AGUSTINA BESSA LUÍS
LANÇA NOVO LIVRO
A escrita com um dom

Agustina Bessa Luís acaba de lançar um novo livro. Chama-se «Jóia de Família» e vai ser adaptado ao cinema. As relações entre pessoas “encravadas” entre a instituição familiar, à partida, estável e a sociedade em acelerada mutação é o tema da obra, conforme revelou em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine».
Condescendente para com os alunos obrigados a lerem os seus livros na escola, afirmou que a Literatura é a alma de um povo e desmentiu que os portugueses leiam muito pouco.
Agustina Bessa Luís encara a escrita com um dom que deve valorizar e explorar e criticou os artistas que, «bem tratados demais» pelo público, têm dinheiro e distracções a mais e empenho e esforço a menos.
Admitindo que as suas obras irão influenciar as gerações próximas, a escritora mantém-se fiel ao que sempre fez: olhar o mundo, os outros e si próprio com a atitude da descoberta permanente. E com a humildade de quem sabe que a complexidade esconde estruturas simples e estas têm sempre algo de complexo. Na escrita, como na vida…
Qual é a temática central da sua última obra?
Trata-se de uma crónica em que procuro relacionar a família, enquanto elemento estável de uma sociedade, possuidora de uma forma de vida própria, com um ambiente social envolvente em alterações graduais mas constantes.
Duas realidades, à partida, opostas?
Exactamente. Mas, o fascínio encontra-se nisso mesmo: no modo como se interligam dois elementos tão diversos na sua natureza essencial. O meu novo livro chama-se «Jóia de Família» e integra uma trilogia designada por «O Princípio da Incerteza». É com este nome que a obra será adaptada para o Cinema. O livro aborda uma série de contrastes e é também um retrato da nossa sociedade, encravada entre as rápidas modificações do funcionamento da mesma e uma estabilidade de relações.
Esta obra marca algum ”salto” em relação ao seu percurso ou está numa linha evolutiva?
É, essencialmente, a continuação daquilo que sempre tenho feito nos meus livros. Observo o que me rodeia no mundo, nas pessoas e nas situações e construo o meu trabalho a partir dai. Repare que um mesma tema terá tantas versões diferentes consoante os escritores que o tratem. As análises e perspectivas que sobre o assunto incidem é que fazem a riqueza da Literatura. Naturalmente, que nada na vida é estático e os meus livros também respondem a mudanças, mas não a rupturas abissais de obra para obra.
As adaptações da livros para o cinema é uma via a seguir?
É uma aposta que merece a pena desenvolver mais. Quer o cinema, quer a literatura têm a ganhar com isso. Os benefícios são mútuos e para os dois tipos de público. Para a Literatura especificamente, é de salientar o facto das pessoas, depois de verem um filme construído a partir de um livro, quererem lê-lo, quanto mais não seja por curiosidade. Aliás, já existem alguns excelentes exemplos de uma óptima interligação entre cinema e literatura portuguesa. Dou-lhe só um exemplo: «Vale Abraão», de Manoel de Oliveira, mas muitos outros existem. Penso que é positivo se se incrementar as adaptações cinematográficas de obras de autores nacionais. Havendo a compreensão mútua sobre a especificidade de cada meio, creio que a colaboração pode se desenrolar de forma bastante frutuosa e potenciadora do progresso de ambas as áreas artísticas.
A escrita é paixão definitiva da vida da Agustina?
Sem dúvida. Sou uma espécie de anacoreta da vida profissional. Penso que tenho a escrita como um dom que tenho o dever de valorizar e cultivar da melhor maneira que consigo. Procuro explorar esse dom, de uma forma constante e renovada sempre com o mesmo empenhamento. Sou como um escritor francês que dizia que só saía de casa para comprar um livro. Identifico-me com tal posicionamento, porque revela bem a extrema ligação que mantenho com a escrita. Esta é uma profissão que eu professo, o que não acontece com toda a gente. Mas, assumo plenamente esta atitude; não poderia ser de outra forma, pois, estaria a contrariar a minha essência.
Desde muito criança, com 10 e 11 anos, que já escrevia, embora, na altura, ainda não afirmasse convictamente que pretendia ser escritora. De qualquer das formas, o “bichinho” pelas palavras já lá estava e fui desenvolvendo-o com o passar do tempo. Aos 16 anos, escrevi o meu primeiro livro, embora não tivesse sido publicado. Nada me dá a mesma satisfação da escrita . Não consigo resistir a esse mundo que vem ao meu encontro e que incorporo e transformo no trabalho que realizo. O que mais me atrai na Literatura, julgo, é aquilo que pode oferecer, em termos de conhecimento das outras pessoas , do mundo e de nós próprios.
Considera que os portugueses lêem pouco?
Penso que lêem bastante. Repare que foi traduzido o meu primeiro livro para Alemão e a sua tiragem não foi superior àquelas que as obras da minha autoria têm em Portugal. Há muitos livros editados no estrangeiro cujas tiragens não vão muito além das edições nacionais. Não é correcto estar-se sempre a lançar a ideia de que os portugueses lêem muito pouco, como se os estrangeiros o fizessem bastante mais.
As suas obras vão influenciar gerações futuras?
A grande Literatura dura mais tempo do que a outra. Shakespeare ou Cervantes são exemplos de autores cujas obras resistiram à sua passagem e ainda hoje permanecem como referências incontornáveis da Literatura. Acredito que a próxima geração continuará a ler os meus livros, mas não sei se muitas mais gerações o farão. De qualquer das maneiras, o facto de obras minhas serem de leitura obrigatória no sistema de ensino também facilita isso. É curioso que, de vez em quando, há jovens que me abordam, salientando que conhecem os meus escritos da escola. Nós – os autores que eles estudam – somos uma espécie de parentes com quem se relacionam. Coitados…!
Porquê? Não considera positivo que livros seus sejam analisados nas aulas?
Não é isso; é que para muitos alunos, é penoso serem obrigados a fazê-lo. Claro que, para outros, a situação não é assim. Lembro-me de ter que estudar na escola autores como Almeida Garrett e Camilo Castelo Branco, que me chamaram a atenção para as suas obras. Era ainda muito jovem quando as estudei. Creio que deve ser muito angustiante para os alunos serem obrigados a conhecer os meus livros e, naturalmente, também de outros escritores. Ler exige uma elevada concentração e um grande silêncio e não é uma criança qualquer que está em condições adequadas para o fazer. Por outro lado, os jovens de agora têm à sua disposição uma enorme multiplicidade e variedade de atractivos e actividades susceptíveis de os interessar e despertar a sua curiosidade. No entanto, agrada-me sempre muito quando vejo jovens aproximarem-se de mim e, com simpatia, afirmarem que me conhecem ou que já leram livros da minha autoria. É sinal que consegui chegar a eles e transmitir-lhes qualquer coisa. Só não sei bem se estavam preparados para isso, mas gosto que aconteça. É o reconhecimento do trabalho que elaboramos.
Quais são as suas referências literárias?
São, antes de mais, os chamados clássicos, como, por exemplo, Bernardim Ribeiro e Camilo Castelo Branco. Mas, aprecio, igualmente, Lobo Antunes, Virgílio Ferreira e José Saramago. O «Memorial do Convento» é uma obra que reputo de grande interesse, embora, naturalmente, haja muitíssimas mais. Portugal possui muito bons escritores, cujos livros têm uma qualidade bastante elevada. Em nada nos envergonham, disso não tenho a menor dúvida. Os escritores nacionais são sobretudo muito cultos e algo vaidosos das suas qualidades. Pode-se até afirmar que tal beneficia o seu narcisismo. Há também jovens escritores possuidores de muito talento e que devem ser apoiados e incentivados. Não hesito em afirmar que os portugueses estão bem servidos com os autores que têm. A nossa Cultura, felizmente, continua a ter quem a defenda e valorize, trabalhando-a e recriando-a sem a descaracterizar, antes a dinamizando e desenvolvendo. A este nível, o nosso país dispõe de uma “riqueza” que deve guardar e não desperdiçar, para o seu próprio bem. O caminho da escrita tem tanto de difícil e algo duro como de desafiante e estimulante, num caminho em que se procura sempre avançar mas que tem dificuldades. A recompensa é a satisfação pelo resultado alcançado e a sua difusão aos leitores, na partilha de experiências, sentimentos e ideias que são elementos intrinsecamente próprios dos seres humanos.
A Literatura Portuguesa é a marca profunda da identidade e cultura do nosso país e das suas gentes?
A Literatura é a alma de todos nós. Por outro lado, estimula o ego de cada pessoa e das multidões. Reflecte a realidade social de momentos concretos e traça a evolução que se vai registando. A Literatura fixa a Natureza de um determinado país e o modo de ser e de agir das populações. Identifica as características culturais de um povo, recolhendo daí, ao mesmo tempo, material-base para o seu trabalho. No caso português, abordou a independência nacional e referiu-se àquela que eu considero ser a grande revolução ocorrida no país: a implantação da República. Uma revolução em que participaram personalidades de enorme grandeza intelectual e que, hoje, se encontram um pouco esquecidas.
Portugal trata bem os seus escritores?
Creio que sim, até bem demais. Alguns que foram demasiado bem tratados tornaram-se mimados e queixinhas. Ora, a vida de um artista tem necessariamente de incluir uma dose de intenso trabalho e de grande esforço constante. Não deve ter excessivas distracções e muito dinheiro, porque ambas as coisas impedem que se verifique esse esforço, indispensável, na minha perspectiva, a uma escrita de valor e apurada. Há uma determinada linha de simplicidade que só faz bem aos escritores – como a muitos outros artistas – possuírem e preservarem. A dureza do trabalho é também uma forma de os educar no sentido de um afinamento do seu
trabalho.
Jorge Azevedo
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