Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº50    Abril 2002

Opinião

CRÓNICA

Memória dos cheiros

Se alguma coisa em mim clama por um regresso ao passado é, sem pestanejar, o cheiro da mercearia ou, para ser mais abrangente, da loja dos irmãos Francisco e José, mais conhecida por casa dos Farroupos.

Não sei porquê, mas os manos recusavam a alcunha. Recusavam-se com inusitada violência ou de outra ordem, mais comercial, se o cliente tivesse pergaminhos para o merecimento de engolir e calar. E até para estas ocasiões, sobretudo para estas, era preciso um certo faro, não estivessem os manos de cabelos em pé com o negócio, e nestas alturas levavam tudo a eito.

Refiro-me, no entanto, aos odores do estabelecimento. Tudo tinha um cheiro próprio e, ao mesmo tempo, era a fusão dos aromas que tudo impregnava.

Junto ao arroz, ao açúcar, ao café e ao feijão, não em sacos de quilo hermeticamente fechados e data de validade como agora, mas em gavetões de madeira que formavam um ângulo agudo de boca para cima, havia um cheiro doce, um cheiro de rara mistura de perfume oriental. Doce era também o do café acabado de moer. Provavelmente o meu preferido, o que mais me extasiava. Ao balcão da retrosaria, apinhado de aprendizes de modista, conferiam-se as cores das linhas, dos botões, dos fechos e dos tafetás com os trapos da mesma cor, subtraídos à bainha do vestido em acabamento.

- Não é bem este azul, senhor Farrou... Chico.

Tanto podia ser início duma grande peregrinação por um azul daquele tom, como levar aquele à falta de melhor, evitando a canseira. Cheirava a pouco...

A balança decimal e os respectivos pesos em ferro, perfilados em seu redor, são para as batatas e o carvão, e destes, felizmente, não se desprende qualquer odor. Apenas deixam no ar uma nuvem de poeira fina, que em breves segundos ganha novas qualidades e desaparece.

- Escusam de se por aí em cima, que a balança não pesa.

Gritava o mano Francisco quando alguém mais atrevido subia para o estrado da balança, que na régua dividia por dez o peso suportado.

- Desculpe, era só para ver.

- Ver é com os olhos, não é com os pés.

Rematava o comerciante com ar de poucos amigos.

Por altura do Natal era o cheiro a bacalhau. Nada escapava ao cheiro salgado do peixe da consoada, incluindo o balcão das especiarias. Por graça, o empregado mais antigo na loja, costumava dizer àqueles com quem tinha mais confiança:

- Só com este cheiro bebia já um copo de três...

Mas ficava-se pelo cheiro e pela graça. Era um modo de falar.

- Meio quartilho de azeite, senhor Farroupo.

- Farroupo é o excelentíssimo senhor seu pai.

Respondia o comerciante irritado, dirigindo-se ao mesmo tempo para o engenho do azeite que, tal como o do petróleo, obtinham o líquido por sucção, proveniente de um bidão escondido sob um aparato cilíndrico de vidro, accionado por uma manivela.
- E que mais vai ser?

Perguntava o homem já com outro ar.

- Ponha-me também 250 de bolachas maria, têm cá um cheirinho...

E ficava sanado o conflito para ambos, que não há rancores por coisas tão sem importância.

O soalho era de madeira escura, como o eram os balcões, vitrinas e as caixas para medir, ao litro, o aviamento de toda a espécie de feijão, ainda impregnado de cheiro a ervilha à mistura com o mofo das medidas. E se a freguesia mandava assentar, 
paciência:

- Mano Zé, traga lá o livro.

O mano Zé tinha o saber de guarda livros e em muitas ocasiões o nariz apurado para o cheiro a calote.

- Pago ao fim do mês, fique descansado.

Talvez para adoçar a boca ou apenas querer ser simpático, o senhor Francisco acrescentava muitas vezes ao troco dois ou três rebuçados, que eram de açúcar cristalizado, mas cheiravam a mel e a doces que na verdade não continham.
- Obrigado e volte sempre.

Dizia com delicadeza aprendida em muitos anos de experiência. Com algum esforço também, por lhe contrariar o feitio irritadiço, e isso sim, apestava.

A par daquelas guloseimas, havia ainda um enorme expositor com frascos de vidro transparente, em forma de pinha, com doze qualidades de rebuçados peitorais, chocolates, chupa chupas, e caramelos, cujos aromas se adivinhavam vistos por fora, mas que só se sentiam realmente quando os frascos eram destapados com vista a servir o freguês guloso.

Em suma, foram cheiros de um tempo que não voltei a experimentar.

Quanto ao resto, não sei o que foi feito da mercearia dos Farroupos, mas cheira-me a esturro
.

 

 

 

CRÓNICA DE SALAMANCA

Nuevos dias, nuevos aires

OComienza un nuevo año, uno mas o uno menos, según sea la perspectiva en que usted se quiera ubicar. Personalmente, prefiero pensar que tengo la posibilidad de nuevos días, nuevos aires y nuevas proposiciones para mi razón, corazón y voluntad.

Lo cierto es que millones de personas hace algunos días se agruparon en distintas partes, para evocar lo bueno y lo malo del año 2001, y sobretodo para proyectar un mejor devenir personal y humanitario, puesto que el año pasado ha tenido intensos conflictos, con resultados dramáticos, donde lo mas globalizado siguen siendo la pobreza y las guerras. Increíble, pero con dos mil años de era cristiana, para estrechar las lindes históricas y no extenderme geográfica y temporalmente, no hemos podido asumir el tremendo cargamento valórico que justamente adjetiva nuestra cultura, siempre deficitaria en bondad, flexibilidad, honestidad, solidari-dad...

En estas circunstancias nos toca actuar, debemos actuar, porque estamos condenados a la acción. Y esta acción irremediablemente nos lleva a abandonar otras opciones, puesto que debemos seleccionar dentro del repertorio posible. Pero esto no debe implicar el abandono de los sueños y aspiraciones que nos señalamos desde la alborada vital, puesto que nuestra existencia cobra peso, dignidad y totalidad cuando luchamos por cruzar el puente mismo que somos, con nuestra mochila de anhelos y realidades, de triunfos y fracasos, con la vida misma. La flexibilidad como buena compañera nos alumbra el tiempo adecuado para cada cosa.

En este sentido la educación y la riqueza interior... esa que se guarda en los bolsillos del corazón, nos permiten ampliar nuestras posibilidades de acción experimentando mayor libertad. Por eso decimos que la educación es liberadora. La literatura, la filosofía, la ciencia y la técnica esperan por lectores como usted... en un peldaño menor y más practico Internet. Pero ya que hablamos de Nuevo año, de Nuevo ciclo quiero recordar el Año nuevo mapuche (indígenas de Chile y de Argentina). Se realiza los 24 de Junio y enrelación con el calendario lunar, cuando la tierra esta más lejana al Sol, allá en el hemisferio sur. Allí el mapuche (gente de la tierra) comienza bañando su cuerpo de madrugada, la tierra escribe en el silencio para multiplicarse en flor y estallar en primavera. Es en ese cambio de ciclo en que los hombres perdonan sus ofensas y se reconcilian, también se reparten alimentos a la tierra y se comparte armónicamente, cósmicamente. Se canta y se baila para el nuevo Sol.

Son fiestas lejanas del consumismo y donde se mantienen los principios fundamentales de la sencillez y humanidad, donde se renuevan las fuerzas (newén) con que se habrá de enfrentar el nuevo ciclo. Y finalmente nose trata de llegar a ser humanos? No vamos a discutir cuáles son los fundamentos esenciales de la humanidad, pero me da la impresión de que el hombre puede liberarse de ciertas ataduras que le impiden volar a sus profundidades, y a las de los otros, rompiendo las cadenas que le amarran a los infiernos del consumo, el utilitarismo y la indiferencia.

Hoy comienza un nuevo ciclo y espero junto con stedes - porque la mayoría no son todos- poder sembrar el suelo de los sueños para un mundo más justo Wuni femngei ta kuyen;

kuyen ta tripantu.

Así como amanece hoy, así será el mes; tal como el primer mes, así será el año.

Héctor Molina Fuenzalida
(Profesor de Filosofía Universidad de Santiago de Chile, Doctorando en la Universidad
de Salamanca)

 

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