REVOLUÇÃO NA FORMAÇÃO
CONTÍNUA DOS PROFESSORES À VISTA
Formação vai ser
acompanhada

A formação contínua de professores e a forma de progressão na carreira vai ser alvo de uma
reestruturação cujo projecto deverá ser apresentado aos sindicatos “na segunda metade deste ano lectivo de modo a avançar com todo o processo legislativo ao longo de 2006”, uma vez que em Janeiro de 2007 termina o congelamento da progressão na carreira da função pública.
A garantia é de Valter Lemos, para quem a formação contínua de professores, embora tivesse alguns aspectos positivos, foi globalmente negativa. Nesse sentido, com o novo sistema de formação contínua pretende criar condições de formação mais transparentes e que passem também pela supervisão e acompanhamento dos professores, admitindo que algumas aulas possam começar a ser assistidas.
Hoje é lugar comum dizer-se que a formação contínua de professores não deu os resultados esperados. Uma vez que a progressão na carreira dependia dessa formação, como é essa formação passará a ser no futuro?
A formação contínua consiste no ajustamento que cada profissional faz relativamente às suas necessidades de desempenho. Não passa apenas em frequentar mais um curso. Esse foi o erro em que se baseou o sistema de formação contínua nestes anos e daí a avaliação tão negativa que temos. Não temos um único relatório positivo sobre a formação contínua de professores em Portugal.
Em sua opinião, quais são as razões da formação contínua de professores em Portugal ter falhado?
Há um grande afastamento entre procedimento de formação e o trabalho. Não há uma formação verdadeiramente «on job» e os grandes problemas acabam por advir dos pequenos pormenores. Por exemplo, relativamente aos problemas do ensino da Matemática, alguns estudos recentes mostram que os problemas resultam dos pormenores e da forma como esses pormenores se ajustam no terreno. O relatório PISA, por exemplo, mostra que Portugal não só tem muito maus resultados na Matemática, mas também aponta outras variáveis que apresentam uma forte correlação com os resultados, sendo uma delas o acompanhamento dos professores e o acompanhamento com os alunos. A este nível, os países com maiores taxas de acompanhamento, têm melhores resultados na Matemática. Posso dizer que Portugal é o País com pior taxa de acompanhamento e logo, com os piores resultados.
Isso quer dizer que a formação contínua de professores vai passar a incluir o acompanhamento das aulas desses professores?
A formação contínua tem de assentar no acompanhamento de professores e não em cursos de formação. Gastámos até agora 300 milhões de euros na formação contínua e a avaliação foi globalmente má. Agora temos de reorganizar o sistema, sendo que o objectivo central passa pela palavra acompanhamento. Aliás, a questão do acompanhamento dos professores do 1º Ciclo ao nível do ensino da Matemática é já um primeiro passo que damos nesse sentido. Portugal é praticamente o único país da OCDE onde os professores estão o ano inteiro sem ninguém ir assistir às suas aulas. Ora, se na formação teórica falamos em supervisão e em acompanhamento, agora é preciso introduzir essas variáveis verdadeiramente no sistema.
Mas quando é que estará definido o novo sistema de formação contínua?
O facto da progressão na carreira na função pública ter sido suspensa, e por consequência também a dos professores, criou-nos um espaço de tempo para podermos repensar e reorganizar o sistema. Trata-se de um sistema bastante complexo, pelo que a solução pode não ser simples, mas ao menos tem de ser legível, transparente.
ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA
Formação e igualdade

A escolaridade obrigatória, actualmente fixada em nove anos, apenas poderá ser aumentada após o País conseguir cumprir um objectivo ambicioso de formação e validação de competências. “O que está no programa de Governo é que os jovens terão obrigatoriedade de frequência de educação ou formação até aos 18 anos, tal como acontece noutros países da Europa”.
Neste momento essa á uma questão complicada de implementar, pois “um número significativo de jovens nem sequer vai para o Secundário”, a que acresce o facto do Secundário apresentar uma taxa de insucesso da ordem dos 30 por cento. O Governo pretende por isso diversificar o Secundário, através dos cursos de educação/formação que conferem nível III, e de “mais cursos profissionais nas escolas públicas”. Vai também aumentar a rede dos centros de reavaliação e validação de competências, que passará de 90 para 500.
É que, no III QCA, o Governo apresentou como objectivo “qualificar 280 mil pessoas através destes centros e até 2006, mas neste Verão, só tinham sido feitas 28 mil”. A ideia é conseguir aumentar estes números e inverter uma tendência: “temos cerca de 17 mil jovens que saem todos os dias da escola sem cumprirem o 9º Ano. Existem mais de 100 mil sem o 9º Ano e 400 mil sem o 12º Ano”. Só depois desta inversão será possível propor o aumento da a escolaridade, o que pode acontecer “no final da Legislatura”.
IGUALDADE. Valter Lemos considera que a ideia do Ministério de encerrar escolas do 1º Ciclo sem condições é fundamental para poder existir “um ensino universal e em condições de igualdade de oportunidades”. Segundo afirma, “as escolas de pequena dimensão, em geral, são más, como aliás demonstraremos em breve com a divulgação das escolas do 1º Ciclo em que o insucesso tem nível inaceitável”.
A lógica será por isso a de concentrar os alunos em escolas que reúnam todas as condições, pois as escolas servem “para educar alunos e não para cumprir vaidades dos presidentes de Junta ou dos amigos da terra”. Por isso, defende que “independentemente do respeito que tenho pelos defensores da realidade, importa dizer que as crianças das áreas rurais têm os mesmos direitos que as outras e a escola pública tem de garantir as condições de igualdade a todos”.
O secretário de Estado dá como exemplo o facto de não ser possível garantir igualdade de oportunidades entre uma escola que tem 10 alunos, com um professor, uma sala de aula, e uma escola da cidade que tem sala de informática, biblioteca, ginásio, entre outros. “Não deve o Estado pugnar para que as condições sejam semelhantes?”, pergunta, enquanto vai dizendo que “em Portugal há 2100 escolas com menos de 10 alunos e mais 2500 com menos de 20”, o que considera grave, pois um estudo que o Ministério vai divulgar mostra que “as escolas mais pequenas têm maiores taxas de insucesso".
FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES
Perfis dos docentes em
revisão
O Ministério da Educação vai redefinir os perfis de recrutamento dos professores, pois quer ter em atenção o desempenho dos docentes e não tanto os grupos de recrutamento ou de docência em que a sua formação inicial os colocaria.
Valter Lemos considera, por exemplo, que um professor pode leccionar iniciação a uma língua a alunos do 5º Ano e ao 10º Ano, independentemente de agora ser professor do Básico ou do Secundário. Adianta também que os grupos de docência terão de ser revistos, pois datam dos anos 60 e não estão ajustados à realidade.
De caminho ataca o concurso nacional de professores, considerando que é caso único no mundo e permite alçapões que muitos aproveitam para o tornear, nomeadamente através dos destacamentos. Por isso não compreende a atitude dos sindicatos, que concordam com o concurso, mas que atacam o Ministério dizendo que não concordam com ele. E diz: “Dos sindicatos só vejo protestos e lamentos. Propostas: zero”.
Neste momento vive-se uma indefinição em relação à formação inicial de professores, pois as ESEs e os centros de formação de professores não sabem como hão-de estruturar os cursos, se por exemplo numa lógica de 3+1 ou 3+2 anos. Como é que encara esta questão?
Neste momento vive-se uma indefinição em relação à formação de todos os profissionais, a qual se deve a Bolonha. Está a haver uma transformação do sistema de ensino superior e os professores não escapam a esse mecanismo. Aliás, no sistema educativo temos vários grupos de professores formados das formas mais diversas, o que é normal, pois um professor trabalha cerca de 40 anos e mal seria se não ocorressem N evoluções científicas, tecnológicas, sociais e políticas que levam a alterações sucessivas nas escolas e na formação dos professores. Já em relação à duração dos ciclos, o Ministério da Educação pode colaborar nesse trabalho, mas não lhe cabe definir o modelo.
Mas o Ministério da Educação não vai dar referências às instituições de formação de professores?
Como vamos fazer alterações nos perfis de recrutamento dos professores, é natural que as instituições possam tomar esses perfis como referência em termos de formação.
Quais é que vão ser as alterações aos perfis de recrutamento dos professores?
É preciso primeiro distinguir primeiro perfis de recrutamento de perfis de docência e de perfis de formação. Hoje temos no sistema professores com determinados perfis de formação que não correspondem aos perfis de recrutamento e que não correspondem de todo aos perfis de docência que o currículo em curso exige. Portanto, para já, vamos
reestruturar os grupos de recrutamento e depois separar os grupos de recrutamento dos grupos de docência. Só a título de exemplo, ainda hoje existe um grupo de trabalhos manuais masculino e um grupo de trabalhos manuais feminino, o que é uma preciosidade. Primeiro porque já não existe trabalhos manuais no currículo. Em segundo lugar, estranho que ninguém diga nada em relação à possibilidade de, em abstracto, existirem grupos que só contratam homens e outros que só contratam mulheres. Depois, os grupos do 2º Ciclo são de 1968. Os grupos do 3º Ciclo e Secundário são ainda mais antigos e resultaram da justaposição dos grupos do ensino liceal e do técnico, pelo que existem aqui vários anacronismos.
Por que razão é que os grupos de recrutamento vão ser separados dos grupos de docência?
Antes, com um currículo muito rígido e restrito, os grupos de recrutamento poderiam corresponder aos grupos de docência porque a expectativa de alteração era a longuíssimo prazo. Logo, poderia haver uma correspondência ao nível dos grupos de formação, de recrutamento e de docência. Hoje temos currículos completamente diferentes, mais flexíveis. O tempo é complemente diferentes, pelo que devemos clarificar esta questão. Os grupos de recrutamento são organizados para ter no sistema indivíduos com capacidades suficientes para leccionar aquilo que for necessário ao sistema, admitindo alguma variabilidade no currículo. Os perfis de recrutamento servem de referência para as instituições definirem os perfis de formação.
Então um professor com determinado perfil de formação poderá entrar para o sistema através de mais de um grupo de recrutamento?
Um professor com determinado perfil de formação pode encaixar num grupo de recrutamento ou em mais do que um grupo de recrutamento. E um grupo de recrutamento não é um grupo de docência. Um professor do 3º Ciclo e Secundário pode ter competência de docência para o 2º Ciclo, ou o contrário. Pode também ser-lhe dada competência para leccionar disciplinas noutro grupo de recrutamento que não o seu. Logo, o seu perfil de docência não é necessariamente o seu perfil de recrutamento.
Esta alteração terá implicações no concurso nacional de colocação de professores?
O concurso nacional de professores tem a agilidade de um enorme petroleiro, pelo que primeiro que consiga dar uma curva, é necessário tomar muito balanço. Trata-se de um concurso que dá muitas horas de tempo de antena aos dirigentes sindicais. Mas causa gravíssimos prejuízos ao funcionamento das escolas. E toda a gente que conheça o sistema, sabe isto. Não tenho conhecimento de um país onde exista um concurso nacional de recrutamento com uma lista nacional organizada dos professores. Ora, o tempo actual exige flexibilidade e mudança. No próximo concurso já surgirão alguns ajustamentos e uma nova orientação sobre as docências, de forma a clarificar o que é que cada professor, de acordo com o seu perfil de formação, pode leccionar.
Esta posição do Ministério não poderá interferir com as instituições de Ensino Superior, uma vez que nem todas formam professores que possam, pelo menos à partida, leccionar em todos os ciclos?
A questão dos ciclos de ensino irá acabar progressivamente, pois as pessoas têm um ciclo de referência em relação à sua formação, mas tal não impede que tenham percursos verticais ou horizontais de trabalho. Esta é uma situação que acontece em todo o mundo e só não acontece em Portugal por razões que nada têm a ver com perfis de docência ou capacidade dos professores, mas com o problema do recrutamento e com o enquadramento do recrutamento. A besta negra desta questão é o recrutamento de professores em Portugal, que obriga a uma rigidez artificial em termos do desempenho dos docentes. Tal é injustificável, pois um professor de Inglês, que lecciona iniciação, tanto o pode fazer no 5º Ano como no 10º Ano. E como este caso há outros. Por que razão um professor de Matemática do 3º Ciclo não pode leccionar Matemática no 2º Ciclo?.
Colocações
A partir do próximo ano, o concurso nacional já irá prever que os docentes possam ser colocados numa mesma escola por períodos de três ou quatro anos, o que Valter Lemos considera fundamental para aumentar a eficácia das escolas, em virtude da maior estabilidade proporcionada aos professores.
“O actual sistema, além dos efeitos negativos em termos pedagógicos, significa uma enorme instabilidade social, pois só no sistema público existem 150 mil professores, e ainda uma instabilidade institucional. Se sabemos isto, por que razão mantemos este sistema a funciona?”.
Admitindo que a manutenção do sistema resulte “da inércia”, Valter Lemos diz que é preciso alterar para conseguir cumprir outros objectivos, nomeadamente permitindo às direcções das escolas que possam gerir o corpo docente com alguma flexibilidade. “Assim é possível fixar projectos educativos, planos organizados, trabalho com os alunos, tendo em conta o perfil dos professores que a escola tem”.
Autonomia
O secretário de Estado da Educação considera que a autonomia das escolas está a crescer, o que exige mais responsabilização e trabalho. Como exemplo apresenta a gestão do tempo não lectivo que os professores têm agora de ficar nas escolas, cujo número de horas que cada professor deve disponibilizar não foi definido pela administração educativa, mas ficou ao critério das escolas.
“O objectivo central da medida é que as escolas tenham essa autonomia, com a vantagem da escola ter de reflectir sobre o seu trabalho, o seu projecto. Depois, porque se errou, pode emendar. Alguns conselhos executivos já perceberam, por exemplo, que não deveriam ter posto o mesmo número de horas a todos os professores, pois um professor que tem 10 turmas precisa de mais tempo do que um que tem três turmas”, adianta.
Mobilidade
Tal como está estruturado, o concurso nacional de recrutamento de docentes não permite que os professores se possam aproximar rapidamente da área de residência, o que Valter Lemos atribui ao facto desse concurso funcionar num sistema fechado. “Se os lugares são os mesmos e o número de professores também, sempre que um vem para perto há alguém que tem de ir para longe. Não há um sindicalista que não saiba isto. Mas chora, todas as vezes que alguém vem dizer que está a 100 quilómetros de casa”.
Perante isto, o secretário de Estado não aceitar a posição de “defender o concurso e ao mesmo tempo chorar lágrimas de crocodilo por aquilo que é necessariamente a natureza do concurso”. E vai mais longe, pois considera que o concurso, tal como está desenhado, obrigou à “criação de um conjunto de sistemas paralelos de colocação de professores para fazer batota com o sistema”, apontando como um dos exemplos os destacamentos, sendo que “os sindicatos dos professores, pelas mais diversas vias, são alguns dos principais utilizadores desse sistema de fazer batota no concurso nacional”.
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