Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº44    Outubro 2001

Dossier

FRANCISCO HENRIQUES, UM ENFERMEIRO QUE CORREU MUNDO

A enfermagem especializou-se

Nove meses depois de ter concluído o Curso de Enfermagem na Escola Superior Lopes Dias, em Castelo Branco, Francisco Henriques já tinha trabalhado num hospital da zona de Coimbra e decidiu ir exercer enfermagem nos barcos de pesca do bacalhau. Daí passou aos barcos da Sacor Marítima, esteve no Irão, casou-se e regressou a Vila Velha de Ródão em 1990, onde reside, ficando a trabalhar no Hospital de Castelo Branco.

Teve então tempo para desenvolver a sua paixão pela arqueologia, que datava do início dos anos 70. Primeiro concluiu, em quatro anos, uma licenciatura em Antropologia na Universidade Nova de Lisboa. Pelo caminho foi realizando várias obras no campo da arqueologia, ímpeto que ainda não perdeu. Agora ainda tem tempo para elaborar estudos de impacte ambiental no que à arqueologia diz respeito. Na área da Enfermagem, também não estagnou. Fez um CESE em saúde mental e psiquiatria, em Coimbra.

Hoje, com 45 anos, é enfermeiro chefe da Psiquiatria no Hospital Amato Lusitano e recorda os tempos de estudante em Castelo Branco com alguma nostalgia. Entrou na então Escola de Enfermagem em Janeiro de 1977 e terminou o curso em Dezembro de 79, depois de um estágio em Psiquiatria no Hospital Psiquiátrico de Lorvão, perto de Coimbra. E foi para ali que voltaria após concluir o curso. “Gostei tanto da maneira humana como tratavam o doente, de acordo com o que tínhamos aprendido na teoria, mas que não tinha visto na prática em nenhum outro campo de estágio, pelo que optei por ir trabalhar para lá”.

Apesar de gostar da experiência, apenas ficou nove meses. Na altura trabalhava com o seu colega Pina, de Castelo Branco, e acabaram por alugar uma casa. Um dia, um colega enfermeiro, mais velho, pediu-lhes se lhe alugavam um quarto. Reticentes de início, acabaram por aceitar. “Nós tínhamos 23 ou 24 anos e ele tinha 52, pelo que pensamos que seria complicado. Mas como era uma situação passageira, cedemos-lhe o quarto. A verdade é que ele se veio a revelar mais jovem do que nós. Tinha um espírito dinâmico incrível, era enfermeiro no mar, na pesca do bacalhau e encontrou imediatamente um barco para o meu amigo Pina ir trabalhar”.

EMBARCADIÇO. Francisco Henriques ficou sozinho, mas os contactos estavam feitos nas empresas, pelo que também embarcou num navio de pesca do bacalhau em Agosto de 80. “Estive três anos nesses navios, e ainda houve um deles que se afundou, a cerca de 600 quilómetros da Terra Nova. Vim para casa, mas ao fim de pouco tempo, embarquei já num navio de transportes de produtos químicos e de petróleo, da Sacor Marítima”. Até Agosto de 84 ficou nesse área, mas eis que surge a hipótese de ir trabalhar para o Irão, então em guerra com o Iraque. Aceitou o desafio e foi trabalhar para uma firma italiano, em áreas muito inóspitas do Irão.

“Fui mais pela experiência humana do que pelo dinheiro. Tive lá 13 meses nessa companhia e voltei à Sacor, de onde saí para a Soponata, outra empresa de transporte de petróleo bruto e refinado, além de outros produtos”. Em 1990 decide sair. Já era casado, a sua esposa estava em Ródão. “A minha mulher costumava-me dizer: «somos casados e somos viúvos porque tu nunca cá estás». Assim, um pouco pressionado por ela, decidi vir para o Hospital. Mas o que eu devia ter feito, logo que casei, era cortar com o mar e com a actividade de enfermagem ligada aos barcos”, afirma.

Pelo caminho recolheu experiências e testemunhos interessantes e originais. “Contactei com os esquimós no norte do Lavrador, com os turcos, uma tribo nómada no Interior do Irão. Nos próprios navios, uma unidade de produção grande em tamanho e com 30 a 40 pessoas, não havia médico a bordo e eu tinha que servir de médico, enfermeiro e de padre, no sentido de confessor. O enfermeiro era o meio termo entre o interesse do comandante, que queria que todos trabalhassem sempre o máximo possível, e o trabalhador. Eu servia de almofada entre esses interesses”. Diz que se saiu sempre bem e permitiu sempre o descanso àqueles que eram honestos e diziam que não podiam trabalhar mais. Com os que simulavam sintomatologias não era condescendente.

ARQUEOLOGIA. Já nos anos 80, devido à sua paixão pela arqueologia, pensara em fazer a licenciatura em Antropologia. Esteve mesmo inscrito na Universidade Nova, mas o tempo não lho permitia. Com o regresso a Ródão chegara a oportunidade. Inscreveu-se para ir fazendo as disciplinas conforme pudesse, mas depressa se apercebeu que o curso ficaria muito caro, dado o valor das propinas, das viagens e estadias em Lisboa. “Abalancei-me na Licenciatura, que terminei em quatro anos, em Dezembro de 94, com uma excelente média. E logo de seguida, dispensado pelo Hospital, fui para Coimbra fazer uma formação de dois anos, o CESE de Saúde Mental e Psiquiátrica.

Paralelamente, tem feito alguma investigação em arqueologia. “Tenho um currículo melhor em termos de arqueologia do que em termos de enfermagem. É um hobbie que não me traz dinheiro, mas no qual trabalho desde 71”. Tem várias obras publicadas e está ligado à Associação de Estudos do Alto Tejo, em Ródão. “A maior parte dos trabalhos de arqueologia que fiz até hoje aconteceram na área dos concelhos de Idanha, Castelo Branco, Proença, Vila Velha de Ródão e Nisa. E daquilo que conheço são concelhos muito ricos em arqueologia. O que faltam são as cartas arqueológicas, onde se inventariam e cartografam todos os monumentos”.

Considera que o Tejo faz com que estas regiões sejam privilegiadas em termos de arqueologia, pois o rio foi a via fundamental entre o interior e o exterior da Península. E marcas não faltam, embora a arqueologia da região não seja conhecida pela monumentalidade, pelo que, por si só, não atrai pessoas. A única excepção seria a arte rupestre do Vale do Tejo, que foi submersa nos anos 70 pela construção da Barragem do Fratel. “São conhecidas hoje mais de 30 mil gravuras desse complexo desde a Foz do Ocresa até Alcântara. Mas hoje vemos apenas um pequeno conjunto de gravuras, a jusante do Fratel e perto da Barragem de Cedillo. Mas esta é a jóia da coroa e se eu tivesse poder mandava abrir as comportas da barragem do Fratel para tornar visitáveis as gravuras do Vale do Tejo e para continuar o seu estudo, dado que não há qualquer inventário acerca delas, mas apenas informação avulsa”.

SAÚDE. Já em relação à escola Superior de Saúde, que resulta da transformação da Escola de Enfermagem, Francisco Henriques considera que foi algo natural e relaciona-se com o crescimento da própria profissão. “Os enfermeiros conseguiram autonomizar-se, conquistar uma profissão e tornar a enfermagem uma ciência. A prova é a evolução da escola e a necessidade de preparar profissionais para as diferentes áreas onde os enfermeiros são necessários”.

Aliás, já no seu tempo considera que foi bem preparado, e que essa tradição da escola continua. “Quando estudávamos na escola, dizíamos mal dos professores, porque não nos preparavam bem. Dizíamos que chagavam Às enfermarias e nos abandonavam, pelo que tínhamos de nos colar aos enfermeiros para aprender. Mas isso faz parte do processo de catarse dos alunos”. Mas a situação será diferente, pois ao fim de nove meses de ter terminado o curso estava a trabalhar num barco, sem médico, e com 52 pessoas a seu cargo em termos de cuidados de saúde.

“Íamos daqui para o Canadá de barco, o que demorava 20 dias, e não podíamos voltar para trás. Era preciso lidar com as diferentes situações, o que consegui. Isso significa que a escola nos preparou tão bem, embora não tivéssemos essa percepção, que, ao fim de nove meses, pude trabalhar sozinho, sem problemas, e a resolver situações”, afirma. É certo que ainda hoje diz que a sua mala de livros era mais pesada que a da roupa, e lia. Mas não seria apenas por isso que considera que a enfermagem portuguesa não ficava nada a dever à dos outros países com que contactou.

Embora com qualidade, a enfermagem, assim como outras áreas da saúde, continua deficitária no Distrito de Castelo Branco, pelo que, de acordo com Francisco Henriques, “se a Escola Superior de Saúde funcionasse 10 anos, só para o Distrito, não cobria as necessidades existentes, dado que a população é muito envelhecida e é muito mais carente de cuidados. E para dar qualidade de atendimento, é preciso ter enfermeiros em quantidade suficiente”. Um problema que não se resolve porque os alunos que aqui estudam regressam às suas áreas de origem, enquanto outros, que daqui são naturais, acabam por partir para conhecerem mais. Mas do que não há dúvida é que o futuro da escola “é mais do que promissor”
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Escola de Saúde com dois pólos

53 anos depois de ter sido criada, a Escola Superior de Enfermagem Lopes Dias inicia este ano lectivo como Escola Superior de Saúde Lopes Dias, tornando-se assim a primeira escola de enfermagem do país a conseguir aquela transformação e a diversificar as duas áreas de formação, com a abertura de duas novas licenciaturas, a de Fisioterapia e a de Análises Clínicas e Saúde Pública.

Para a expansão da Superior de Saúde, o Politécnico de Castelo Branco alugou as instalações da Cofac, na Rua de São Sebastião, onde funcionará o segundo pólo da escola até 2004, altura em que serão concluídas as obras do novo edifício, paredes meias com a Superior de Tecnologia e com o futuro edifício das Escola Superior de Artes Aplicadas.

Esta é, pelo menos, a intenção do presidente do Politécnico, Valter Lemos, e da directora da Superior de Saúde, Ana Maria Vaz, segundo a qual, “a grande aposta da escola é a qualidade e apesar de agora existirem três cursos, a enfermagem não será descuidada. Temos profissionais de norte a sul do País que provam a qualidade da formação que aqui realizamos e é nesse caminho que pretendemos continuar”.

Ana Maria Vaz fala ainda os dois pólos da escola. No primeiro, o edifício junto ao Museu, funcionará a direcção, a sala prática de enfermagem, biblioteca, reprografia, associação de estudantes, entre outros. Estruturas de apoio aos alunos do 2º e 4º Ano de Enfermagem e dos complementos de formação em Enfermagem que ali serão ministrados.

No pólo 2, na Rua de São Sebastião, existe o laboratório de bioquímica, sala de informática, reprografia, cafetaria e ginásio e será ali também que irão avançar os dois novos cursos cujos processos de entrada em funcionamento foram coordenados pelos docentes Preto Ribeiro e Carlos Maia, e cujo maior auxílio chegou da Escola de Tecnologias da Saúde de Coimbra.

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