas no sistema...

Segundo a última conferência da Unesco Portugal é um dos países onde há maior divergência entre os meios e os resultados obtidos no sistema de ensino. Portanto, o diagnóstico é que temos indicadores de meios ao nível do melhor que há no mundo - e quem vier dizer o contrário mente, como o demonstram os dados da OCDE e da União Europeia. Portugal tem o melhor rácio professor-aluno da Europa, na maioria dos ciclos de ensino - na pior das situações estamos em terceiro lugar -, e ao nível carreira dos professores, os nossos docentes estão em terceiro lugar em termos de remuneração e direitos relativamente ao países da OCDE.

Isto significa que os resultados deveriam ser outros?

No mínimo deveríamos estar no terceiro lugar dos resultados educativos. Admitindo que há outras variáveis e que os sindicatos têm razão nalguns aspectos, deveríamos estar em quarto ou em quinto lugar. Mas estamos em último e muito longe do penúltimo país. Em termos de abandono escolar do ensino secundário, Portugal tem o dobro do número de alunos do país que nos segue. No ensino básico temos países da América Latina com taxas de abandono escolar inferiores à nossa. Isto significa que estamos perante uma situação grave de eficiência do sistema, pois temos meios e não temos resultados. Logo há que alterar o funcionamento dos meios para obter melhores resultados.

E essas alterações como estão a ser processadas? 

Alterar o funcionamento significa que temos que verificar quais as variáveis onde devemos intervir. Podemos actuar no currículo, ou seja em problemas relacionados com aquilo que as crianças devem aprender e a forma como isso se organiza. Essa tem sido a lógica seguida por sucessivos governos, onde surgem reformas curriculares atrás de reformas e sem resultados. Daí que tivéssemos optado por outra via, pois se as reformas curriculares fossem o remédio elas já tinham resultado. Ainda assim importa fazer uma monitorização do currículo de modo a extrair resultados que nos permitam fazer alterações.

Então qual é o sentido da intervenção do Governo?

Se não mexemos nos currículos temos que intervir junto dos professores e das escolas. A educação que acontece nas escolas resulta da interacção entre os alunos e os professores, utilizando o currículo como instrumento. As duas variáveis mais importantes para os resultados educativos são os professores e o tempo. Portanto, temos que actuar sobre elas de forma a optimizá-las. As medidas que implementámos foram de carácter simples. Verificámos o funcionamento das escolas e analisámos aquilo que poderíamos mudar para que aquelas duas variáveis possam ser optimizadas. As medidas que estão a ser tomadas, e que são apenas o princípio de muitas outras, pretendem optimizar o sistema.

Isso passa por manter os professores mais tempo nas escolas?

É preciso aumentar o tempo de contacto entre os professores e os alunos, pois em termos internacionais Portugal não está bem. Além disso, é necessário que esse tempo tenha mais qualidade, pois resume-se ao tempo de aulas. Chegámos a uma situação em que a única tarefa que os professores têm definida como obrigatória é dar as aulas. Por isso é preciso aumentar esse tempo. E só é possível fazer isso tendo os professores mais tempo nas escolas. O trabalho essencial dos docentes deve ser feito nas escolas. Há trabalho dos professores feito fora das escolas, mas esse é complementar. O que acontece é que havia docentes cujo tempo de contacto com os seus alunos era inferior a um terço do seu horário de trabalho. Essa é uma situação que deve ser mudada e sinto-me chocado que alguns sindicatos e professores contestem o facto dos docentes terem que estar nas escolas. É aceitável que questionem as condições de trabalho, mas não o facto de terem que estar no seu local de trabalho. Isto só demonstra o nível de degradação a que chegou esta questão no sistema educativo português.

Mas não foi o próprio sistema a fomentar esta situação?

Houve uma clara degradação de uma questão central que é a vinculação dos professores em relação aos alunos. Para melhorar esta situação é importante ter os professores nas escolas. Com isto pretende-se ganhar tempo útil para desenvolver actividades. 

A questão das substituições dos professores vem nesse sentido?

Não devemos esquecer que os alunos não são entregues aos professores, mas sim à escola e esta tem uma responsabilidade colectiva. E os professores têm que se submeter à responsabilidade colectiva da escola. O trabalho individual dos docentes não se sobrepõe a essa responsabilidade. A necessidade dos alunos terem actividades educativas orientadas não é nova, é aquilo que está estabelecido nos seus horários. E o cumprimento dessas actividades não pode depender da boa ou má disposição de cada docente. Aquilo que a escola tem que fazer é o que se faz noutros países: quando um professor falta os alunos não deixam de ter actividade educativa orientada. O objectivo não é saber se os professores lá estão, mas sim o tempo que eles estão com os alunos. E nós não estamos a pedir muito, pois o Ministério e as Escolas têm a obrigação de garantir as aulas que os alunos devem ter.

Fomentar os clubes de escola é outro modo de aproximar os docentes e os alunos?

Aquilo que se estava a verificar é que os clubes estavam a acabar, porque, em abstracto, os professores não tinham horas para dedicar a essas actividades. Felizmente os clubes estão a renascer nas escolas e não se mexeu no horário de ninguém, mas sim na forma como ele está organizado.

Há pouco sugeriu que as medidas não estavam todas tomadas. Que outras o Ministério vai adoptar no futuro?

Vamos instituir actividades de recuperação obrigatórias para todos os alunos que tenham três ou mais negativas no primeiro período. O combate ao insucesso escolar não se faz com discursos piedosos, mas sim actuando sobre a possibilidade de melhorar os resultados. Assim, o conselho de turma terá que estabelecer um plano de recuperação para esses alunos e o conselho executivo terá que distribuir as actividades pelos docentes. Além disso, se houver alunos que reprovem no final do ano, o conselho de turma terá que fazer um plano para esses alunos no ano seguinte. Já para os alunos que repitam mais uma vez terá que haver medidas adicionais, envolvendo a família, ou os serviços de psicologia das escolas, ajudando a decidir o percurso escolar do aluno. Mas tudo isto não é novo, pois já esteve instituído em 1992, mas falhou um pormenor na altura que era a disponibilidade dos docentes.

Outra das alterações foi o alargamento do horário do 1º ciclo...

A contestação a esse facto é algo que me surpreende numa escola a tempo inteiro, pois desse modo coloca-se à frente dos objectivos educativos todo o tipo de interesses, legítimos ou ilegítimos. Ou seja, o sistema não se organiza em função dos objectivos, mas sim para responder a pequenos interesses de alguns parceiros do sistema. O novo horário do primeiro ciclo nunca deveria ter deixado de existir e é assim que ele funciona nos outros países, onde as crianças entram de manhã para a escola e os pais vão buscá-las à tarde. O despacho refere que a escola deve estar aberta até às 17H30. Mas ficam dispensadas desta obrigação as escolas isoladas que disponham de um só professor ou aquelas que com um ou dois professores não tenham recursos humanos para assegurar o horário, bem como as que não tenham espaços físicos para funcionar. Todas as outras são obrigadas a ter esse horário. Isto permite-nos avançar esses horários nas escolas em que é possível identificar os problemas, de forma a podermos actuar.

O ideal é que as escolas deixem de ter horários duplos?

Temos que caminhar nesse sentido, caso contrário os alunos que frequentam escolas em regime duplo, e que os pais têm dinheiro, vão para os tempos livres. Os outros ficam sem aprender. Da mesma forma, uns têm acesso ao inglês e à educação física e outros não. Nós queremos que a escola pública dê a todos os alunos essas ofertas. Mas não temos ilusões que vamos fazer isto tudo em um ou em dois anos. 

Quer dizer que o 1º ciclo enfrenta graves problemas?

Nós temos uma escola paupérrima, onde o currículo e as escolas são pobres, em que há pouco tempo de actividades e menos oportunidades para as crianças. Ora a escola pública existe para garantir a igualdade de oportunidades, o que não acontece. É preciso que a escola tenha espaço organizado, tempo e possa oferecer aos alunos aquilo que eles necessitam.

E o parque escolar existente já comporta todas essas alterações?

Não, o que não significa que o processo não avance naquelas escolas em que há condições. Esta lógica imperou, de resto, no ensino do inglês no 1º ciclo, onde fomos criticados por esse ensino não chegar a todos ao mesmo tempo. Quando lançámos esse programa, sindicatos, associação de municípios e os diversos parceiros disseram que não deveria avançar o programa. Nós avançámos com esse projecto, contra todas as críticas, e hoje o inglês no 1º ciclo ultrapassou as nossas próprias expectativas.

Esse programa vai ser alargado às tecnologias de informação?

Vai, sem dúvida. Tenho pena é que tudo isto esteja a avançar através de um sistema de estímulos materiais, o que revela que a sociedade portuguesa não dá a devida importância à escola. O nosso objectivo central é a escola a tempo inteiro, onde os alunos entram de manhã e saem à tarde - se os pais quiserem podem ir buscá-los mais cedo -, onde têm uma parte curricular, um conjunto de ofertas educativas para todos e alimentação (já foi lançado programa), garantindo o objectivo mais nobre da escola pública. Temos a certeza que com este modelo cumpriremos esse objectivo e combateremos o abandono escolar.

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