Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº61    Março 2003

Entrevista

BRAGA DA CRUZ, EX-MINISTRO DE ANTÓNIO GUTERRES

Economia inteligente

“Os empresários portugueses devem ser inovadores e não devem ter medo do mercado Espanhol”. É assim que Braga da Cruz, ex-ministro da Economia do último Governo de António Guterres, se refere ao modo como a economia nacional poderá evoluir positivamente. No mesmo dia em que se iniciou a Guerra no Iraque, aquele responsável concedeu uma entrevista ao Ensino Magazine, onde fez uma análise da situação económica de Portugal.

A conversa com o ex-ministro de António Guterres ocorreu momentos antes da realização de um colóquio de que foi prelector na Escola Superior de Gestão, do Instituto Politécnico de Castelo Branco, e onde caracterizou as relações económicas entre Portugal e Espanha. Actual presidente do Conselho de Administração da Enernova, Braga da Cruz, mostrou-se esperançado quanto ao futuro, e já no domínio das energias renováveis considera que o nosso país tem condições para cumprir os critérios estabelecidos pela União Europeia.

Alguns analistas consideram que Portugal atravessa um período de recessão económica. Que mecanismos podem ser utilizados para inverter essa situação?

Num momento de recessão, - que não sei se é aparente ou real, devido a determinados indicadores que nos deixam preocupados, como o facto do desemprego não reduzir, do produto não crescer ao ritmo que desejávamos -, é importante que cada um de nós tenha uma atitude adequada. E a atitude tem que ser determinada pela capacidade de aproveitar a oportunidade de mudança que a instabilidade sempre trás consigo. Ou seja, depois de um período de instabilidade vem sempre um período de crescimento. Contudo, esse período de crescimento não surge se continuarmos nos mesmos moldes de modelo desenvolvimento com que vivemos anteriormente. Por isso, o meu apelo vai também para os mais novos, com esperança, no sentido de recorrerem à imaginação, à criação e inovação, porque se nós, com os recursos que temos, soubermos mobilizar os bens da inteligência tudo se torna mais fácil.

Mas essa recuperação económica, agora que estalou a Guerra no Iraque, e com os mercados internacionais em quebra, poderá tornar-se difícil. Será que Portugal consegue sair da crise que atravessa se a economia internacional não o fizer?

A economia portuguesa não existe como sistema isolado. Desde que Portugal e Espanha fizeram a sua adesão conjunta à União Europeia experimentaram uma profunda mudança. E provavelmente nenhum de nós, mesmo aqueles que estavam mais avisados sobre o que poderia ser a oportunidade oferecida a cada uma das duas economias, não teriam previsto que a mudança e as oportunidades ocorridas fossem tão grandes. Quando nós estamos preparados para a mudança conseguimos fazer coisas extraordinárias.

E Portugal está preparado para essa mudança?

Não sei se estará ou não. Nós gastámos muito dinheiro em infraestruturas e equipamentos que se traduziram em economias externas, no sistema produtivo e no ambiente em que as empresas trabalham. Penso que este é o momento de fazermos apelo aos bens da inteligência, como a inovação, o que não significa apenas envolvermo-nos em novos processos tecnológicos, mas também conceber novas formas de atitude de estar perante o mercado e os factores produtivos. É evidente que essa mudança não é fácil e teremos que pensar, em primeiro lugar, na nossa inserção no mercado ibérico. Esse mercado é uma realidade contingente para as empresas portuguesas, pois seremos muito prejudicados se tivermos a ideia de que estamos num sistema isolado.

Essa é uma lógica que os empresários espanhóis já estão a fazer no nosso País...

A Espanha está muito mais presente em Portugal do que vice-versa. Isto independentemente do efeito escala, de um para quatro, - se tentássemos fazer uma análise proporcional da população dos dois países -, ou de um para cinco, se essa proporção tiver em conta a relação das duas economias. Portugal ainda está muito habituado àquilo que existia antes de entrarmos para Comunidade Europeia, pelo que estamos com a nossa economia muito dependente de Espanha. Assim, há que eliminar algumas fronteiras que apenas existem na imaginação de algumas pessoas.

Recentemente o Presidente da República e o Primeiro Ministro tiveram que solicitar ao Grupo espanhol BBV para não adquirir o maior grupo financeiro português, o BCP. Corre-se o risco da Espanha dominar economicamente Portugal?

Há um certo risco se tomarmos uma atitude de medo, de receio e de precaução. Eu defendo que devem existir políticas públicas claras, que conjugadas com estratégias empresariais podem orientar as empresas portuguesas para um caminho claro, no sentido de se posicionarem no mercado ibérico. As empresas portuguesas não podem ter medo de Espanha, já que o país vizinho é um grande mercado. Além disso, não nos podemos esquecer que o mercado interno português é insignificante perante o mercado mundial e perante o Europeu, mas já não é assim em termos ibéricos, apesar de existir a tal relação de um para cinco. Agora, se um operador económico português quiser encarar o mercado ibérico como a expansão natural do mercado interno português, então ficará a trabalhar num espaço onde é mais fácil fazer referência de produtos que querem estar no mercado global.

Essa é a posição que alguns grupos, como a Caixa Geral de Depósitos, estão a tentar conquistar?

É aquela a Caixa Geral de Depósitos está a fazer, mas não só. Sucedeu o mesmo com a EDP através da parceria que realizou com o quarto operador ibérico eléctrico. O Governo anterior, ao qual eu pertenci, traçou o caminho para o mercado ibérico de energia eléctrica, estabelecendo uma relação de parceria entre com o Governo Espanhol no sentido de haver um operador único no mercado de bolsa de aquisição de energia, de melhorar as condições de interligação eléctrica entre os dois países, e de, simultaneamente, criar uma disciplina de encontros regulares entre as administrações dos dois países, que permitam harmonizar diferenças. E o que foi feito na área da energia eléctrica, pode ser feito em muitas outras, como a concorrência ou política de empresa, entre muitos outros. Não podemos ver com medo ou receio as oportunidades que o mercado ibérico fornece. O futuro pertence aos audazes e nós temos que ser mais audazes.

Mudando de assunto, ao nível das energias renováveis o Grupo Enernova, a que preside, detém já alguns parques eólicos. Portugal conseguirá cumprir os critérios da União Europeia no sentido de uma significativa percentagem da energia produzida ser de origem renovável?

Condições políticas para que essa meta, definida na directiva comunitária de Setembro de 2001, seja cumprida já existem. Neste momento, os promotores nacionais independentes de energia renováveis, têm em matéria eólica 3500 MGW de potência outorgada. Portanto, têm condições para desenvolver um potencial de produção de energia renovável muito apreciável. Todo esse surto foi originado pelo novo regime tarifário que premeia as energias renováveis, como a eólica. A Enernova tem o objectivo de fazer 500 MGW nos próximos cinco anos. Até ao final deste ano ligará mais 60 MGW à rede, que se vão juntar aos 40 já existentes feitos nos últimos sete anos. Além disso, tem também em obra novas estruturas que colocarão mais 40 MGW na rede eléctrica. O que significa que com as apostas da EDP (a que pertence a Enernova), e de outros operadores, o cenário vai ser muito diferente do que é actualmente.

Ao nível do Interior do País, a Enernova já possui o Parque Eólico de Oleiros. Estão previstos novos investimentos?

Na zona de rede da Cova da Beira houve uma grande procura para a implementação de parques, o que fez com que a concentração de potencial disponível seja muito superior à capacidade de recepção da rede, de acordo com o planeamento nacional. Por isso, nessa zona vamos fazer menos do que aquilo que desejaríamos. No entanto, na área poente da Serra da Estrela, que envolve os concelhos de Arganil, Góis e Castanheira de Pêra, iremos implementar estruturas que produzirão cerca de 150 MGW. No caso de Oleiros temos a intenção de fazer um reforço no Parque Eólico do Cabeço da Rainha.

 


A cara da notícia

Natural de Coimbra, Luís Garcia Braga da Cruz é o actual presidente do Conselho de Administração da Enernova, uma empresa do Grupo EDP, que se dedica à produção de energias renováveis. Ministro da Economia, entre 2001 e 2002, Braga da Cruz desempenhou diversos cargos ao longo da sua carreira, quer como docente, quer como «gestor». Antes de chegar a Ministro da Economia foi presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte (por duas vezes, 1986-1995 e 1996-2001) e presidente da Enenorva, entre 1995-1996.

Nos anos 70 desempenha funções de responsável pelo Centro de Engenharia Civil da Universidade do Porto, onde foi também docente convidado. Do seu extenso currículo destaque ainda para o facto de ter pertencido ao Senado da Universidade do Minho e ao Conselho Superior da Universidade Católica. Ao longo da sua carreira desempenha ainda cargos de presidente e vice-presidente nalguns organismos associativos, casos da Fundação Rei Afonso Henriques (Espanha), Associação das Regiões Europeias Vitivinícolas (França), Conferência das Regiões Europeias Periféricas e Marítimas (França), Fundação para o Desenvolvimento da Zona Histórica do Porto, Comunidade de Trabalho Transfronteiriça Norte de Portugal e da Comissão Instaladora da Área Metropolitana do Porto.

 

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