Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº68    Outubro 2003

Dossier

VALTER LEMOS ATACA

Governo não quer Escola de Artes

O facto da construção do novo edifício da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco ter sido retirada do Plano de Investimentos da Administração Central para 2004, quando estava no de 2003, “é uma atitude absolutamente inaceitável e incompreensível, ainda mais quando se atribuem milhões a escolas da mesma área, como é o caso da Escola Superior de Música de Lisboa, cujo processo está muito mais atrasado que o de Castelo Branco”.

A conclusão é do presidente do Politécnico de Castelo Branco, Valter Lemos, o qual não poupa críticas ao Governo, até porque já este ano terá recebido a garantia de que as duas escolas iam mesmo avançar. “As prioridades mostram-se nos actos e não nas conversas. Uma coisa é certa: é mais prioritário para o Governo fazer a Escola Superior de Música em Lisboa, do que a Superior de Artes em Castelo Branco. Ninguém pode dizer que não é assim”.

O caso é mais preocupante, uma vez que aquele edifício faz parte de um projecto único que inclui ainda a Escola de Saúde, um edifício comum e um auditório. Como a Escola de Saúde vem mencionada no Piddac, mas a de Artes, deixou de estar, aquele responsável conclui: “O Governo não quer que se faça a Escola de Artes. Esta estratégia asfixia as instituições, uma vez que as escolas com mais procura não crescem e dentro de alguns anos dizem-nos que não têm condições para funcionar”.

Apesar de falar assim, tem uma certeza: “Não será este Governo nem nenhum outro que terá a capacidade para nos fechar a Escola de Artes nem outra escola qualquer, como parece ter vontade. E não o fará porque não deixaremos. A escola continuará, há-de ter um belíssimo futuro e envergonhará quem obviamente lhe quer fazer mal. Já hoje, com apenas três anos, tem uma orquestra, o que não acontece com outras escolas, que têm dezenas de anos e dinheiro”.

DIFICULDADES. Mas se Castelo Branco tem apenas um milhão e só para uma das escolas, ao nível das restantes instituições do Interior, os investimentos são ainda mais baixos. “Os próximos anos são para pior ao nível do Interior. A partir do momento que se concentra o investimento nas instituições do Litoral, é evidente que elas vão crescer. Tal não se deve a uma incapacidade das instituições do Interior, mas a uma decisão do Governo”.

Além do Piddac, queixa-se do orçamento da instituição. “O Governo cortou mais nos orçamentos dos politécnicos do que nos das universidades. E dentro dos orçamentos dos politécnicos, cortou mais nos do Interior. Pode arranjar mil desculpas para o ter feito, mas não deixa de ser um facto. A minha interpretação é que o Governo não está interessado em deixar que o Ensino Superior se desenvolva no Interior do País”.

Discorda em absoluto desta decisão e afirma que ela será o prenúncio de uma inversão da política das duas últimas décadas, “seguida por governos de diferentes cores partidárias”, a qual passou por “apostar no Superior no Interior do País como factor de desenvolvimento e coesão”, o que terá dado “bons resultados”. O que agora considera uma inversão do processo leva-o a tecer críticas, “não por o Governo ser laranja, cor-de-rosa ou de outra cor qualquer, mas sim pela questão em causa”.

Exige por isso que se assumam responsabilidades. “Se a desculpa é a falta de dinheiro, não pode dar meios a uns e tirar a outros, mas teria de o fazer proporcionalmente, o que não aconteceu. O Instituto Politécnico e a região estão a ser gravemente prejudicados por uma opção do Governo. Logo, quem toma este tipo de decisões, não se pode esconder atrás do que quer que seja. Tem de assumir frontalmente. Objectivamente, há 20 milhões de euros para fazer uma escola em Lisboa e não há 10 para fazer uma em Castelo Branco”.

 

 

REDUÇÃO ORÇAMENTAL

Propinas não resolvem

“O entendimento do Politécnico é que as propinas são da responsabilidade do Governo. Trata-se de uma instituição pública, pelo que não posso gerir o Politécnico como se fosse a minha casa. Mesmo que o Governo me diga que o posso fazer, não o faço. Isto é um serviço público, pelo que não fixámos nenhum valor de propinas”.

É deste modo que Valter Lemos esclarece a sua posição relativamente a uma das matérias mais quentes do momento, a qual lhe levanta algumas reservas. “O Governo tem todo o direito de retirar meios à instituição. A nossa obrigação não é dizer quanto pode retirar, mas sim governar a casa o melhor possível com o dinheiro que o Governo nos atribui”.

No caso, o Politécnico sofre um corte superior ao dobro do dinheiro que receberá em resultado do aumento mínimo de propinas, que ronda os 30 por cento. “A nossa política é a de gerir o melhor possível, aumentando a eficiência. Os professores têm mais horas de aulas, há menos funcionários e visa-se afectar o menos possível a qualidade do ensino, para que os estudantes não sejam atingidos”.

Tem uma visão de cidadão em relação ao orçamento de Estado e aceita que tenham de ser feitos cortes, mas não se conforma que “os cortes sejam maiores nos politécnicos do Interior do que nos do Litoral. Esta é uma decisão que, a ser continuada, será o maior retrocesso que tivemos nos últimos 50 anos em relação ao desenvolvimento da faixa interior do País. Não aceito que as pessoas que estão nesta faixa tenham menos direitos que as que vivem no Litoral. Isso é impensável”.

MERIDIANO. Perante os factos, Valter Lemos considera que volta a existir o que chama de “meridiano de Vila de Rei”, pois “o Ensino Superior é a única forma de manter e atrair ao Interior uma quantidade significativa de população entre os 18 e os 24 anos, com as vantagens extraordinárias que daí advêm, caso das dinâmicas que se criam com a fixação de quadros”.

A questão está em saber se a aposta continuará, ou não. “Quando vejo governantes a olharem para o Interior de forma condescendente, não acho apropriado. A condescendência já significa uma visão interior de que há realmente um direito adicional para os grandes centros e tem de se fazer alguma coisa pelos coitados do resto do País. Quem pensa assim, julga conceder-nos o favor de nos deixar existir, o que é uma coisa tão fantástica quanto inaceitável. Ora, isto não é uma questão de condescendência. É uma questão de interesse nacional”.

Preocupado com a coesão nacional, dá como exemplo a força das cidades fronteiriças do lado espanhol para se perceber a diferença de poder de atracção. “Se as pessoas perceberem porque é que há tantos portugueses a estudar em Badajoz, Salamanca ou Cáceres e porque não há espanhóis a estudar em Castelo Branco, Guarda ou Évora, constatam as diferenças de centralidades entre estas cidades”.

Pelo caminho seguido, pensa que “talvez se pretenda manter as centralidades todas no Porto ou em Lisboa”, pelo que defende que os governantes assumam essa posição de forma clara. “Não concordo de todo, porque essa política contraria o interesse nacional. Precisamos de cidades fortes e competitivas no Interior, o que não se faz sem Ensino Superior. Pode haver mais indústria, comércio e turismo, mas a verdade é que não há uma única cidade desenvolvida no mundo que não tenha um Ensino Superior forte”.

 

 

 

Um milhão para a Escola de Saúde

O Piddac deste ano atribui uma verba da ordem de um milhão de euros para a construção do novo edifício da Escola de Saúde, enquanto nos anos seguintes chegarão mais seis milhões, quatro deles em 2005. De fora fica o edifício da Escola de Artes, o que o presidente do Politécnico não compreende.

“Esta verba dá para arrancar a obra. Faremos a parte de infra-estruturas para as duas escolas, desde as terraplanagens a galerias técnicas, postos de transformação, entre outros. Depois não sei se será possível pôr a concurso o primeiro edifício, o bloco pedagógico da Saúde, cujo orçamento ultrapassa largamente o valor proposto”.

Valter Lemos propôs que se mantivessem as duas escolas em Piddac, ainda que uma delas tivesse um valor simbólico. Tal não aconteceu. Agora considera que “como se trata de uma obra única, um campus com quatro edifícios, esta divisão proposta em Piddac, com uma escola inscrita e outra não, não serve, nem funciona”.

A preços deste ano, a construção do Campus da Talagueira (Artes, Saúde, Auditório e Edifício de serviços, bibliotecas e cantina) custaria cerca de 12,5 milhões de euros, podendo crescer para os 14 milhões, tendo em conta a inflacção e a programação da obra ao longo de três a quatro anos. Mas no Piddac, apenas vem referida metade dessa verba”.

 

 

 

Impera o silêncio, falta lealdade

Valter Lemos não perdoa o facto de muitas pessoas terem ficado em silêncio, quando ele próprio e o presidente da Câmara, Joaquim Morão, apelaram à mobilização em torno do projecto das novas escolas, por ser estratégico para a região. “A única pessoa que tem sido um combatente nesta matéria, seja com este Governo, seja com o anterior, tem sido o presidente da Câmara. As outras pessoas, infelizmente, têm a vergonha que têm. Acham que a escola se deve fazer, ou não, conforme a sua lealdade ao partido que está no Governo”.

Adianta que a construção das escolas é importante “independentemente do partido que governe”, pelo que a intensidade do combate pelas escolas “deve ser a mesma”, o que “não acontece com algumas entidades, como a dizer que concordam com a decisão”. Deixa assim um aviso: “quem entrar neste comboio do silêncio, há-de desmontar numa estação um dia. E nós cá estaremos todos para ver”.

 

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