Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº48    Fevereiro 2002

Entrevista

JÚLIO PEDROSA FAZ BALANÇO DA GOVERNAÇÃO

Ensino com novas exigências

Os politécnicos são instituições diferentes das universidades mas não inferiores, faltando ainda “clarificar” as especificidades dos dois subsistemas, para quem os confunde. É o que defende o Ministro da Educação em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine».

Júlio Pedrosa quer que as escolas do Superior definam os seus projectos próprios, contribuindo para o desenvolvimento regional.

Defende, por outro lado, que podem desempenhar um papel importante na qualificação da população activa portuguesa, 70 por cento da qual tem menos do 9º ano de escolaridade. As formas de o fazer estão em aberto, observou o governante, que apontou como dois pilares da sua actuação a reforma curricular no Secundário e as mudanças no Básico. Modificações que, no primeiro caso, levarão a que cheguem melhores alunos ao Superior.

Ao «Ensino Magazine», o ministro revelou que quer que se avance para a chamada “avaliação institucional” para que se saiba as formas de gestão das escolas e se possuem as condições adequadas para terem a funcionar os seus cursos.
 

Que balanço faz do exercício das suas funções enquanto ministro da Educação?

Ainda é um pouco cedo para fazer um balanço. Continuamos a trabalhar com intensidade. Em relação a muitos aspectos da nossa agenda de trabalhos, que têm tido continuidade, consideramos que há uma evolução favorável. Temos prestado uma atenção muito grande a duas áreas de intervenção: a modificação curricular do Ensino Básico e a mudança curricular do Secundário. Tratam-se de iniciativas cujos resultados ainda não são visíveis, no curto prazo, mas é indispensável que sejam efectuadas com grande prudência e um acompanhamento próximo, de forma que os resultados possam ser aqueles para os quais as reformas estão pensadas.

No caso da mudança no Ensino Secundário, estamos a criar todas as condições para que possa arrancar em Outubro próximo. Isso vai ter, certamente, impacto também no Superior. Estamos a realizar todos os esforços no sentido de que as modificações no Secundário potenciem a qualidade, para além de se criarem condições de efectiva afirmação dos ramos tecnológico e artístico e sejam objecto de um reconhecimento social. Neste momento, decorre um trabalho bastante importante de preparação da rede de escolas do Ensino Secundário e de oferta de cursos que irão funcionar no próximo ano lectivo. É um esforço que não se vê, mas que envolveu os departamentos do Ministério da Educação que têm responsabilidade nessa área. É uma acção de planeamento de grande alcance e preparada de uma forma que não é habitual em Portugal. Trata-se de uma operação de enorme impacto que será visível quando se lançar o novo Ensino Secundário.

Também na Educação Básica e tal como estava planeado, o Governo está a realizar um esforço significativo de modo que a atenção ao 1º Ciclo seja efectiva. Gostaria de referir, a propósito, que decorreram em Trás-os-Montes e Alto Douro, uma região com as dificuldades conhecidas, reuniões entre o secretário de Estado da Administração Educativa, os autarcas, responsáveis das escolas e professores para analisar esta questão. É um trabalho que tem de ser realizado em parceria com os actores no terreno para se saber quais as formas mais adequadas para termos naquela zona, como noutras, estabelecimentos do 1º Ciclo de elevada qualidade; com grupos de alunos que possam trabalhar o novo currículo em boas condições e uma oferta de professores adequada que permita que as áreas disciplinares mais conhecidas, mas também a Educação Física e a Artística sejam leccionadas em boas condições. Queremos também que os estudantes mantenham uma relação com as comunidades em que se inserem, com vista a que as respectivas escolas do 1º Ciclo sejam elementos importantes de animação cultural, nomeadamente em zonas rurais onde é relevante que tal suceda.

A equipa governativa com responsabilidades no Ensino Básico e Secundário está a manter as reuniões que referi praticamente todas as semanas. Estamos a trabalhar com as escolas e as autarquias, para que a mudança do Secundário se concretize com o arranque no ano lectivo de 2002/2003 e no Básico consigamos assegurar que os grandes objectivos traçados sejam concretizados no terreno.
 

Como encara a contradição entre a maior oferta do Ensino Superior e a falta de qualidade a que crescentemente se lançam alertas. Como se resolve este binómio?

Resolve-se com um sistema de avaliação rigoroso, antes de mais dos cursos, que, aliás, está a decorrer e neste segundo ciclo avaliativo envolvendo todos os subsistemas. Disporemos, assim, de informação de todos os cursos de todos os subsistemas. Haverá uma componente de auto-avaliação, responsabilizando-se as instituições perante elas próprias num exercício de observação interna do que estão a fazer. No confronto dos seus objectivos com os resultados que alcançarem devem tomar as decisões que entenderem para melhorarem a qualidade. Esta acção é acompanhada por uma avaliação externa, realizada por equipas de técnicos de reconhecida qualidade e com responsabilidade. Neste segundo ciclo de avaliação, são elaborados relatórios públicos que demonstram que se está a obter já um nível de exigência significativa, de transparência, rigor e objectividade. É que os relatórios apontam aos diferentes parceiros, das instituições aos conselhos de Reitores e dos Politécnicos e à Associação Portuguesa de Ensino Superior Particular e Cooperativo (APESP) caminhos sobre o que cada um deve tomar como sua obrigação, em termos de promoção da qualidade. Defendo que se avance para a avaliação institucional, para podermos ter a possibilidade de dispor de instrumentos que nos revelem como as instituições se encontram organizadas, a forma como estão a ser geridas e quais as condições que possuem para oferecer aquilo que anunciam.
 

Estamos, então, numa fase de “diagnóstico” da situação?

Exacto. Gostaria de salientar, por outro lado, que há ainda a componente de avaliação da investigação, a qual é efectuada através do Ministério da Ciência e Tecnologia. Se há estruturas que hoje estão sujeitas a uma avaliação elas são claramente as instituições de Ensino Superior. O que está a ser realizado não é suficiente, nunca é quando somos ambiciosos e pretendemos mais exigência e mais rigor. Teremos que intervir nas condições de acesso, assim como nos factores importantes para haver um Superior de qualidade. A mudança no Secundário enquadra-se nesta perspectiva. Pretendemos uma modificação para que exista mais exigência e qualidade e melhores condições para aprendizagem nesse nível educativo, com alteração dos programas, obrigatoriedade do ensino experimental, com as escolas a cumprirem um programa completo, passando a dispor de laboratórios, computadores e outro material de trabalho. Se a isto acrescentarmos o trabalho, realizado ao longo dos últimos anos, de qualificação do corpo docente, então teremos com certeza melhores alunos a chegarem ao Superior.
 

De que forma se poderá consolidar os subsistemas dos ensinos Politécnico e Universitário sem choques, “atropelos” ou conflitos entre eles, numa perspectiva desejável de colaboração mútua?

Desde logo, tem de haver uma clareza de projectos. Temos de continuar a trabalhar para que todos compreendam qual é a especificidade de cada um dos subsistemas. Tudo o que ajudar a que esta compreensão seja evidente, contribuirá a que cada um dos subsistemas seja mais respeitado, nas suas valências específicas.
 

Pensa que há, ainda, uma falta de clarificação do papel de cada um?

Para muitos actores educativos, não está adquirida essa clarificação. Há, portanto, aí trabalho a realizar...Um segundo elemento que auxiliará a que se disponha de um quadro mais claro é o dos resultados obtidos por cada instituição. Há medida que se for avaliando as diferenças entre os licenciados formados por um e outro subsistema e se reconhecendo o valor das respectivas formações será mais fácil proceder às distinções. Outro factor marcante é a forma como os estabelecimentos se relacionam com as regiões em que estão inseridas assumindo-se como actores do desenvolvimento.
 

O facto dos politécnicos não estarem autorizados a formarem docentes para o 3º Ciclo nem a concederem os graus de Mestre ou de Doutor não pode ser encarado como uma discriminação colocada face às universidades?

Não é por haver instituições diferentes que elas são menores. É bom que existam diferenças. É preciso é saber quais são e assumi-las. A missão dos estabelecimentos está consagrada na Lei. É necessário dar-lhe expressão. O que, realmente, é relevante é sabermos se temos escolas de qualidade para a missão específica que cada uma cumpre, porque vamos atravessar um período em que será ainda mais indispensável conhecer com um rigor acrescido qual a meta concreta de cada estabelecimento. Em relação, por exemplo, à formação de professores, vai ser necessário aprofundar a questão de se saber quem tem a missão de formar quem.
 

No domínio da formação de professores, não considera ser urgente tomar medidas?

Repare que estamos a formar já mais professores do que o sistema actualmente precisa. É uma perspectiva de futuro, mas também das necessidades actuais. Foi efectuado um investimento na contratação de docentes qualificados, enquanto se verificou um decréscimo do número de alunos nas escolas nos vários subsistemas. Coloca-se o problema de regularmos, de forma mais evidente, a formação inicial de professores, mas há, igualmente, uma necessidade de formação contínua dos docentes.

Antevejo que o trabalho que se está já a efectuar no domínio da formação inicial dos professores precisará de envolver mais instituições do Ensino Superior, nomeadamente quando se planeiam as duas mudanças curriculares que referi, as quais são extremamente exigentes e que necessitam de novas competências da parte dos docentes. Neste quadro, iniciámos algum trabalho preparatório com as instituições acerca do modo de serem mais amplamente envolvidas não apenas na área da formação contínua para as áreas mais fundamentais da reforma (que são a aposta no ensino da língua materna, da Matemática, das Ciências, do ensino experimental e das tecnologias de informação), mas também para as novas áreas curriculares de base, como o Estudo Acompanhado e a Área do Projecto. Importa saber como vamos combater a iliteracia que existe ainda. As instituições do Superior têm uma enorme responsabilidade em procurar responder a estes desideratos. Não faz sentido pensarmos em dar “saltos” para outros tipos de competências, quando há um conjunto que as instituições já possuem e são indispensáveis para fazer mudanças no país. O debate actual analisa perante os problemas que Portugal tem quem faz o quê bem, respondendo aos problemas que existem. Há uma questão de escolha por cada estabelecimento de qual é o seu projecto, em que domínios quer concentrar as suas capacidades e competências para ser uma excelente instituição.

Sabemos o quê que o sistema como um todo deve realizar, mas o que cada instituição deve escolher dessas responsabilidades gerais é uma análise que tem de ser efectuada e, agora, com mais rigor.
 

O Governo concede, portanto, essa liberdade às escolas?

Sim. Está, neste momento, em cima da mesa uma proposta de plano de desenvolvimento das instituições. Importará que tais planos que os próprios estabelecimentos pensaram sejam confrontados com as necessidades reais do país e dos vários factores. Falámos da formação de professores, mas há também o problema da qualificação da população activa.
 

Qual o papel das instituições de Ensino Superior perante essa população, em que cerca de 70 por cento tem menos do 9º ano de escolaridade?

É um dos problemas estruturais do país...
 

Exactamente. Cerca de 50 por cento da população activa possui menos do 6º ano de escolaridade. As instituições do Superior podem desempenhar um papel no processo de qualificação desta população adulta?

Penso que podem seja directamente, seja na formação de formadores ou na criação de dinâmicas locais em regionais, em cooperação com os ministérios do Trabalho e Solidariedade e da Economia. Podem, igualmente, participar em estratégias de desenvolvimento regional em que surja a prioridade de qualificação da população activa. Note-se, por outro lado, que as realidades são diferentes. Ou seja, este problema não é o mesmo na região de Lisboa ou em Castelo Branco, por exemplo, e aí não será o mesmo que em Faro ou nos Açores. Em todas essas regiões há instituições de Ensino Superior. É importante que cada uma escolha, em função do seu projecto, do ambiente que lhe está próximo e da sua missão nacional, o que pretende realizar nos próximos anos. Tenho vindo a insistir na necessidade das escolas do Superior terem sedes de Planeamento e Gestão estratégicos e centros de responsabilidade por tal planeamento. As mudanças que estão a ser preparadas no Ministério da Educação em termos da legislação que enquadra o Ensino Superior no que respeita à sua gestão apontam para a resposta a este grande objectivo.

Jorge Azevedo
Leonel Jesus (fotos)

 

 

EX-PRESIDENTE DO CRUP

De Reitor a Ministro

Aos 56 anos, Julio Pedrosa é licenciado em Química, pela Universidade de Coimbra e Doutorado em Química Inorgânica pela University College de Cardiff.

O actual ministro da Educação foi assistente da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Coimbra, de 1972 a 1974, altura em que passou para a Universidade de Aveiro. Primeiro assistente, depois Professor Associado do Departamento de Química, passou a Catedrático em 1988. Em 1994, tornou-se Reitor da Universidade de Aveiro, cargo em que se destacou. Distinguiu-se, ainda, como Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), desde Julho de 1998.

Natural de Cantanhede, Júlio Pedrosa foi membro da Royal Society of Chemistry de Londres e da Sociedade Portuguesa de Química.

Exerceu as funções de vogal do Conselho Científico da Escola Superior de Educação da Guarda, de 1985 a 1986, passando a integrar o Conselho Científico da Universidade de Aveiro em 1970.

Entre 1980 e 1986, foi vogal da Comissão Coordenadora para a Instalação do Centro Integrado de Formação de Professores daquela instituição de ensino.

A partir de 1989, coordenou a Rede Nacional Universitária para a Formação e Desenvolvimento de Pessoal do Ensino Superior, por nomeação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.

Nesse mesmo ano, iniciou o desempenho do cargo de Coordenador para Portugal da “European Network on Staff Development in Higher Education” da UNESCO.

Em 1990 e 1991, foi Presidente da Comissão Científica e de Desenvolvimento do Senado da Universidade de Aveiro.

Antes de se tornar Reitor desta instituição, exerceu as funções de vice-reitor entre 1987 e 1992.

Entre 1991 e 1998, integrou o Conselho Nacional de Educação, tendo presidido à sua Comissão para o Ensino Superior e Investigação Científica, de 1995 a 1998.

Júlio Pedrosa publicou, ainda, diversos trabalhos de teor científico e participou em conferências e seminários sobre temáticas do âmbito da Química.

Foi convidado para ministro da Educação, substituindo no cargo Augusto Santos Silva, que entretanto transitou para o Ministério da Cultura.

A sua escolha foi justificada por alguns analistas pela necessidade do Governo responder a vozes de crescente descontentamento vindas do ensino Superior, onde Júlio Pedrosa se destacou.

 

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