Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VII    Nº73    Março 2004

Entrevista

GUILHERME D'OLIVEIRA MARTINS, EX-MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DAS FINANÇAS

"O politécnico tem sido desvalorizado"

O ensino politécnico não tem recebido a valorização que deveria. Foi o que defendeu Guilherme de Oliveira Martins, antigo ministro da Educação e das Finanças de António Guterres, numa entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine». O agora deputado socialista quer maior investimento no sector educativo e manifesta-se contrário a alterações na Lei de Bases de cada vez que muda o Governo. Sobre o processo de Bolonha, não tem dúvidas de que não significa harmonização. Há que respeitar especificidades, afirma, apontando como exemplos disso o que se passa na Medicina e no Direito. 

De que forma avalia o panorama actual da Educação em Portugal?

O sector é uma prioridade para um país como Portugal e vejo com alguma preocupação que não exista da parte do Governo uma definição suficientemente clara desta prioridade, por um lado, em termos de investimento e, por outro, ao nível de um novo paradigma de educação ao longo da vida. Há questões pendentes que exigem uma reflexão muito séria. Encaro com preocupação o surgimento de uma nova Lei de Bases do Sistema Educativo e novos diplomas fundamentais para o Ensino Superior. A Educação é a área por excelência em que devemos obter um grande acordo político envolvendo os diferentes partidos com assento parlamentar e os principais parceiros sociais. Não faz sentido legislar nesta área sem um amplo consenso. 

Um consenso que parece estar longe de ser encontrado?

Daí a minha preocupação. É impensável que, em relação à Lei de Bases do Sistema Educativo, se altere o quadro jurídico que foi aprovado por unanimidade no Parlamento, sem que esta se mantenha.

A legislação foi aprovada em 1986 e mantém-se em vigor desde há 18 anos graças a tal consenso. Não podemos correr o risco de a estar a alterar em cada legislatura. Considero ser absolutamente essencial um esforço de todos no sentido da definição do quadro jurídico que tem de ter um conjunto de pontos fundamentais. Um deles respeita à valorização clara e inequívoca da educação de infância com a prioridade, devidamente assumida, em relação ao pré-escolar. Deve também ser dada uma nova atenção ao ensino básico do 1º ciclo, centrada em particular nos anos iniciais da formação, e ao secundário, que é o cerne do sistema educativo.

Na sua perspectiva, é aí que se colocam os principais problemas do sistema? 

Exactamente. No Centro Nacional de Cultura, estou a animar um grupo de reflexão amplo com especialistas de diversas áreas para reflectirmos sobre o ensino secundário. Este nível é fundamental porque é o horizonte para o básico, definindo os objectivos que se visam atingir e, simultaneamente, é de onde parte o Superior e a formação ao longo da vida. No ensino secundário, não podemos cometer o erro de estender, de forma automática, a escolaridade para 12 anos, o que seria grave e teria consequências a prazo que não podemos deixar de ter em conta. Devemos, antes, optar por aquilo que já hoje consta dos acordos estabelecidos com os parceiros sociais, ou seja, a necessidade de todos os jovens com 18 anos estarem em processo de educação ou de formação. Num momento em que ainda não é cumprida a escolarização completa nos 9 anos, é uma fuga para diante estar a anunciar sem mais nada os 12.

Estamos perante o grande problema do país?

Sem dúvida. Há um triângulo prioritário entre educação, formação e emprego, domínios que se encontram todos ligados. Quando se refere a prioridade ao emprego, não pode ser encarada de forma separada do paradigma da educação e formação ao longo da vida. Hoje, a educação é permanente. Quem termina uma determinada formação tem apenas condições para aprender mais e melhor. A sociedade de informação é isto mesmo. No que se refere ao ensino superior, temos de nos pautar por critérios de qualidade e responder aos novos públicos, considerando que se verifica uma evolução demográfica negativa que se repercute também neste nível do sistema. É indispensável compreendermos que as fronteiras se abriram e que há cada vez mais uma circulação dos estudantes do ensino superior por toda a Europa e pelo mundo. É absolutamente essencial que percebamos que o ensino superior tem de ser analisado numa perspectiva de mundialização. É neste contexto que se deve analisar o processo de Bolonha, que não é de harmonização ou uniformização de graus académicos.

Mas, foi a concepção que foi transmitida para a opinião pública?

Erradamente. Nesta matéria, estou à vontade porque fui o ministro que imediatamente após a adopção do documento de Bolonha, primeiramente colocou em prática o processo que está a decorrer. Tive sempre a preocupação de chamar a atenção de que não há harmonização dos sistemas educativos, que são, por definição, nacionais. O processo de Bolonha corresponde ao que designamos como uma lei ligeira, compondo um quadro que todos os países poderão adoptar ou não. Tenderão a fazê-lo e, nesse sentido, terão de se adaptar para garantir a mobilidade. Se um dado Estado não adoptar tal processo, tanto pior para ele e os seus jovens sentirão problemas.

Bolonha garante, então, as particularidades de cada sistema nacional?

Sim. Dou-lhe o exemplo da Medicina que continua a ter particularidades de formação. Seria impensável estar a pautar o futuro destes cursos com aquilo que vai acontecer noutras formações que tenderão a ser mais curtas. Na própria área do Direito, importa reconhecer que existem diversas profissões jurídicas. Não podemos esquecer, por exemplo, que há diferentes países da União Europeia onde a plenitude do exercício de funções jurídicas junto dos tribunais superiores só é efectuada por quem tenha graus académicos também elevados.

Há um outro aspecto no ensino superior que me preocupa particularmente. Defendo o sistema binário – universidade e politécnico, sendo que este deve ser muito valorizado. Possui características próprias, assumindo-se como fundamental para o desenvolvimento do país. 

Considera que tem sido desvalorizado?

Infelizmente, sim.

Não há nisso também uma questão cultural de fundo favorecedora do ensino universitário em detrimento do politécnico? 

Tal é um erro se não percebermos que a universidade e o politécnico possuem funções diferentes embora complementares e que não podem ser confundidas. A Inglaterra cometeu um erro dramático nos anos 80 que hoje está a ser claramente reconhecido: o de uniformizar e transformar os politécnicos em universidades. Foi fatal porque os primeiros tornaram-se universidades de segunda. Suponho que em Portugal não se corra o risco de chegar a esta situação e que não se adopte o referido modelo. Mas, cheguei a ouvir no início do mandato da actual maioria, nos seus partidos, esse tipo de discurso, colocando em causa o sistema binário e das vocações próprias da universidade e do politécnico. Seria um erro gravíssimo. Na sociedade actual, onde a informação é fundamental, perdermos a componente tecnológica do ensino seria dramático. Julgo que não irá acontecer, mas, se desvalorizarmos o politécnico, iremos para aí. Outra consequência será a perda de competitividade. Voltamos, neste ponto, ao triângulo educação, formação e emprego em que estes elementos têm de estar inter-ligados.

De que forma encara a possibilidade de encerramento de cursos que se venham a considerar excedentários no superior?

É uma questão inevitável, uma vez que Portugal possui formações que são, nas suas designações, excedentárias. Neste quadro, é indispensável que o sistema de avaliação do ensino superior funcione. Se tal suceder, podemos, de forma gradual, resolver o problema, na medida em que se determinarão as formações que não são relevantes. Entre o nosso país e a Holanda, a relação de diversidade de formações é de 1 para 10, ou seja, uma dezena de vezes maior. O trabalho do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior é, a este nível, fundamental, garantindo uma maior transparência e clareza nas denominações dos cursos. Isso assegurará, aliás, a própria mobilidade dos estudantes, quer a nível nacional, quer internacional.

Qual o modelo mais adequado de financiamento do ensino superior, considerando a sua experiência governativa nas áreas da Educação e das Finanças?

O problema fundamental é do financiamento da educação no seu todo, de modo a permitir a formação dos jovens e a competitividade. Não há modelos perfeitos. Entendo, porém, que é preciso apostar num maior investimento na qualidade das infra-estruturas, designadamente no âmbito das novas tecnologias de informação e comunicação. É, igualmente, indispensável apostar na formação de professores. Mas, tudo isso é caro. Não se deve confundir despesa corrente em educação, por exemplo, em tal formação de docentes, afirmando que pode ser cortada de forma cega. Não pode nem deve, porque a despesa neste sector possui uma natureza reprodutiva! Se compararmos a exigência de recursos financeiros para a educação de um país desenvolvido para um outro de desenvolvimento médio como Portugal, verificamos que a percentagem do Produto Interno Bruto aplicada entre nós tem de ser mais elevada.

Os investimentos necessários em Portugal são, assim, os mesmos de um país mais rico, porque as tecnologias e a rede são as mesmas, o que obriga a um esforço de investimento. 
Por outro lado e no âmbito da União Europeia, é necessário reforçar as verbas para a formação e investigação científica, no fundo, a estratégia de Lisboa adoptada pelo anterior Governo socialista, em Março de 2000. É fundamental compatibilizar a concorrência, a competitividade, a inovação e a coesão.

Em Portugal neste momento, concentraria mais recursos educativos no nível do Secundário, valorizando a componente tecnológica. Precisamos de relevância em formação. 

É, igualmente, necessário que não se privilegie a bandeira vazia da escolaridade obrigatória de 12 anos. Se o fizermos, sem considerar outros aspectos, só criamos problemas, com mais jovens na formação indiferenciada e encargos acrescidos para as famílias dos estudantes.

Não está a haver um compromisso real e sério de ir ao encontro das necessidades dos nossos alunos.

Uma atenção particular ao secundário vai valorizar quer o básico, quer o superior.

Só com uma aposta forte na área da educação deixaremos de ser periféricos. Hoje, a sociedade da informação e das novas tecnologias não condena um país como Portugal à periferia.

Jorge Azevedo

 

 

 

CONSELHO COORDENADOR DOS POLITÉCNICOS TEM NOVO PRESIDENTE

As metas de Luciano de Almeida

Luciano de Almeida é o novo presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (Ccisp), sucedendo no cargo a Luís Soares. Numa altura em que o ensino superior português se prepara para abraçar os princípios estabelecidos pela Declaração de Bolonha, em tempo de discussão da nova Lei de Bases, e quando sobram vagas aos candidatos ao ensino superior, Luciano de Almeida traça ao Ensino Magazine as suas prioridades.

Presidente do Instituto Politécnico de Leiria, Luciano de Almeida tem a seu lado na direcção do Ccisp, José Luís Ramalho, responsável máximo pelo Politécnico de Beja. Já a Comissão Permanente integra Valter Lemos, Jorge Mendes e Dionísio Gonçalves, respectivamente presidentes dos institutos de Castelo Branco, Guarda e Bragança. 

Para Luciano de Almeida a grande prioridade do ensino superior politécnico em Portugal deve passar “pela implementação dos princípios da Declaração de Bolonha, de forma a que as soluções que venham a ser consagradas sejam as melhores. Nesse sentido foi constituído um grupo de trabalho”. Nesta matéria, e no entender daquele responsável, os “Institutos Politécnicos têm situação devidamente estudada, mas não têm qualquer possibilidade de iniciar a transição para a aplicação dos princípios da Declaração de Bolonha. Isto porque estão espartilhados por regras legais que obrigam à apresentação e funcionamento dos cursos mediante determinado modelo”.

Sobre esta matéria Luciano de Almeida recorda que ao nível da formação inicial, “as licenciaturas bi-etápicas dos politécnicos são ministradas em 3 mais 1 ou 2 anos, já que estão vinculados a um regime que estabelece legalmente os requisitos para a criação de um curso. Além disso, neste momento, não há legislação, nem é clara qual a opção do governo, sobre esta matéria. Isto é, não se sabe se o primeiro ciclo vai ter três ou quatro anos”.

Ainda em relação a Bolonha, Luciano de Almeida defende que a posição do Governo deveria “ir no sentido do primeiro ciclo ter três ou quatro anos. Por outro lado, no Diploma Legal que venha a regulamentar esta matéria deve ficar, de uma forma muito clara, quais os requisitos para o acesso às profissões, pois não me parece razoável que um curso de engenharia tenha quatro anos e que uma pessoa fique licenciado e que a Ordem venha exigir que esse licenciado tenha que fazer mais um ano de qualquer coisa”. Deste modo, o presidente do Ccisp defende “as regras do jogo fiquem totalmente definidas, logo à partida”.

Outro dos objectivos imediatos do novo presidente do Ccisp passa por “procurar, no que concerne à Lei de Bases e à Autonomia das Instituições, as melhores soluções para o ensino superior politécnico”. Ao nível interno, Luciano de Almeida pretende também reorganizar o Conselho. “Vamos fazer essa reorganização de modo a que possamos atingir os objectivos a que nos propusemos”, explica. 

FINANCIAMENTO. Luciano de Almeida focou também os contratos programa assinados entre os politécnicos e as universidades com o Ministério da Ciência e do Ensino Superior. “Analisando os dados de uma forma pura e simples verifica-se, tal como acontece nos orçamentos das instituições. Ou seja, os das universidades são superiores, entre duas a três vezes mais, que os dos politécnicos”, diz.

O presidente do Ccisp considera, no entanto, que “para o Conselho se pronunciar sobre os contratos programa, que financiam projectos, temos que saber os fundamentos das decisões. Isto porque nós vemos que foram aprovados projectos em determinadas instituições e outros, apenas pela designação, não o foram. Nesse sentido já solicitámos ao Ministério quais os fundamentos que foram tidos em conta nessa decisão”.

E se ao nível dos contratos programa, o Ccisp mostra-se crítico, em relação à Acção Social o panorama é semelhante. “Nessa matéria foram feitas algumas correcções com adopção, pela primeira vez, dos mesmos critérios para ambos sub-sistemas, no que respeita à determinação das bolsas. Mas no que respeita ao apoio ao desporto e à cultura, por exemplo, os institutos continuam a ser manifestamente discriminados. O que é perfeitamente escandaloso, pois quando estamos a falar de acção social estamos a referirmo-nos ao apoio aos estudantes e não se percebe porque é que os das universidades recebem mais que os dos politécnicos”.

 

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