Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano VI    Nº59    Janeiro 2003

Entrevista

ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE VAI SER REVISTO

Professores têm de dar provas

O Estatuto da Carreira docente vai ser objecto de alterações. A garantia é dada pelo ministro, que quer combater uma «falha tremenda» do sistema e pretende para Portugal uma rede de ensino superior de excelência, essencial ao futuro do país, sublinha.

Às instituições sobretudo do interior deixa um recado: prestem atenção aos novos públicos e apostem na requalificação e reciclagem dos recursos humanos locais, aqueles que não saem das respectivas regiões, ao contrário dos estudantes das licenciaturas que, muitas vezes, regressam ao litoral de onde são originários.

Em relação à formação pedagógica dos docentes do Ensino Superior, há medidas pensadas?

Penso que é uma questão muito importante. Actualmente, a primeira prova pedagógica pública que se faz é para obter o título de agregado. Trata-se de pessoas que já estão na carreira e que praticamente não foram sujeitos a nenhuma prova pública, porque quando entram para a carreira de associado têm de se submeter a uma prova pedagógica, mas que é documental. É uma falha tremenda. Como sabe, o insucesso escolar tem várias razões na sua origem, desde causas endógenas a exógenas. Admito que uma das endógenas seja a falta de preparação pedagógica dos professores do Ensino Superior. Há medidas pensadas, em termos de se proceder à revisão do Estatuto da Carreira Docente. Pretendo colocar em “pé de igualdade” as publicações pedagógicas e as científicas, porque considero isso importante.

Tem preconizado a criação em Portugal de uma rede de Ensino Superior “de excelência”. Pode concretizar o que entende por uma rede deste tipo?

Tivemos oportunidade de a constituir e por falta de uma orientação, o que dispomos é de uma rede de Ensino Secundário melhorada.

Uma rede de Ensino Superior de excelência teria exigido um planeamento que não existiu, registando-se um crescimento anárquico do sistema, que permite que Portugal possua dois níveis de ensino diferenciados. É uma situação que me preocupa fortemente.

A inexistência continuada da rede de excelência a que se refere, comprometeria o futuro do país?

Não tenho dúvidas nenhumas. Mais grave ainda: amanhã, teríamos avaliadores que reconheceriam uns diplomas e outros não.

Aliás, vivemos, actualmente, uma situação que tem passado despercebida e que me preocupa. Existem cerca de 300 cursos de Engenharia em Portugal, mas só 88 estão acreditados pela respectiva Ordem profissional. Isto significa que mais de 200 cursos já licenciaram fornadas de jovens que não têm carteira profissional. As instituições terão, pelo menos, de requalificá-los para que os seus diplomas sejam reconhecidos.

A manter-se o sistema de Ensino Superior como está, corremos o risco de estar a formar gerações de frustrados, tendo em conta nomeadamente as discrepâncias entre o número de licenciados e as necessidades do mercado de trabalho?

Não creio. Se, por hipótese, eu acabasse com o “numerus clausus”, as instituições do interior do país ficavam desertas. O litoral é que “batia palmas”, agravando-se, assim, os desequilíbrios de Portugal! A minha preocupação, neste momento, é ver se, num esforço supremo, conseguimos evitar isso, tanto mais que o número de alunos vai diminuir. Temos a obrigação de introduzir claramente melhorias, ao nível da qualidade, esta é que é a realidade.

As instituições de ensino superior, até agora, têm-se limitado a cursos graduados (licenciaturas) e pós-graduados (mestrados e doutoramentos). Mas, há outras franjas muito importantes a considerar. Hoje, fala-se da aprendizagem ao longo da vida.

Os “novos públicos” do Superior para os quais se tem chamado a atenção?

Exactamente. Cursos pós-secundários, tecnológicos, de requalificação e de reciclagem profissional, o leque possível é vasto. Mas, em todos trata-se de valorizar os recursos humanos locais. Suponha o que se passa numa cidade do interior: o número de habitantes não é suficiente para alimentar o ensino Superior graduado ou pós-graduado. Por isso, tem de haver uma importação de jovens de outras regiões. Sucede que assim como foram para lá estudar, também se vêm embora. Porquê que as instituições das zonas não começam a olhar para a valorização dos recursos locais, porque estes já não saem de lá? As universidades e os politécnicos podem estabelecer protocolos e realizar cursos de reciclagem que até, muitas vezes, têm lugar à noite ou ao fim-de-semana.

Assim se consegue novas actividades para o Ensino Superior e uma valorização dos recursos humanos do país?

Claro. Repare quantos jovens vão estudar para a universidade ou o politécnico por falta de alternativas. Se quiser um bom electricista ou electromecânico, onde o vai buscar? Na área da agricultura, por exemplo, quer um operador de máquinas ou um tractorista competente, o problema é o mesmo. Há jovens que estão dispostos a frequentar um curso de formação profissional relativamente curto mas não licenciaturas, mais longas.

Na base do problema não está um problema cultural do culto do “doutor”?

É, de facto, um problema cultural e social gravíssimo. Acabou-se com um grau intermédio que existia e há muitos jovens que afirmam não estar interessados em estudar 5 anos, mas querem frequentar um curso mais reduzido. Daí que nas universidades e politécnicos o insucesso escolar seja superior a 50 por cento. Provavelmente, há muitos alunos que nem queriam lá estar. O problema é que não lhes foi dada outra alternativa. As próprias instituições também têm vivido uma situação um pouco perniciosa, uma vez que não se adaptaram a estas novas questões. E não nos esqueçamos daquele pecado original que já lhe referi: o da maioria dos presidentes iniciais dos politécnicos terem sido professores das universidades.

Há docentes universitários a defender uma maior mobilidade entre instituições e alguns criticam inclusivamente que tenham de fazer toda a sua carreira na mesma escola. Como tenciona tratar este problema?

Penso que há uma endogamia excessiva. Existem lugares que se abrem apenas quando existem docentes preparados nas respectivas instituições para concorrerem e há professores que nunca saíram da sua própria escola. É uma situação claramente prejudicial, porque faz com que as instituições ainda se fechem mais. Há escolas que se implementaram muito bem e estão articuladas com a sociedade envolvente e o meio empresarial das respectivas regiões. Mas, são casos ainda excepcionais.

De que forma encara a expansão ocorrida no Ensino Superior em Portugal, nos últimos anos?

Verificou-se um crescimento e não um desenvolvimento do sistema de Ensino Superior em Portugal. Para que este tivesse ocorrido, deveriam actuar três actores: o Poder Central, o presidente do politécnico ou o reitor da universidade e o autarca. Aconteceu que o Poder Central “limpou as mãos como Pilatos”. Daí chegámos à situação actual. Repare que, neste momento, encontram-se distribuídos por todo o país uma série de pólos onde dificilmente se conseguirá introduzir ganhos de qualidade e o primeiro responsável por isso é o Poder Central, não tenho dúvidas nenhumas disso. O último responsável é o autarca
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JA

 


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