LUÍS REPRESAS NEGA
DESVIO NA CARREIRA
"Não sou pelo
pensamento único"

Luís Represas não concorda com a existência de conflito de gerações. A prová-lo o facto de muitos jovens o conhecerem pelos pais.
Sem renegar a importância dos Trovante, inovadores e descobridores nos “caminhos das pautas”, o cantor diz que «Reserva Especial», o seu último disco, de versões, não representa um desvio na carreira, mas antes um tipo de trabalho diferente que era chegada a altura de concretizar, com a maturidade de muitos anos de actividade.
Sem dúvidas de que os portugueses acarinham os seus artistas, Luís Represas queixa-se sobretudo das rádios e da «inversão de valores» dos dias de hoje. Para o futuro, estão prometidas colaborações com outros cantores e músicos se tal se justificar na linha que traçar. Certas são as inter-influências de outros estilos, culturas e sons. Porque, como salienta nesta entrevista em exclusivo ao «Ensino Magazine», nunca foi pessoa ou artista de «pensamento único».
O último trabalho «Reserva Especial», composto por versões de músicas estrangeiras marca uma mudança de rumo na sua carreira?
Não o diria. De há muito que me tinham desafiado para elaborar um trabalho do género mas considerei sempre que não estava no momento certo. Agora, concluí que tinha chegado a altura de realizar um ponto de paragem no meu percurso. O disco tem 21 versões de grandes temas, sendo acompanhado por uma orquestra de elevadíssima qualidade. É um momento de tranquilidade, de fazer um trabalho muito específico ao fim de muitos anos de carreira, quando penso já ter a maturidade musical em que baseia este disco.
Em todo o caso, não foi algo de reflectido em termos de pensar que quando chegasse ao momento x deveria realizar um trabalho de determinado género. O momento para avançar foi aquele em que senti que era o adequado para tal, em função dos trabalhos que tinha efectuado ao longo da carreira e num período em que considerei ser necessário elaborar um projecto diverso, que significa apenas o culminar de uma evolução musical própria que atingi e não nenhuma mudança de rumo totalmente inversa e contraditória com os caminhos que percorri até agora.
Apesar de ser um disco muito diferente de todos os anteriores, o público está a reagir bem...?
Sem dúvida. A receptividade tem sido, de facto, excelente, correspondendo aos objectivos de mim próprio, do maestro José Calvário, da editora e de todas as pessoas que estiveram envolvidas. Este trabalho representa a continuidade natural do meu projecto musical, evidentemente com diferenças assinaláveis em relação aos outros discos, mas não se trata de uma alteração radical e inesperada. «Reserva Especial» é um álbum que toca muito em muita gente, que lhes diz bastante e perceber que assim é enche-me de satisfação, sem deslumbramentos, mas com a plena consciência de ter feito um disco que agrada ao público, incluindo aquele que estava habituado aos meus trabalhos anteriores e que não se afastou, apesar de este ser um trabalho bem diverso, porque de versões. Isso é facilmente constatado nos concertos, porque é aí que posso observar melhor quem é, de facto, o meu público.
Como avalia a sua “caminhada” a solo, depois dos
Trovante?
Não posso fazer um “corte” abrupto entre as duas situações. Repare que Os Trovante não acabaram por causa de eu ter decidido iniciar uma carreira a solo. Não! Houve alguns elementos do grupo que
saíram e eu e os que ficaram acabámos por concluir que não deveríamos prosseguir com o projecto. Daí que o meu percurso individual posterior foi a evolução natural de quem tinha que optar, então, entre continuar a fazer música ou não. Outros membros do grupo avançaram também para os seus próprios projectos, prosseguindo os trilhos que correspondiam às suas escolhas específicas.
Mas, a marca dos Trovante fica, mesmo tendo já o Luís Represas um nome firmado no panorama artístico português como cantor a solo?
Sim. Foram 16 anos da minha vida. No grupo aprendemos muito, inovámos também em diversos aspectos, fizemos descobertas e interviemos não apenas como músicos, mas também enquanto cidadãos no quadro social da época. O que é curioso é que hoje nos espectáculos que realizo ao vivo tenho público de várias gerações. Há uma transversalidade que gostaria de salientar. Os mais jovens que não são da geração dos Trovante ouviram o grupo e muitos deles ficaram-me a conhecer através dos pais que esses sim cresceram ao som dos Trovante. Quer os jovens das escolas secundárias, quer os dos primeiros anos das universidades foram “contagiados” por estas influências dos familiares e amigos mais velhos. A questão do conflito entre gerações é uma invenção que não traduz a realidade. Esta é marcada por inter-influências e uma comunicação a vários níveis, incluindo o musical.
A música que faz é simultaneamente muito portuguesa e resultado de múltiplas influências. É essa a “chave” do sucesso?
Parece-me ser negativo colocar a música em compartimentos estanques. Da minha parte, sempre defendi que ela resulta de inúmeros contributos daquilo que se faz pelo mundo fora. Todo o meu projecto musical tem se pautado por inter-influências que são enriquecedoras porque espelham a variedade de sons, de estilos e de caminhos propostos. Nunca quis seguir um formato musical único ou uma corrente de pensamento limitada a determinados quadros. Optei, pelo contrário, por expandir as possibilidades de actuação e de trabalho, procurando recolher elementos de culturas muito diferenciadas entre si, elementos esses que, com frequência, se
complementam ou dão origem a algo de novo e de interesse.
No entanto, isso não significa que renegue o alicerce português dos trabalhos que tenho realizado. Há também uma marca nacional ligada à nossa Cultura e à identidade de Portugal, creio que tal é reconhecido em termos genéricos.
É uma via a seguir em futuros discos? Prevê continuar colaborações com outros artistas nacionais, como tem feito?
Ainda não sei o que se seguirá, mas posso-lhe adiantar que estou aberto a prosseguir o acolhimento a perspectivas e contributos de diferentes áreas musicais. Quanto à colaboração com outros músicos e cantores, será uma realidade sempre que se justificar no quadro do tipo de trabalho que estiver a fazer e desde que na linha que for seguida se enquadrar as participações deste ou daquele artista. Tudo terá que fazer sentido e possuir uma lógica. Só assim haverá uma coerência do trabalho e se poderão alcançar os objectivos do que estiver a ser realizado, em termos de produto final.
Portugal não valoriza devidamente os seus músicos e cantores?
O público valoriza. Os portugueses compram os discos dos artistas de qualidade e que fazem um trabalho sério e honesto e vão aos seus concertos. Acarinham-nos de uma forma extraordinária. O problema é o apoio que deveria existir e não há, ao nível devido, por parte da comunicação social. Sublinho, em particular, as rádios que são o meio adequado para promover e divulgar os artistas. Infelizmente, no nosso país, as estações passam 2 ou 3 por cento de música portuguesa. É ilegal, porque a Lei estipula um mínimo de 50 por cento (e não é cumprida desde há muitos anos) e é também imoral e indigno. Estamos a ser vítimas das orientações de certas pessoas que dirigem as programações, que nunca dão a cara e que só desprezam a música nacional por frustração, com certeza.
Felizmente, são cada vez em menor número ou então os portugueses estão a colocá-los nos seus devidos lugares...
É, então, muito difícil a um músico sem uma carreira firmada manter-se em actividade?
Sim. Mesmo para quem já tem essa carreira consolidada é preciso mantê-la e, sem o apoio das rádios, é bastante difícil. Em relação às televisões, são importantes, naturalmente, mas vendem sobretudo a imagem do artista. A rádio, na minha perspectiva, é mais decisiva. E, depois, há ainda o problema de um cantor só surgir nas capas de revistas se aparecer ao lado da sua mulher ou dos filhos ou junto à sua casa. É uma completa subversão dos valores aquilo a que estamos a assistir no nosso país. Não hesito em afirmar que estamos a andar para trás, neste domínio. Um músico ou cantor que se inicie agora no meio tem enormes dificuldades em afirmar-se. Sem apoios, Portugal não pode desenvolver e solidificar uma indústria forte no sector, com capacidade para promover e divulgar convenientemente os artistas nacionais. O público é quem sai prejudicado com a situação, em última análise.

Jorge Azevedo
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