Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano V    Nº50    Abril 2002

Entrevista

ELZA PAIS ANALISA TOXICODEPENDÊNCIA

Droga e roubos não estão ligados

Não há listas de espera nos internamentos de toxicómanos. É o que revela Elza Pais, presidente do Instituto Português da Toxicodependência,, numa entrevista ao «Ensino Magazine». Defensora dos progressos que, afirma, a actual Lei da Droga está a trazer, aquela responsável recusa estabelecer uma relação causa-efeito entre o fenómeno da toxicodependência e os crimes praticados contra a propriedade. Em relação ao consumo, Elza Pais proclama como aposta central do Instituto a redução de riscos.

Revela, ainda, que em Portugal está-se a consumir menos heroína, mas mais cocaína e drogas de síntese, sem esquecer o álcool.

Quantos toxicodependentes há em Portugal? Que perfil os pode caracterizar?

Só se pode falar de estimativas, baseadas nos pedidos de acompanhamento em estruturas de saúde. Segundo as do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT), em 1999, tínhamos 28 mil casos de indivíduos com problemas de consumos de drogas. Quanto ao seu perfil, são maioritariamente do sexo masculino, com baixa escolaridade e que exercem actividades profissionais pouco qualificadas e com precaridade no vínculo laboral.

A actual Lei que descriminaliza o consumo de droga é a forma mais correcta de combater o tráfico? Bastará para atingir esse fim?

A Lei não foi pensada no sentido do combate ao tráfico, mas antes em função do toxicodependente, encarado não como um delinquente mas como um doente. Por outro lado, permitirá um despiste precoce de novos consumos e também conter o desenvolvimento para situações de toxicodependência mais graves.

A legislação determina a criação de comissões distritais para analisar os processos e aplicar sanções. O número de membros previsto para cada uma é suficiente?

Os elementos que compõem essas comissões, representadas por equipas interdisciplinares (jurista, médico, assistente social, psicólogo, sociólogo e profissionais afins) para análise dos casos concretos permite uma leitura mais rigorosa do indivíduo e da situação envolvente. O objectivo é promover uma resposta integrada e tanto quanto possível facilitadora para a pessoa e para a comunidade em geral.

Conhecendo-se os problemas de burocracia e dado que a Lei prevê um vasto conjunto de formalidades, considera que é possível responder a cada caso com a celeridade necessária?

O facto destas comissões serem constituídas por elementos que fazem parte dos serviços existentes na comunidade local (jurídico e de saúde, entre outros) permite que todo o processo decorra de forma mais eficiente.

A pequena criminalidade tem estado a aumentar. Existe alguma conexão entre este facto e a toxicodependência?

O aumento das taxas de criminalidade está relacionado com a eficácia do trabalho das forças policiais. Em paralelo, os cidadãos denunciam em maior número as situações ou incidentes dos quais são vítimas, o que facilita em muito o trabalho dessas forças. Por outro lado, e independentemente do registo de consumo de drogas, verificamos que os crimes contra a propriedade constituem-se como os que têm maior incidência na população prisional. Esta relação depende directamente do registo de consumo de droga. Ou seja, dizer que a maioria dos reclusos com consumo de drogas foi condenada por crimes contra a propriedade, o que é verdade, é diferente de afirmarmos que a maioria dos crimes contra a propriedade é praticada por indivíduos consumidores de drogas, o que já é certo.

O que tem sido feito em Portugal, em termos de prevenção da toxicodependência?

No meio escolar têm-se desenvolvido programas que vão desde a informação e formação do pessoal docente e discente até às famílias e à comunidade em geral. Paralelamente, têm-se desenrolado campanhas de sensibilização para o uso /abuso do consumo de substâncias lícitas e ilícitas, especialmente dirigidas a jovens. Foi também desenvolvido um trabalho no âmbito da prevenção no meio laboral, dirigido a pessoal trabalhador e quadros dirigentes.

Que acções foram tomadas para sensibilizar os jovens para a problemática da toxicodependência?

Estamos a preparar, em articulação com o Ministério da Educação, uma semana de prevenção no meio escolar. Há, ainda, um projecto de intervenção precoce dirigido a crianças dos 4 aos 10 anos, a ser desenvolvido, numa primeira fase, em algumas escolas da rede oficial pública e particular.

Que medidas têm sido adoptadas no combate ao consumo e ao tráfico de droga?

No que respeita ao consumo, a grande aposta é na implementação de estratégias de redução de riscos. Ao nível do tráfico, pretendemos o reforço da cooperação internacional e o alargamento da actividade policial.

Os serviços de saúde estão em condições de dar resposta ao problema dos toxicodependentes?

Há progressos significativos nas formas como se tem vindo a organizar os apoios. Não há listas de espera para o internamento em comunidades terapêuticas, na maior parte dos CAT e nas unidades de desabituação. Poderemos reconhecer alguma dificuldade dos serviços em responder de imediato, sobretudo na área da Grande Lisboa, porque aí o volume de pedidos de acompanhamento é maior do que no interior. No entanto, ninguém fica sem o acompanhamento solicitado. Por outro lado, existem projectos para a criação de novas unidades para a formação e contratação de pessoal técnico especializado.

Como é realizada a fiscalização dos serviços prestados por instituições privadas de tratamento dos toxicodependentes?

Existe uma comissão de técnicos do SPTT encarregue do licenciamento e fiscalização, que se vai fazendo a partir das informações que as famílias e os próprios utentes comunicam. Sempre que existe qualquer reclamação, a comissão actua e, desde que se justifique, solicita apoio à Inspecção-Geral de Saúde.

Que apoio presta o Estado às famílias dos toxicodependentes?

O internamento em comunidades terapêuticas é assegurado em oitenta por cento pelo SPTT e sempre que se verifiquem dificuldades para o indivíduo ou para as famílias em assegurar os restantes vinte por cento.

A toxicodependência é um fenómeno com tendência para aumentar ou diminuir em Portugal?

Verifica-se uma redução significativa do consumo de heroína, mas também um aumento do álcool, da cocaína e das novas drogas de síntese.

Jorge Azevedo

 

 

 

ALERTA DE ELZA PAIS

Não acontece só aos outros

Elza Pais preside ao Instituto Português da Toxicodependência. Defensora dos caminhos que a actual legislação está a percorrer, revelou na entrevista concedida ao «Ensino Magazine» convicções alicerçadas em dados concretos e numéricos.

A aposta na prevenção é por si enfatizada, enquanto adopta uma postura sem optimismos desmesurados acerca da evolução do fenómeno da toxicodependência em Portugal.

Elza Pais não ignora as dificuldades dos serviços oficiais em darem resposta adequada e o mais célere possível aos problemas dos toxicómanos, mas afirma que se têm registado melhorias assinaláveis nos últimos tempos. Entre os problemas que insistem em manter-se e os percursos legislativos e oficiais que defende como positivos, Elza Pais deixa sobretudo um desafio à sociedade portuguesa para que olhe para a toxicodependência como um problema de toda a gente e não dos outros. Se assim for, uma boa parte do caminho já estará percorrido…

Enquanto os políticos discutem o que fazer em relação ao fenómeno e os médicos e investigadores continuam a tentar compreendê-lo com a maior profundidade possível, cabe a cada cidadão ajudar no que puder. Se mais não for, pelo menos, a formação e informação dos mais jovens...

J.A.

 


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