ANTÓNIO MEGA FERREIRA
"A educação
básica deveria ser a licenciatura"

O homem que juntamente com Vasco Graça Moura idealizou a «Expo 98» diz que o sistema educativo tem estado sujeito a demasiada «experimentação pedagógica» e que devia ser urgentemente «simplificado». António Mega Ferreira, um dos nossos intelectuais mais respeitados, afirma ainda que Portugal «é mais um país de festivais do que de obras duradouras», que «falta visão estratégica nacional desde o século XVI» e que os portugueses têm a tendência para a «auto-flagelação».
Como reage quando lhe chamam o «pai» da «Expo 98»?
Nego completamente a paternidade e, quando muito, sou um dos tios da «Expo 98» que foi um evento imaginado, também por mim, mas em grande parte, por arquitectos, intelectuais, etc. Mas se me chamam «pai» é porque a exposição deixou boas recordações.
Pelo menos reconhece que foi o ideólogo do evento?
A «Expo» não tinha, em sentido rigoroso, uma ideologia subjacente ou se a tinha visava a consagração e a celebração do regime democrático, que permitiu a Portugal reencontrar o seu lugar no mundo no concerto das nações. Um evento com 150 países presentes, teria sido impossível sem a democracia.
Foi um sonho tornado realidade?
Quando nos envolvemos em projectos não temos propriamente essas categorias muito arrumadas na cabeça. Eu diria antes que foi uma oportunidade bem aproveitada por Portugal.
É verdade que a génese da candidatura portuguesa da «Expo 98» aconteceu num almoço que teve com Vasco Graça Moura, em Lisboa?
Somos amigos há 30 anos, mas como trabalhávamos juntos na Comissão dos Descobrimentos fomos um dia, no verão de 1989, almoçar ao «Martinho da Arcada» e a ideia emergiu. Inicialmente lembramo-nos de algo que designámos por «mercado do oriente», que seria uma reunião em Lisboa de tecnologias orientais com o «know how» ocidental. Posteriormente, assim que começámos a estudar o regulamento das exposições universais, muito rapidamente se avançou com o tema do mar e dos oceanos.
Sete anos depois da «Expo», já é possível fazer um balanço?
Eu só farei um balanço da «Expo 98» quando se cumprirem 10 anos após a sua inauguração. Em 2008, será possível, com justiça, avaliar o que resultou positivamente e o que é que não resultou tão bem ou teve efeitos perversos.
A descaracterização e a explosão urbana da zona do Parque das Nações é um desses efeitos perversos?
É difícil falar em descaracterização urbana se compararmos com o que lá existia antes. Convém lembrar que havia uma lixeira a céu aberto, 18 mil contentores, um matadouro municipal obsoleto, duas refinarias que davam prejuízo. Aquela zona oriental foi durante muito tempo aquilo a que se podia chamar a cloaca de Lisboa para onde convergiam os lixos de vários concelhos.
O mote da «Expo 98» foram os oceanos. Pensa que os portugueses ficaram mais despertos para essa temática?
Na altura sim — existiu uma sensibilização pública que teve uma boa receptividade. Agora, não tenho a certeza. Penso que não houve uma refocagem do país relativamente à temática dos oceanos. Portugal e os portugueses têm um problema de falta de continuidade no esforço. Embora tenhamos medalhas na prova mais dura dos Jogos Olímpicos, somos maus corredores da maratona.
O que é que falta para sermos mais consistentes?
Temos uma grande capacidade de realização no momento, mas falhamos no restante. Portugal é mais um país de festivais do que de obras duradouras.
Está a dizer que somos bons em projectos de curto prazo?
Portugal vibra intensamente, faz as coisas muito bem - até melhor do que os outros - mas falha no essencial. Falta visão estratégica no nosso país, pelo menos desde o século XVI.
O país carece de estratégia, desígnios ou líderes capazes?
Os líderes são importantes e, a certa altura, até são decisivos, mas não são condição suficiente. O que falta fundamentalmente é a capacidade de definição de objectivos estratégicos e a mobilização das pessoas para eles. Se olharmos neste momento para Portugal constatamos que não existe um objectivo estratégico, o que é algo empobrecedor da actividade colectiva.
É corrente ouvir dizer que não há um projecto nacional. É verdade?
Isso não existe. Dizer que os países têm um projecto é retórica política, vagamente messianica, um bocado demiúrgica. O que as nações têm ou devem ter são orientações estratégicas, onde há pontos de partida e de chegada.
Esta espécie de estagnação em que estamos a cair reside da nossa forma de ser e da
idiossincrasia nacional?
Quer um exemplo muito prosaico? Repare a quantidade de coisas novas e óptimas que aparecem em Portugal e ao fim de uns meses estão completamente avacalhadas. Logo, nós somos bons para construir e somos maus para manter. Não temos o sentido da manutenção das coisas. Nesse sentido somos um bocadinho africanos. E essa dificuldade de manter é basicamente um defeito de cultura política nacional.
Quer dar um exemplo concreto?
Uma vez um autarca do interior do País disse-me que queria um parque urbano com 70 hectares e eu disse-lhe: «o presidente já fez as contas aos custos anuais?». Fiz rapidamente os cálculos num papel e disse-lhe que custava 350 mil contos por ano a manter, o que desmobilizou logo o político da ideia. Em Portugal, quando há dinheiro para construir, constrói-se, mas nunca ninguém pensa como é que se mantém, como se vai programar, como é que se vai atrair público, etc.
É a lógica do desenrascanço, uma imagem tipicamente nacional...
Os centros culturais estão a nascer pelo país como cogumelos, a maior parte deles estão às moscas, são sobredimensionados em relação à localidade onde se inserem e muitos não têm qualquer tipo de actividade cultural.
Os que criticam iniciativas como a «Expo 98», o CCB ou o «Euro 2004» são os «velhos do Restelo» dos tempos modernos?
O «velho do Restelo» era melhor do que muitos desses críticos. Essa personagem significa em «Camões» o outro lado de qualquer empresa humana: ninguém com o mínimo bom senso arrisca uma aventura sem pensar, nem que seja ao de leve, que «isto pode correr mal». Os críticos da «Expo» eram «apriorísticos», argumentavam que o simples facto de se ir fazer um evento de grande dimensão que mobilizava vastos recursos era mau, porque o país era pobre e pequeno. E veio a acontecer o contrário. A «Expo 98», com o projecto urbano e imobiliário que lhe está associado, já gerou para o Estado e para as autarquias cerca de quatro vezes e meia o investimento inicial. Para além da dinamização de uma zona da cidade que estava degradada, gerou retorno. Foi, sem dúvida, um bom negócio.
O sociólogo António Barreto disse numa entrevista que «Portugal corre o risco de desaparecer». Subscreve esta visão pessimista?
Isso é um disparate. Um País que dura há oito séculos não vai desaparecer apenas por sofrer uma crise financeira e orçamental.
Rejeita então que haja uma crise de identidade?
Qual crise de identidade? Os nossos factores identitários são tão fortes e tão duradouros no tempo que não sentimos sequer a necessidade de estar a discuti-los. Nós sofremos é de hiper-identidade. Portugal é o país da Europa que tem as fronteiras mais estáveis há sete séculos, temos uma só
língua dentro do território nacional, temos uma religião dominante que é um factor aglutinador, temos continuidade territorial - com excepção das regiões autónomas, etc. Por amor de Deus, nós temos é dificuldade em perceber a Europa. Não consigo entender um país como a
Bélgica onde se falam duas línguas diferentes e gostava que me explicassem como foi possível que a Jugoslávia se fracturasse em pedaços, com línguas,
religiões e etnias distintas.
Está a dar-se demasiada importância à questão do défice?
A crise financeira e orçamental está a ser hiperbolizada. Como somos mais atlantistas do que mediterrânicos, deixámos que essa pressão atingisse umas dimensões completamente absurdas. Já ouvi pessoas
dizerem que Portugal está ao nível do Senegal. Eu conheço esse país africano e ofereço-me para pagar uma visita ao Senegal aos autores desses comentários. Há quem não tenha a noção do que está a dizer. Somos dos 30 países mais desenvolvidos do mundo. Os portugueses têm uma tendência para a auto-flagelação e para a auto-diminuição. Andamos sempre à procura da imprecisão e do que não está bem.
Essa tendência para a auto-flagelação deriva do fatalismo nacional?
A auto-flagelação, para além da perversão que encerra, é também uma forma de nos comprazermos e de nos estimularmos a nós próprios. É um pouco o poema do Fernando Pessoa, «coitado do Álvaro de Campos que tem tanta pena de si próprio». Ficamos aconchegados na nossa certeza que não prestamos para nada, mas isenta-nos de ter a responsabilidade de fazer de maneira diferente. No fundo, é uma maneira de nos confortar na persistência do erro: «é o fatalismo, somos assim. A gente bem tenta, mas não dá mais que isso. Então não vale a pena»....
Nuno Dias da Silva
(texto e foto)
seguinte >>>
|