Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº50    Abril 2002

Entrevista

RODRIGUES DOS SANTOS, "PIVOT" DA RTP

Melhorias e exageros da TV nacional

José Rodrigues dos Santos defende que a informação televisiva em Portugal está melhor. Isso não invalida, no entanto, que a competição aguerrida entre estações tenha trazido também alguns exageros, alerta o “pivot” mais popular da informação da RTP. Em entrevista ao «Ensino Magazine», o jornalista também professor universitário de Ciências da Comunicação mostra-se preocupado com o excesso de cursos da área e reconhece que um pouco de romantismo e sonho dos candidatos à profissão até não é mau.

Como vê o panorama actual do jornalismo televisivo que se faz em Portugal, nomeadamente após a criação dos canais privados?

Há aspectos que melhoraram e outros que pioraram, mas no essencial, diria que melhoraram em 90 por cento. Isto sucede porque há maior competição e esta, normalmente, gera produtos que são melhores. Também gera alguns exageros que não se registavam antes. Se se fizer um balanço geral da situação é difícil dizer outra coisa que não seja que o jornalismo televisivo actual é melhor do que aquele que existia quando se verificava o monopólio na televisão.

Uma das apostas, em termos de informação, das estações em Portugal centra-se nos directos. Defende-os como um caminho a seguir e reforçar?

Os directos são um meio através do qual a televisão procura criar uma sensação de imediaticidade, de que está próxima do acontecimento e, portanto, é natural que os directos sejam privilegiados, mais do que um jornal feito quase só com passado. Um telejornal tenta estar presente e o directo é uma maneira bastante forte de o conseguir. Por outro lado, cada vez mais vemos da parte de organizações políticas a convocação de acontecimentos à hora dos telejornais para encorajar essa política de aposta nos directos, o que acaba por resultar.

Não é algo perverso que a agenda política seja marcada pelos telejornais?

Sim, mas esse não é um fenómeno novo. Antigamente, marcava-se a agenda política pelos jornais. Antes da televisão aparecer, a rádio tinha muita força e era ela que marcava a agenda política. Hoje, é pela televisão. Apenas mudou o meio.

É um fenómeno inevitável?

Com certeza e não é um exclusivo da televisão. Se amanhã surgir um meio de comunicação mais poderoso do que esta, a agenda política passa a condicionar-se por tal meio. Passa, então, a ser gerida em função de outra realidade.

Que medidas podem ser adoptadas pelo jornalismo televisivo português, tendo como objectivo a sua melhoria?

Talvez devam ser introduzidas regras de civilidade: os telejornais começarem e acabarem a uma determinada hora. Penso que é isso que faz falta um bocado. Em certos aspectos, o jornalismo televisivo em Portugal não é tão civilizado como o de outros países da Europa. O nosso é, talvez, um pouco mais selvagem.

Quais os motivos que estão na base dessa situação?

Deriva, essencialmente, de uma competição desenfreada. É preciso colocar algumas regras. Noutros países, como a Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos, há algumas regras estabelecidas que não são ultrapassadas, mas em Portugal não existem. Neste aspecto, o nosso país encontra-se um pouco mais próximo da América Latina.

A “guerra de audiências” poderá colocar em causa o rigor da informação televisiva produzida em Portugal?

É uma questão de difícil resposta, porque a informação toda ela, embora procure sempre ser rigorosa, integra elementos de falta de rigor. Não é possível reduzir a realidade a palavras ou imagens. Os jornalistas realizam um processo de construção do real, sejam de televisão, de rádio ou de imprensa. Ao se proceder à selecção de factos, está-se em simultâneo a introduzir uma distorção. É o que sucede quando se retira uma frase do contexto. Mas, importa ter em conta que não se pode colocar numa “peça” um discurso completo. Há sempre efeitos de distorção e, naturalmente, que a competição conduz a isso. Dou-lhe um exemplo: verificou-se que o público se interessa muito, neste momento, por assuntos relacionados com a segurança. Este facto leva, muitas vezes, os jornalistas – não apenas os das televisões, mas também dos jornais – a privilegiarem informação sobre crimes, criando a impressão de que o país está “a ferro e fogo”. Mas, na realidade, não é essa a situação. Portanto, podemos afirmar que a concorrência leva a um fenómeno de distorção, mas se não houver competição, tal distorção existirá na mesma, motivada por outros factores.

Comparando o jornalismo televisivo que se faz em Portugal com aquele que é produzido no resto da Europa, o do nosso país é melhor, é pior, tem os mesmos defeitos e idênticas virtudes?

É um pouco diferente, antes de mais, porque possui menos meios na cobertura dos grandes acontecimentos internacionais, embora haja um esforço em Portugal nesse sentido. Em toda a Europa, existem diversas escolas diferentes. Os franceses têm uma maneira diferente de fazer televisão, os alemães outra, os ingleses outra ainda.

A nossa é própria de Portugal?

Sim. Creio que o tipo de jornal televisivo que se vê em Portugal é diferente do de outros países, da mesma maneira que aquele que é transmitido em Espanha é diverso do da Inglaterra, por exemplo, ou da Itália, ou França.

Existem várias escolas e nós temos uma nossa, que se inspira um pouco na espanhola, na francesa, na inglesa e na americana.

Com mais qualidade?

Há aspectos bons e outros que nem por isso. O problema da qualidade é extremamente subjectivo. Há produtos que vejo em televisão que considero de má qualidade e a pessoa que está a meu lado pensa ser excelentes. Quem sou eu para dizer que a minha opinião é melhor do que a dela. Quando se fala de qualidade sinto-me um pouco desconfortável porque não sei exactamente como hei-de medir a qualidade.

Enquanto professor universitário de Ciências da Comunicação, como encara os novos jornalistas que chegam às televisões, para cuja formação contribui?

Ao se recrutar jornalistas nas faculdades está-se a proceder de uma maneira muito melhor do que no passado. Antigamente, só se entrava na televisão ou num jornal por “cunhas”, não havia outra maneira . Houve outra altura em que passou a ser através dos partidos políticos. As universidades permitiram a democratização desse processo, que se tornou muito mais transparente. Por outro lado, os alunos que saem licenciados das faculdades possuem um nível cultural superior aos jornalistas que entravam para a profissão antigamente. Dir-me-á que há jornalistas que não são licenciados mas são bons profissionais e há outros formados que são maus. É absolutamente verdade. Eu diria que a probabilidade de um licenciado ser bom é maior do que não o sendo. Pelo menos possui uma maior bagagem cultural e melhor preparação para exercer a profissão. À partida, tem melhores condições mas existem inúmeros exemplos a provar o contrário, mas são sempre as excepções.

A vocação também tem um papel importante…

Sem dúvida que sim, mas a preparação não deixa de assumir uma grande relevância.

Como avalia o excesso de oferta de cursos de Comunicação Social e Ciências da Comunicação no nosso país?

É preocupante. Tornou-se, claramente, um curso de moda e tenho dúvidas de que o mercado tenha capacidade para absorver as fornadas sucessivas de alunos formados.

Não considera que muitos jovens frequentam cursos de Comunicação e começam a ser profissionais da informação, nomeadamente nas televisões, influenciados pela ideia mítica de que ser jornalista é apresentar o telejornal?

De certeza que, de facto, existe uma imagem romântica. Como noutros casos. Há alunos de Filosofia que optam por esse curso porque gostam muito da área, mas em termos de saídas profissionais praticamente só podem ser professores. Ser filósofo é algo de muito raro em Portugal, poucos o conseguem. Muitos dos alunos das diversas áreas realizam as suas opções em função de imagens românticas que possuem. Mas, não posso considerar isso em si mesmo como mau, porque os jovens têm de ter os seus sonhos. O pior que pode acontecer é o aluno optar por um curso por essa tal visão romântica e mais tarde vir a arrepender-se.

Um pouco de sonho, então, até é positivo?

Penso que sim.

Publicou recentemente um trabalho de investigação sob a forma de livro apresentando «Crónicas de Guerra». De toda a pesquisa efectuada, o quê que mais o surpreendeu?

Talvez a vitalidade que os jornais portugueses tinham nos anos trinta. De tal modo que, por exemplo, a guerra civil de Espanha contou com uma maior cobertura noticiosa do que a guerra do golfo. É certo que, por um lado, não nos devíamos surpreender porque se tratava do país mais próximo do nosso. No entanto, verifica-se que na guerra civil de Espanha cada jornal enviava cinco ou seis jornalistas e na do Golfo nenhum jornal mandava mais do que um ou dois, quando muito.

Quais são as principais diferenças entre o trabalho que os repórteres de guerra realizavam dantes e aquele que hoje têm de efectuar?

Os meios de que dispõem são, naturalmente, diversos. Hoje, eles existem em maior quantidade. As próprias guerras evoluíram. Antigamente eram massificadas, agora são inteligentes. Dantes os repórteres de guerra estavam muito inseridos na máquina militar, mas hoje não é assim: são muito autónomos. Os jornalistas andavam fardados. Actualmente, não. O trabalho actual é mais fácil no sentido em que os meios de comunicação com a redacção são muito superiores, nomeadamente através do recurso ao telefone-satélite. Antigamente, existia uma grande dificuldade para arranjar o telégrafo que enviasse a mensagem do jornalista; era muito mais complicado.

Na investigação que realizou sobre os repórteres de guerra conseguiu a objectividade necessária, apesar de ter sido também um deles?

Um dos temas da minha pesquisa refere que a objectividade não existe. É apenas uma quimera que os jornalistas criam. Quando estes dizem ser objectivos ou afirmam que tentam sê-lo, estão apenas a disfarçar a sua subjectividade.

Mais vale os jornalistas o assumirem?

Exactamente.

Mas, poucos o fazem…?

Exactamente. Na minha perspectiva, isso acontece porque o mito da objectividade encontra-se muito enraizado na profissão e na própria cultura desta.

Foi, mais recentemente, repórter de guerra no conflito israelo-palestiniano. Como o encara?

Como sou jornalista, evito comentar os conflitos. Procuro apenas noticiá-los, transmitindo o que vejo e o que oiço e evito, tanto quanto possível, emitir juízos de valor sobre aquilo a que assisto. Tenho uma opinião pessoal, mas preferia não a dizer.

Enquanto profissional, foi muito difícil trabalhar nesse conflito?

Não foi. Quando lá estive, verifiquei que é um conflito relativamente fácil de cobrir do ponto de vista informativo, comparado com outros onde a dificuldade era maior e onde trabalhei.

Foi o caso de Timor?

Aí foi infinitamente mais difícil. No Iraque também não foi fácil, na Jugoslávia foi tremendamente difícil, mas na Palestina pareceu-me mais fácil em relação às restantes experiências de conflitos que tive.

Um jornalista que vai para um cenário de guerra, antes de partir pensa em quê? Na família? No medo que sentirá?

Certamente nisso tudo, como qualquer ser humano. Vai com apreensão quando vai para o local, quando está lá continua apreensivo, mas talvez menos do que antes de ir e quando sai está sempre aliviado.

Jorge Azevedo

 

 

 

O ROSTO DA TELEVISÃO PÚBLICA

Da BBC para a RTP

Se há um jornalista que o público identifica de imediato com a RTP é José Rodrigues dos Santos. “Pivot” do telejornal, alternando com José Alberto Carvalho, trazido da SIC por Emídio Rangel, mantém um estilo próprio de apresentar as notícias que passou a caracterizá-lo.

Aos 38 anos, Rodrigues dos Santos iniciou-se nas lides jornalísticas na Rádio Macau, passando depois para a BBC, onde “bebeu” boa parte dos ensinamentos da profissão. A RTP surgiu, então, no seu caminho, primeiro trabalhando a partir de Inglaterra, mais tarde em Lisboa. A maratona televisiva que suportou horas a fio aquando da guerra do golfo trouxe-lhe o reconhecimento público. Há quem goste do seu estilo e quem não o aprecie, mas é unânime a opinião muito positiva da sua capacidade de trabalho e conhecimentos do meio. Conhecimentos que desde há anos transmite na Licenciatura de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, onde é professor e onde se licenciou e doutorou.

Sem vedetismos, nem “tiques” de “estrela”, José António Afonso Rodrigues dos Santos foi Director de Informação da RTP entre 2000 e 2001. Entre os seus alunos é conhecido por ser inteligente, perspicaz e muito acessível. Estudantes e profissionais do meio reconhecem-lhe a competência.

Recebeu o «Ensino Magazine» nos estúdios onde todos os dias vai “para o ar” o Telejornal das 20 horas, com a simpatia que lhe é habitual. O “rosto” da RTP alia o profissionalismo à admissão de que o jornalista é um ser humano, quando parte para uma guerra, por exemplo, ou quando fabrica informação. A objectividade não existe, defende, contra uma ideia dominante na profissão. Rodrigues dos Santos promete continuar a mostrar-nos diariamente como vai “o nosso mundo”...

J.A.

 

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