Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº58    Dezembro 2002

Dossier

LEANDRO ALMEIDA APRESENTA SOLUÇÕES

Mudar a escola

Se as escolas portuguesas quiserem avançar com programas que complementem as actividades que actualmente detém, a Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação (Aneis) está disponível para auxiliar. “O ideal é saber que recursos temos, que professores, quantos técnicos, que pessoas e recursos existem na comunidade, para que os possamos trazer à escola e passarmos a atender um maior número de crianças”.

As palavras são do presidente da Associação, Leandro Almeida, o qual defende que é preciso valorizar a sobredotação em potência e não apenas a confirmada. A ideia passa assim por desenvolver actividades na escola que permitam a sinalização de comportamentos de sobredotação em determinados jovens, os quais possam ser posteriormente acompanhados para os desenvolverem.

A questão é que a legislação actual não leva a escola a abrir as suas actividades aos programas de enriquecimento da Aneis, até porque o termo sobredotação nem sequer existe na Lei. “Temos legislação que enquadra a entrada antecipada das crianças na escola quando o nível de desenvolvimento e capacidade o justifique. Temos também a que enquadra a possibilidade da criança poder transitar de ano ou fazer dois anos num. Há também algumas orientações no quadro das crianças com necessidades educativas especiais”.

ESFORÇO. O que existe é pouco e Leandro Almeida considera que o Ministério da Educação deve “fazer um esforço no sentido de surgir legislação mais clara em relação a estes jovens. Está subjacente que a legislação se aplica aos vários tipos de alunos que temos na escola e hoje a aposta é na diferenciação curricular, na diversificação dos métodos, no sentido de atendermos a todos e a cada um individualmente. O certo é que há orientações europeias que o Governo subscreveu, as quais deviam comprometer mais o Governo”.

Segundo diz, a abordagem dos sobredotados na Lei deveria ser mais explícita. “Em segundo lugar, é preciso avançar de uma forma muito mais decisiva para a capacitação dos professores e das escolas, pois, sem essa formação, não avançamos”. Actualmente, as escolas superiores de educação e universidades estarão mais atentas a este fenómeno, no quadro da educação especial. Isto também acontece com os psicólogos que vão trabalhar em ambiente escolar”.

O problema é que esses formados entram cada vez com mais dificuldade no sistema. Por isso, há que apostar nas pessoas que estão no sistema. Tem de lhe ser dado apoio e instrumentos para clarificarem ideias e saberem como podem diferenciar práticas, aprofundar certas matérias, dar temas, acompanhar trabalhos de projecto. Numa palavra, é preciso diversificar para poder responder às necessidades de alunos com altas capacidades, com facilidade de aprendizagem”

POSSIBILIDADES. Apesar de todos os problemas, Leandro Almeida considera muito interessante a experiência das escolas a tempo inteiro, na Região Autónoma da Madeira, pelo que, segundo diz, é possível avançar no mesmo sentido “em escolas que se queiram comprometer com um desenvolvimento global dos alunos, desenvolvimento esse que, por vezes, traduz mais aprendizagem, comportamentos mais adaptados e maior motivação por parte dos alunos, que se sentem bem na escola. Uma escola que o queira fazer pode dizer que tem falta de recursos. Por isso, deve pedi-los”.

A este nível fala mesmo da escola pública. “Ainda ninguém demonstrou que numa escola pública de qualidade seja impossível ter clubes a funcionar, projectos de alunos, projectos mais individuais para alunos que brilham e que podem ir mais longe. A experiência da Madeira demonstra bem quanto é possível ir mais longe. Assim a escola e os professores se disponibilizem para o efeito. Na Madeira, a par dos professores, cativaram-se recursos da comunidade, desde técnicos, músicos, artistas, carpinteiros... o que for necessário para poder fazer valer os projectos, ideias e motivações dos alunos”.

É esta preocupação que considera que deve ser alargada às outras escolas. “A escola de hoje tem de estar preocupada, não por uma questão de ranking, dado que isso não leva a lado nenhum, mas sim porque o ensino e a educação de qualidade, a disciplina ou indisciplina, a qualidade das aprendizagens é feita lá dentro. Não se pode atirar constantemente essa responsabilidade para cima das famílias, dos contextos sociais ou dos grupos minoritários”
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III CONGRESSO DA ANEIS LEVANTA PROBLEMAS DA SOBREDOTAÇÃO

Quem defende os sobredotados?

Os professores portugueses têm pouco conhecimento acerca do que serão alunos com comportamentos de sobredotação, o que faz com que se perca muito talento, prejudicando-se o País e também os próprios alunos, os quais, não conseguindo a realização a partir da área em que têm talentos especiais, acabam por vezes por canalizar a sua notória capacidade de liderança para fins menos próprios, o que impede uma integração social normal.

Esta é uma das conclusões do III Congresso Internacional da Aneis, realizado de 20 a 23 de Novembro na Universidade Portucalense, no Porto, e que contou com alguns dos melhores especialistas mundiais e nacionais na área da sobredotação, Um deles foi Joseph Renzulli, o americano que é autor de uma das melhores teorias acerca da identificação, acompanhamento e realização de sobredotados, a qual serve de base ao trabalho que está a ser realizado em Portugal.

Isso mesmo refere ao Ensino Magazine o presidente da Aneis, Leandro Almeida, segundo o qual em Portugal há 120 alunos sinalizados como tendo comportamentos de sobredotação e que frequentam programas de enriquecimento da Aneis. Mas não se pense que estamos a falar de miúdos enfezados, com óculos e cabelo penteadinho. Um sobredotado é muito mais do que isso e pode não sê-lo apenas ao nível cognitivo.

Além do quociente de inteligência (QI) é importante o empenhamento demonstrado na execução de determinadas tarefas e, igualmente importante, a criatividade, as quais se interpenetram sob a forma de anéis, tal como o define Renzulli. Mas mais importante que esta temática será o papel dos professores na sinalização de alunos, o qual ainda é fraco, quando comparado com outros países.

Vários estudos apresentados no Congresso demonstraram que os professores desconhecem o conceito de sobredotação e a maioria nunca teve qualquer formação nesta área, sobretudo os que concluíram as licenciaturas há mais anos. Mas o problema não resulta apenas dos professores, já que a própria legislação em Portugal não prevê a sobredotação. Para já, além da possibilidade de antecipar a entrada na escola e de concluir dois anos lectivos num só, a sobredotação vive à sombra da legislação vocacionada para o apoio a crianças com necessidades educativas especiais.

Assim se compreende a fraca abertura das escolas (excepção feita à Ilha da Madeira) ao apoio a alunos sobredotados, posição que vai mudando graças à intervenção da Aneis, que desenvolve programas de enriquecimento, aos sábados, nas escolas, programas esses onde participam crianças com comportamentos de sobredotação e outras, além de já estarem a participar os pais e outros membros das famílias dos jovens, como acontece, por exemplo, no Colégio de Nossa Senhora do Rosário, no Porto.

Estas e outras questões, como o trabalho com sobredotados desenvolvido no Brasil, são abordadas num trabalho especial do Ensino Magazine dedicado à área da sobredotação, o qual surge numa altura em que ainda muito se discute em relação à identificação de quem é, ou não sobredotado, ainda mais numa altura em que a escala Weschler de inteligência vai ser actualizada em Portugal, 30 anos depois da primeira e ainda hoje utilizada. Uma questão que já levanta problemas, pois, há jovens sinalizados como sobredotados em termos cognitivos que, à luz da nova escala, são falsos positivos, ou seja, não são sobredotados nessa área. Os estudos prosseguem e a polémica também promete continuar!

 

 

 

O caso da Madeira

Oitenta por cento das escolas do 1º Ciclo da Ilha da Madeira funcionam actualmente como escolas a tempo inteiro e a experiência tem recolhido boas opiniões, e prevê-se que esta lógica deverá ser alargada a todas elas em 2004. A garantia é da directora regional de Educação Especial da Madeira e Reabilitação, Cecília Berta, segundo a qual a experiência está agora em avaliação pela Secretaria de Estado do Governo Regional.

A lógica desta escola avançou primeiro em escolas de alunos provenientes de famílias carenciadas, mas depressa cresceu e já funciona em alguns estabelecimentos de ensino vai para cinco anos. “O problema é que é uma escola cara, dado que os alunos comem duas refeições rápidas e uma refeição normal todos os dias da semana. os pais aderem, mas é preciso saber onde se podem ir buscar recursos”.

Seja como for, enquanto se mantém, o sistema permite que as escolas tenham actividades académicas normais e, fora do tempo lectivo, ofereçam actividades coordenadas por um ou dois professores, as quais vão da Educação Física às Artes Plásticas. Mas a presença não é obrigatória. Os pais que assim o entenderem podem solicitar a dispensa do seu filho das actividades complementares, o que deve ser feito no início do ano lectivo.

No âmbito desta lógica, entre 95 e 2000 procurou-se fazer a avaliação de todas as crianças das escolas, no sentido de sinalizar os sobredotados. “Assinalaram-se algumas crianças, validaram-se instrumentos e criaram-se os Clubes de Ferramentas para Pensar em várias escolas. A questão é que concluímos que era impensável continuar o processo de levantamento e despiste de todas as crianças, dado que entram muitas no sistema todos os anos e não tínhamos recursos humanos para isso”.

A lógica passou assim por pegar na base de dados existente e partir para a intervenção. “É isso que estamos a fazer neste momento. Estamos a formar professores e psicólogos e técnicos numa oficina de formação orientada pelos professores Leandro de Almeida e Marcelino Pereira. Ao mesmo tempo, fazemos o despiste na Escola EB1 do Funchal, onde tentamos validar instrumentos e definir o que poderemos implantar especificamente para as crianças que venham a ser sinalizadas”.

De acordo com aquela responsável, “se a sobredotação está incluída nas necessidades educativas especiais e estas últimas são atendidas nas escolas, também é possível atender aí sobredotados. Na escola é que temos de encontrar as respostas”. Foi com esta premissa que avançou então o Programa Regional de Apoio a Sobredotados, em 1995, o qual conta com uma equipa formada por professores dos vários graus de ensino, psicólogos, técnicos da área social e de motricidade humana.

O objectivo passa por sinalizar alunos sobredotados e, para isso, os profissionais da equipa contam com a ajuda do Gabinete Coordenador de Apoio à Sobredotação, o qual presta apoios ao nível da investigação, acção e intervenção junto de sobredotados, sensibilização de docentes e técnicos, além da identificação e avaliação de potenciais sobredotados em diferentes áreas, tais como a pedagógica, psicológica, motricidade e na social. Após a avaliação, o Gabinete tem instrumentos de apoio à intervenção de alunos sinalizados, de acordo com as suas características específicas.

No caso do estudo agoira em funcionamento na EB1 do Funchal, também ela uma escola a tempo inteiro que oferece actividades académicas e outras relacionadas com informática, teatro e desporto, fala-se num universo de 500 alunos provenientes de zonas desfavorecidas. O estudo é uma amostragem com cerca de 200 alunos dos 2º e 3º anos, entre os quais se procuram sinalizar alunos, os quais serão depois objecto de intervenção pela equipa que está a ser formada
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