Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº43    Setembro 2001

Entrevista

ANTÓNIO BENTO, DIRIGENTE DO SINDICATO INDEPENDENTE DOS MÉDICOS

Interior deve atrair mais médicos

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos quer que as faculdades de Medicina existentes possam formar mais profissionais de saúde. Mas, para isso, avisa, é preciso dotar as universidades de mais professores, instalações e recursos financeiros. Ao «Ensino Magazine», António Bento defendeu uma maior colaboração entre as instituições de Ensino Superior e as organizações de médicos e apresentou algumas medidas de um “pacote” proposto para atrai-los para o interior.

O dirigente sindical avisou, ainda, o Governo para não autorizar a abertura indiscriminada de cursos de Medicina nas escolas privadas. Para que da escassez de profissionais não se passe a um excesso, dentro de poucos anos.

Com as duas novas licenciaturas de Medicina em Braga e na Covilhã, Portugal tem o número de cursos suficiente?

Para responder a essa questão, tenho que fazer um pouco de História. Em 1972, quando havia a guerra colonial, o nosso país só possuía 3 faculdades de Medicina, que formavam 1800 médicos. Mais tarde e durante muitos anos, passaram a funcionar 5 faculdades que só diplomavam 500 licenciados por ano. Com o surgimento das duas novas faculdades, podemos aumentar tal número para 500/600, mas, como se conclui, muito menos do que em 1972. Note-se que na vizinha Espanha, existem 28 faculdades de Medicina e formam-se anualmente 4600 médicos, num “racio” de diplomados por escola muito superior ao que se verifica em Portugal. É uma situação completamente diversa daquela que ocorre no nosso país. Deveríamos olhar para o exemplo vizinho.

Defende, então, que as novas faculdades não eram necessárias se as que existiam pudessem ter acolhido mais alunos?

Sim. Mas, acontece que os sucessivos governos não dotaram as faculdades de Medicina do conjunto de meios indispensável para poderem formar mais médicos. Para isso, as instituições de Ensino Superior precisam de mais recursos financeiros, professores e instalações. Por razões políticas e/ou de interesses regionais, avançou-se, no entanto, para a criação de duas licenciaturas nas universidades do Minho e da Beira Interior. O meu maior receio está na concretização de algumas intenções já anunciadas de criação de cursos de Medicina privados. É que, o país pode vir a cair na situação de passar do 8 ao 80, ou seja, é preciso evitar que se formem médicos a mais, sem que depois tenham trabalho. Aliás, é o que já sucede noutras áreas como o Direito. O Estado tem de estar atento e não permitir que tal aconteça.

Mas Portugal não tem falta de médicos?

É verdade que sim, neste momento. No entanto, o país corre o risco de vir a ter profissionais a mais dentro de alguns anos, se começarem a abrir indiscriminadamente cursos em instituições privadas. Portugal tem de analisar correctamente quais as suas necessidades em termos de cobertura médica. É preciso determinar quais as especialidades em que há escassez de profissionais e as zonas onde essa falta tem de ser colmatada mais urgentemente. Não sei se tal levantamento foi efectuado, mas não tenho conhecimento de que tenha sido realizado. Se foi, também não são cumpridas nenhumas medidas para alcançar uma situação global equilibrada.

Há, pois, riscos sérios de médicos a mais em certas áreas e a menos noutras?

Sem dúvida. É um problema que importa ter em linha de conta. O Estado não pode desresponsabilizar-se pela situação. Antes de mais, enquanto entidade a quem compete autorizar a abertura de novas licenciaturas em Medicina. Depois, também porque as existentes funcionam todas em instituições de Ensino Superior públicas, o que reforça a necessidade do Governo estar atento ao que se passa, sabendo que as questões educativas não se podem desligar completamente das condições concretas da profissão. Há, ainda, um outro motivo mais de carácter económico. É que a formação de um médico custa ao Estado português milhares de contos e o país não é rico ao ponto de se dar ao luxo de desperdiçar recursos financeiros e humanos sem os rentabilizar da forma adequada, ou seja, sem que obtenha o retorno desejável. Daí a necessidade de, de facto, se analisar muito bem as reais carências de profissionais e por especialidades. Até para que se possa programar o futuro e traçar as linhas-mestras de desenvolvimento do sector e de gestão de todos os tipos de recursos envolvidos. A pior situação seria o Estado não conhecer ao certo aquilo que se passa “no terreno” e se pôr a elaborar planos desfasados da realidade concreta. O erro era enorme e o país sofreria com isso. As populações querem médicos em quantidade suficiente e bem formados de modo a responderem às suas exigências. Tal objectivo é compartilhado pelo nosso sindicato, mas é preciso que sejam adoptadas medidas consistentes e alicerçadas em situações correctamente identificadas e previsões fundamentadas de qual a evolução futura do sector e até ao nível possível de pormenor.

Como se pode resolver o problema da falta de médicos no interior do país?

A questão tanto se coloca em relação aos médicos como a outros profissionais. Se é certo que há uma concentração de médicos nos grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, isso segue a tendência dominante da generalidade da população portuguesa que também se tem vindo a concentrar em tais áreas. O Sindicato Independente dos Médicos reconhece que é preciso mais médicos no interior e propôs ao Governo a adopção de um conjunto de incentivos no sentido de atrair mais profissionais para as zonas mais desfavorecidas de Portugal. Tratava-se de um “pacote” que passava por aspectos como benefícios pecuniários para os médicos que se deslocassem para essas zonas, apoios em termos de habitação e de colocação dos seus filhos em escolas próximas das novas residências. Isto, sem esquecer o auxílio que pode ser prestado para que o respectivo cônjuge obtenha um trabalho na região. De acordo com a nossa proposta, as autarquias desempenhariam, igualmente, um papel importante na concretização das condições indispensáveis para a fixação dos médicos. Não basta as pessoas das aldeias ou das vilas exigirem profissionais de saúde o mais próximos possíveis. É necessário que aqueles se sintam atraídos para rumarem a outras paragens, estabelecendo-se em áreas à partida repulsivas. Da parte do Executivo houve alguma abertura às medidas que apresentámos, mas, infelizmente, até agora, não foram implementadas nem sabemos se ou quando o serão.

É favorável à reestruturação do tipo de ensino de Medicina ministrado em Portugal?

Penso que isso é indispensável. Não se trata, como às vezes, se quer fazer crer, de uma questão de mais ou menos qualidade dos cursos. O que sucede é que a Medicina tem vindo a registar profundas e muito rápidas mutações nos últimos anos. A evolução reclama, assim, um ensino melhor adaptado às novas realidades da profissão. Na altura em que me formei, os médicos não precisavam de saber de informática. Mas, hoje, é indispensável que adquiram conhecimentos de como utilizar os computadores. São uma nova tecnologia de acesso generalizado, muito útil em todas as áreas e nesta também. É apenas um exemplo de uma evolução a exigir novas competências formativas dos médicos. O mesmo acontece ao nível científico e outros.

As universidades e as organizações profissionais têm estabelecido contactos no sentido de eventuais aperfeiçoamentos das licenciaturas?

As universidades possuem autonomia não apenas das instituições profissionais como do próprio Governo. Os estabelecimentos de Ensino Superior têm liberdade para adoptarem os modelos de formação, pedagógicos e científicos que melhor entenderem. Portanto, a questão não se coloca, a este nível. Por outro lado, importa também que ter em consideração que, por natureza ou em resultado de uma tradição e cultura de há muitos anos, as universidades encontram-se muito fechadas às influências exteriores. Contudo, na minha óptica, é bastante desejável que colaborem com as organizações profissionais – de médicos, no caso – com vista a puderem melhorar alguns aspectos da formação que prestam, tendo em conta, nomeadamente, as mutações muito céleres que a realidade do mundo do trabalho tem registado. Infelizmente, essa colaboração não tem existido, pelo menos, nos termos e com a profundidade que julgo ser indispensável. Todos teremos a ganhar com o incremento da cooperação, que poderá contribuir para melhorar e reforçar as competências dos futuros licenciados em Medicina.

Jorge Azevedo


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