PEDRO LYNCE EM ENTREVISTA
Financiamento está
desactualizado

As instituições de Ensino Superior vão ter de encontrar novas formas de financiamento. O alerta é do ministro do sector, Pedro
Lynce, que, em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», reconhece que a Lei actual está desactualizada dadas as previsões de redução do número de alunos nas universidades e politécnicos.
Em tempos de dificuldades económicas gerais do país, o governante afirma não acreditar que as escolas do Superior queiram uma situação de excepção que, de resto, diz, não seria compreendida pela população.
O “apertar do cinto” é para todos…
Os “cortes” no Ensino Superior vão abranger a Acção Social Escolar?
Não é verdade que haja redução de verbas para o sector. De facto, o Ministério da Ciência e do Ensino Superior registou uma quebra de cerca de 3,3 por cento no seu financiamento. O que justifica, no fundo, o Ministério, são as instituições do Ensino Superior e a Ciência e Tecnologia. As primeiras tiveram um aumento médio de 2,7 por cento, em relação ao orçamento inicial do ano passado. Ora, se compararmos o orçamento inicial de 2002 para o Ensino Superior com o de 2003, verifica-se um aumento de 2,7 por cento. Se a comparação se referir à Ciência e Tecnologia, a instituição principal é a Fundação da Ciência e Tecnologia, o aumento cifra-se em 0,7 por cento. Poderá perguntar-se: como foi possível este milagre? É que todas as outras instituições, nomeadamente os serviços de apoio, registaram uma quebra. Vou-lhe dar um exemplo apenas: no meu gabinete verificou-se uma redução entre 20 e 25 por cento. Se alguma crítica há a formular é que as instituições de Ensino Superior e a Ciência foram beneficiadas neste orçamento.
Na sua perspectiva, os professores e demais agentes do Ensino Superior compreenderam essa situação?
É perfeitamente natural que queiram mais, eu compreendo isso. Mas, não nos podemos esquecer – e essa é a grande dificuldade que senti até agora – que estamos inseridos num todo. Será que os cidadãos percebem que têm de “apertar o cinto” e o Ensino Superior não? Não vale a pena estarmos a iludir ninguém: os sacrifícios que têm sido pedidos ao Ensino Superior são os mesmos que, neste momento, estão a ser requeridos aos outros sectores do país. Não quero crer que o Ensino Superior pretenda uma situação de excepção. Todos nós, como cidadãos, provavelmente já adiámos ou deixámos de realizar algo que queríamos devido à situação económica de Portugal. Repare que, nos últimos dez anos, foram canalizados para investimentos cerca de 250 milhões de contos. Destes, aproximadamente 75 por cento foram verbas comunitárias. A medalha tem duas faces: uns dirão que, no fundo, a situação actual é devida ao défice. É verdade: o Governo considerou prioritário cumpri-lo e tal permitirá que continuemos a beneficiar dos referidos apoios. Outros dirão, pelo contrário, que estamos a ser muito rígidos em relação ao défice, mas, então, abdicamos do resto do investimento? Há que definir claramente qual a opção a tomar. Acredito que ainda não tenha conseguido passar esta mensagem.
Foi publicada uma notícia segundo a qual para o Governo poder baixar o défice para 0,5 por cento em 2006, entre as diversas medidas previstas, conta-se o aumento das propinas. Confirma a medida?
Não. No Programa de Estabilidade e Crescimento não consta tal medida. O que está definido é a necessidade aumentar as receitas próprias. Vamos colocar à discussão correcções de algumas leis em vigor, nomeadamente a de financiamento. Para manter ou melhorar a qualidade, é preciso aumentar as receitas próprias.
Sabendo que o critério essencial do financiamento actual é o número de estudantes de cada instituição e, tendo em conta que se prevê uma diminuição do número de alunos até 2012, tal implicará fatalmente uma redução das verbas atribuídas ao Ensino Superior?
A Lei em vigor está desactualizada. O critério já não pode ser o número de alunos, sem dúvida. De qualquer das formas, uma instituição que tenha mais alunos do que outra, terá mais verbas. O problema é que o critério actual é praticamente apenas o do número de estudantes. A partir do momento em que este começa a descer, forçosamente tem de se proceder a um ajustamento. Lamento que nada se tenha feito antes, porque não foi hoje que se soube desta situação e não se efectuaram as mudanças indispensáveis no momento
certo.

Jorge Azevedo (texto)
Pedro Tavares Cardoso (fotos)
MINISTRO DEFENDE JUNÇÃO
DE CURSOS
Escolas da Beira
Interior podem fechar
A Universidade da Beira Interior e os politécnicos da Guarda e de Castelo Branco vão ter de “acertar” a junção de cursos em que existam poucos alunos, de contrário, dentro de 3 a 5 anos, duas das instituições poderão encerrar e só uma subsistirá.
O aviso não podia ser mais preocupante e directo e foi lançado por Pedro Lynce na entrevista concedida ao «Ensino Magazine».
O ministro aguarda que a Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior lhe faça chegar um relatório sobre a qualidade de escolas e cursos para «tirar daí as conclusões» em termos de qualidade.
Quanto ao modelo de articulação entre os subsistemas Politécnico e Universitário, Pedro Lynce afirma que tudo está em aberto e o problema não é o mais prioritário.
O momento actual é o ideal para mudar profundamente o Ensino Superior em Portugal?
Ou procedemos agora às correcções necessárias ou posso garantir que, dentro de 3 a 5 anos, há uma série de instituições sobretudo no interior do país que fecharão. O Governo não o aceita. Este é o nosso grande desafio, neste momento. Suponha que nada se fazia: as referidas escolas iriam mesmo encerrar. Bastava acabar com o “numerus clausus”…
Considerando o que acaba de afirmar, qual a importância que atribui às instituições de Ensino Superior no interior?
É decisivo para o desenvolvimento das respectivas regiões. Mas, têm de ser repensadas; não podem prosseguir como estão. Dou-lhe um exemplo: não podemos continuar a repetir cursos na Guarda, na Covilhã e em Castelo Branco.
E qual é a forma alternativa?… As instituições estão dispostas a prescindir do seu curso?
Ou aceitamos “acertar” os cursos, sentando à mesa os responsáveis pelas instituições ou, dentro de 3 a 5 anos, duas dessas instituições desaparecerão, só uma persistirá. Será isso, razoável? Não é. Significaria prejuízos graves para a região. Para o Governo, é perfeitamente inaceitável.
Como avalia a contradição entre a “quantidade de oferta” das instituições de Ensino Superior e a “qualidade de saída” dos diplomados?
A única entidade que me pode dar dados concretos sobre a qualidade é a Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior. Enquanto não possuir o relatório deste organismo, terei dificuldade em realizar análises da questão. A qualidade é algo muito subjectivo. É preciso um avaliador independente. Se for à abertura dos anos nas instituições, todos os presidentes das escolas dizem que estas têm uma elevada qualidade, não ouvi nenhum afirmar o contrário. Quando se trata de lidar com questões de verbas, evoca-se sempre a qualidade. Há uma entidade autónoma a trabalhar na avaliação desta matéria e aguardo, neste momento, o respectivo relatório a partir do qual tirarei as devidas conclusões. O ministro não pode dizer que uma determinada instituição tem qualidade e outra não sem ter elementos objectivos em seu poder. Os próprios responsáveis das escolas não o podem afirmar. É certo que hoje é um pouco mais fácil proceder a uma avaliação, porque estão disponíveis indicadores internacionais. Há uma série de índices que nos revelam a qualidade de um curso. Mas, não quero ir por aí, nesta altura. O problema da qualidade preocupa-me, porque repare: há alguns anos fez-se uma avaliação do nosso ensino e chegou-se à conclusão que Portugal estava nos últimos lugares na numeracia e na iliteracia, no quadro da União Europeia. Este é o meu receio. Atenção: temos instituições e cursos excelentes, mas temos outros menos bons. Convém que tenhamos a consciência da situação. Estou convencido que a avaliação internacional está à porta. Em todas as reuniões de Conselho de Ministros da União Europeia em que participo é um aspecto que é sempre abordado. A avaliação internacional vai-nos visitar num período relativamente curto.
Como é possível conciliar a identidade própria de cada um dos sub-sistemas do Ensino Universitário e do Politécnico? De que modo se podem consolidar sem “atropelamentos” e “rupturas”? Coloca a hipótese de integrar o Ensino Politécnico no Universitário?
Nessa matéria, deixo tudo em aberto. Podemos continuar a utilizar o critério que tem sido adoptado em Portugal de estabelecer uma dicotomia de universidades de um lado e politécnicos do outro. Uma dicotomia que já foi ultrapassada porque temos duas universidades a ministrar Ensino Politécnico: a de Aveiro e a do Algarve. Admito que possa ser adoptado o modelo que existe, actualmente, em Espanha. Consiste em sob o “guarda-chuva” da universidade estarem a funcionar cursos universitários e outros politécnicos. No entanto, também admito que o Politécnico fique separado do Ensino Universitário. Não creio que seja nesta matéria que residem os problemas principais do sistema. A questão coloca-se, essencialmente, em termos de racionalização da rede e de complementaridade de cursos. Isto é mais importante, nesta altura, do que estar a discutir o que é universitário ou politécnico. A própria alteração da Lei de Bases efectuada em 1998 não serviu muito para clarificar a situação, na minha perspectiva.
Permanece, então, alguma indefinição…?
O erro principal cometido entre os dois tipos de ensino residiu no facto dos presidentes escolhidos inicialmente nos politécnicos serem professores universitários. Se há hoje instituições que se encontram claramente diferenciadas, existem outras em que temos dificuldade em perceber qual o tipo de ensino de facto ministrado.
Há medidas previstas em relação à possibilidade dos politécnicos formarem docentes para o 3º ciclo e de poderem conceder os graus de Mestre e de Doutor?
Há duas respostas possíveis. Em primeiro lugar, não me parece que a eventual atribuição, pelo menos do grau de Mestre, seja exclusiva da Universidade. Os graus devem poder ser atribuídos em função da qualidade do corpo docente. Numa primeira análise, parece-me que será a situação mais justa. Não é por uma escola ser Universidade ou Politécnico que deverá poder conceder um ou outro grau, mas sim porque possui um corpo docente de qualidade que o permita. Este é, na minha óptica, o princípio mais correcto. Numa altura em que estamos a repensar o Ensino Superior e em que o número de candidatos a ingressar no sistema irá registar uma redução de 10 por cento, não é prioritário estarmos a considerar essa situação dos graus que podem ou não ser ministrados pelas escolas. De qualquer maneira, espero propor a alteração da Lei de Bases e nessa altura a questão será, muito provavelmente, equacionada.
Em relação à racionalização da rede a que já se referiu, tem defendido a junção de cursos e de escolas. Tal posição não foi muito bem recebida em diversas instituições e docentes. Insiste em mantê-la?
Só vejo duas alternativas. Ou seguimos na via que defendo ou, então, haverá cursos a fechar, dentro de 3 ou 5 anos, porque não há alunos!
Suponha que na mesma região existem duas instituições a ministrar os mesmos dois cursos, cada um com pouquíssimos alunos. Se uma não ficar com apenas um dos cursos e a outra com o outro, a tendência será o encerramento por falta de estudantes. Se me apresentarem uma alternativa adequada, óptimo! É o que se passa, igualmente, com a formação de professores. Também aqui é preciso procurar uma alternativa à situação vigente. Saem todos os anos cerca de 10 mil docentes formados, boa parte dos quais encontram-se desempregados. É necessário repensar o que fazer face a esta situação.
Mas, temos uma percentagem de diplomados inferior à media comunitária?…
No grupo etário dos 18 aos 24 anos, verifica-se que a percentagem de diplomados é mais pequena, embora Portugal esteja muito próximo da média da União Europeia. Penso até que, neste momento, estaremos já à frente da Inglaterra. A questão central é que temos de garantir, em primeiro lugar, qualidade nos cursos e, depois, expectativas para os jovens.
Os dados que apontam para uma percentagem de diplomados em Portugal inferior à média comunitária referem-se ao sector Terciário, ou seja, de modo geral, tudo aquilo que é pós-secundário. No mercado de trabalho, sucede que não há quadros intermédios. Porque é que não podemos trabalhar para colmatar este problema? A razão reside no facto de, do ponto de vista social e politico, termos assassinado tal vertente. Social e culturalmente, a ideia do Doutor e do Engenheiro ainda tem muito “peso”. Ao nível político, infelizmente, verificou-se um afastamento da consideração do problema e a consequência de tudo isto foi terem acabado os quadros intermédios.
É preciso repensar e, provavelmente, voltar à situação primitiva, nesta área.

JA
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