Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº58    Dezembro 2002

Dossier

MARSYL METTRAU INVESTIGA NO BRASIL

Família é fundamental

Marsyl Mettrrau desenvolveu no Brasil um programa de intervenção que, até 95, se pretendia para superdotados, mas que, desde então e devido à polémica do rótulo de superdotado, se diz um programa de intervenção para jovens talentosos ou portadores de altas habilidades. O programa iniciou-se em 1983 com a sinalização (nas escolas) de jovens que cumpriam os critérios definidos a partir de entrevistas aos próprios, aos pais, professores e outros estudantes.

Na sua metodologia, utiliza ainda o teste padronizado Rave e tem como referências teóricas as pesquisas de Renzulli, o que vai levar os alunos a preencherem escalas todos os anos, as quais permitem identificar as áreas em que têm maior interesse, além de permitirem que os alunos se apercebam da sua própria evolução em termos dos interesses demonstrados.

De início foram integrados neste programa de enriquecimento 100 alunos divididos por quatro escalões, o dos seis anos, o dos 10 anos, um dos 12 aos 14 e um último que integrava alunos adultos, a meio de um curso universitário. Então, independentemente das idades, foram criados grupos de 15 alunos com os quais eram desenvolvidas actividades de raciocínio lógico, tomada de decisão, resolução de problemas, pensamento criativo e sentido de humor.

Fizeram-se também muitas visitas guiadas, convidaram-se palestrantes para abordarem diferentes termas, da Física à Química, a outras, informaram-se os professores da escola acerca das actividades realizadas e abriu-se o programa à participação desses mesmos professores.

Nos anos de 99 e 2000, a investigadora foi tentar validar o trabalho desenvolvido, procurando de novo os alunos para saber o que tinham beneficiado com o programa de enriquecimento. Muitos não se conseguiram encontrar, mas, ainda assim, conseguiu uma amostra de 28 indivíduos. Esta segunda fase consistia numa entrevista na qual eram abordados aspectos pessoais, a experiência pessoal do programa de enriquecimento e as opiniões acerca do trabalho da entrevista em si, o denominado follow-up.

As conclusões permitiram ver que a maioria dos entrevistados não se consideravam superdotados. Sentiam-se sim diferentes, mas referiram preferir não demonstrarem essa diferença devido à pressão de terem de fazer melhor que os outros. Concluiu-se também que, apesar de tudo, os entrevistados se consideravam inadequados e sob pressão no trabalho e na relação com os outros. A grande maioria (79 por cento) referiu ainda que a ajuda da família foi fundamental.

INVESTIGAÇÃO. Actualmente, a investigadora faz um novo follow-up, ou seja, um novo estudo no qual tenta perceber a importância das famílias na vida dos jovens que seguiram o programa de enriquecimento de 83 a 86. “Acontece que as famílias queriam ser ouvidas no estudo que fizemos em 99 e 2000, pelo que decidimos avançar com este novo follow-up. A ideia é perceber que acções e estratégias seguiram as famílias e porque razão as seguiram. Se houve sucesso com essas acções, talvez elas possam ser alargadas a outras famílias”.

Marsyl Mettrau considera decisivo o papel da família na educação formal e informal dos jovens portadores de altas habilidades. “Não adianta trabalhar o menino sem trabalhar a orientação da família”. É nesse sentido que os programas de enriquecimento de hoje se desenvolvem aos sábados de manhã e a família participa”.

Ainda assim muitos portadores de altas habilidades perdem-se. “Estima-se que no Brasil apenas um por cento da população é portadora de altas habilidades, mas apenas 0,3 por cento são sinalizados, pois, algumas escolas, pais e professores não referem factos que possam conduzir à sinalização”. De caminho, adianta que essa sinalização deve ser abrangente, pois “a inteligência pode ser manifestada aos níveis cognitivo, afectivo, social e criativo”.

É que, como refere, a investigadora, “o criar, o conhecer e o sentir são as diferentes expressões de inteligência humana, pois é possível ao homem expressar a sua inteligência de variadas maneiras e formas, porque ele é capaz de criar, perceber e conhecer o que cria e sentir emoção acerca de...”.

Neste sentido, refere que “o mais importante não é que esses alunos sejam depois os melhores na área, os mediáticos. Isso pode acontecer. Há alguns que eram muito pobres e que hoje já foram premiados. Mas o que conta para nós é que eles se sintam felizes, que se sintam bem nas áreas que abraçaram e não que sejam os melhores”
.

 

 

 

DOS CONCEITOS ÀS PRÁTICAS

O congresso em flashes

1 - O conceito de sobredotação tem vindo a evoluir nos últimos anos, existindo hoje uma forma tradicional de identificação de sobredotados, baseada no quociente de inteligência (é sobredotado quem tiver um QI superior a 130) e uma forma mais liberal, a qual identifica pessoas com comportamentos de sobredotação numa ou em mais áreas, desde a intelectual, à académica, artística, social, motora ou mecânica. Nesta última lógica, defendida por Joseph Renzulli, postula-se que a sobredotação decorre da confluência de uma aptidão acima da média e de níveis superiores de criatividade e de motivação numa ou em várias daquelas áreas.

2 - O modelo de Renzulli acerca da intervenção na área da sobredotação passa por três etapas. A primeira consiste em identificar uma área em que o indivíduo demonstre interesse especial. Segue-se um programa de enriquecimento nessa área e, depois, uma prática efectiva nessa mesma área. Renzulli demonstrou a prática com o caso de Jonathan Santos, um porto-riquenho que percebia mal o inglês e estudava numa escola dos Estados Unidos, com maus resultados. Um dia, a escola decidiu estudar aspectos de outras culturas, como a gastronomia, a história, a arte... Jonathan não demonstrou interesse em nada, a não ser nos boomerangs dos aborígenes. Identificado o interesse, o aluno foi levado a falar com professores da área de aerodinâmica. Na segunda fase, passou a desenhar e a construir boomerangs, o que o levou a interessar-se pelas asas dos aviões. Com a ajuda dos professores de uma universidade desenhou depois um túnel de vento e foi adaptando asas de aviões a diferentes intensidades. Três anos depois ficou em primeiro lugar entre 560 projectos. Hoje é um engenheiro aeronáutico de sucesso e responsável por um desenho de asas sob as quais o ar exerce menos pressão quando o avião se desloca, o que permite poupar combustível.

3 - Nos Estados Unidos todos os alunos têm um portfolio, ou seja um dossier que começa a ser feito quando entram para a escola e o qual inclui opiniões do aluno acerca das áreas preferidas, opiniões essas registadas a partir de fichas construídas para o efeito. Os alunos respondem a fichas todos os anos e os próprios professores vão analisando as respostas, seriando os alunos por áreas gerais de interesses e habilidades. No portfolio, da responsabilidade da escola, entram também opiniões dos professores, dos pais, dos colegas, o que permite saber a evolução do aluno em termos de interesses. Ora, este documento é muito importante para decidir depois a entrada em grupos de enriquecimento e, obviamente, para a despistagem de pessoas com comportamentos de sobredotação, as quais, sem esta metodologia, se poderiam perder, canalizando as suas capacidades e o grande sentido de liderança para outros caminhos, que muitas vezes os fazem entrar no crime ou que até os podem levar ao suicídio, por não se sentirem socialmente integrados.

4 - A delegação da Aneis em Évora está a desenvolver um programa de enriquecimento para alunos com comportamentos de sobredotação, o qual é baseado na motricidade, a qual é considerada importante para proporcionar melhor auto-estima, melhor auto-conceito físico e social, desenvolvimento corporal, físico e motor. Desenvolve ainda a dimensão psicológica, as capacidades cognitivas, a socialização, a expressão lúdica e a criatividade. A experiência arrancou em 2001 e baseia-se na realização de jogos tradicionais em equipa, em adivinhas e jogos de concentração. Gradualmente, os alunos aderem às actividades e estima-se que estejam a ser desenvolvidas a inteligência social (interpessoal - relacionamento com os outros), a inteligência emocional (intrapessoal - os alunos sabem que são bons em alguns aspectos e menos bons noutros), e a inteligência corporal-cinestésica (capacidade de usar e controlar o seu corpo)

5 - Um dos aspectos interessantes do Congresso passou pelo conceito de multipotencialidade, apresentado por Ana Carmo, da delegação da Aneis em Évora. Um indivíduo multipotencial é um sobredotado. Por exemplo, um multipotencial na área profissional é aquele cujas características e interesses lhe permitem realizar-se com sucesso em duas áreas profissionais. Mas é preciso ter calma com os sobredotados. Uma criança que seja muito estimulada, a fim de conseguir objectivos muito precoces, pode não trabalhar outras áreas extremamente importantes, o que poderá estar na origem de problemas, de inadapatações na vida futura. Deve assim haver um cuidado especial no encaminhamento de uma criança para uma determinada carreira. O leque de opções, no campo profissional, deve estar em aberto até ao final do Ensino Secundário.

6 - A escala Weschler de Inteligência (WISC) actualmente em vigor em Portugal tem mais de 30 anos, mas em Fevereiro do próximo ano será introduzida uma nova, a denominada WISC III. O que acontece é que, aplicando as duas escalas a um mesmo grupo de sujeitos, os resultados da WISC III são mais baixos. Há por isso a tendência de utilizar a WISC, mas a verdade é que essa tendência não poderá continuar, porque, fazer isso, é comparar os desempenhos das pessoas de hoje com os desempenhos de há 30 anos atrás (quando a WISC nasceu).

7 - Psiconeurofisiologia. O termo é complicado e até o Word 2000 não o reconhece. A verdade é que pode ser uma boa forma de avaliar sobredotados. A psiconeurofisiologia analisa a forma como a mente influencia o cérebro e o sistema nervoso na produção de reacções fisiológicas e o processamento de informação. No fundo, a pessoa recebe informação, a qual vai despoletar uma reacção fisiológica que provoca alterações. Tudo isto pode ser analisado através do electro-encefalograma. Estudos recentes demonstram que os sobredotados utilizam as duas partes do cérebro. Indicam também que, ao nível do processamento cerebral, os sobredotados, aos 12 anos, actuam precisamente com as mesmas áreas do cérebro utilizadas por um universitário de 20 anos, aquando da realização das mesmas tarefas.

 


Visualização 800x600 - Internet Explorer 5.0 ou superior

©2002 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt