Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº45    Novembro 2001

Investigação

TESE ANALISA AS TENDÊNCIAS DEMOGRÁFICAS DA RAIA IBÉRICA NO SÉC. XX

As migrações da Península Ibérica

O processo de despovoamento sofrido pelas regiões do Interior de Portugal, sobretudo a partir dos anos 60, foi acompanhado por um processo semelhante nas regiões de fronteira do lado espanhol. E se em Portugal, as pessoas rumavam a Lisboa ou para o estrangeiro, em Espanha, os pólos de atracção também estavam na capital e nas grandes cidades do Litoral, bem como noutros países, nomeadamente da América Latina. As excepções podem ser as regiões de Pontevedra, do lado espanhol, e a de Braga, no caso português.

Esta é uma das conclusões de um estudo realizado por Maria João Guardado Moreira, uma docente da ESE de Castelo Branco que acaba de terminar a sua tese de doutoramento, na qual analisa a evolução da população raiana ibérica no século XX e mais em pormenor entre 1980 e 1996. A tese denomina-se “A dinâmica demográfica na região do Interreg Ibérico, no final do século XX” e é um documento único em termos de estudo da evolução da população, dado que abrange a área da Raia na sua globalidade, desde a Galiza ao Algarve.

“Pretendi saber até que ponto as regiões da fronteira política entre Portugal e Espanha tinham ou não características semelhantes em termos de comportamento demográfico”, refere aquela docente, que aborda assim uma questão tem estado em voga nos últimos anos, sobretudo depois da adesão dos dois países à Comunidade, quando se detectaram os desequilíbrios existentes nas regiões de fronteira, o que levou a União Europeia a desenvolver políticas de combate a esses desequilíbrios.

Daí a necessidade de um estudo aprofundado sobre esta questão, o qual, segundo refere a autora, prova que, apesar da uniformidade da desertificação do Interior, “a Raia de cada um dos dois países tem os seus padrões tradicionais de comportamentos demográficos”. No caso português, “em termos muito gerais, pode-se dizer que as regiões do Norte registavam maior natalidade, o que fez com que as pirâmides etárias se mantivessem relativamente mais jovens até mais tarde, enquanto que nas regiões do sul a natalidade desceu mais cedo, o que levou mais rapidamente ao envelhecimento das populações”.

No caso espanhol verificou-se precisamente o contrário. “São sobretudo as regiões de Cáceres, Badajoz, Huelva e, em menor medida, Pontevedra que tinham uma natalidade mais elevada e onde essa mesma natalidade desceu mais lentamente do que a Norte”. Conclui-se assim que “os comportamentos são os mesmos, mas os padrões de comportamento diferiram na dualidade norte/sul. Mas em ambos os lados da raia se verificou o despovoamento, o envelhecimento da população e a tendência para a concentração da população nos centros de média e grande dimensão”.

MIGRAÇÕES. O estudo daquela docente permite ainda concluir que o êxodo da população se verificou a dois níveis. Primeiro as pessoas partiam para outras regiões do país ou para o estrangeiro. Numa segunda fase, continua a verificar-se um êxodo, só que é menor e dirige-se sobretudo, para os centros de média dimensão. “Dentro de cada província espanhola ou dentro de cada NUT, as pessoas têm tendência a abandonar os lugares com menos de dois mil habitantes, ao mesmo tempo que crescem os que têm mais de cinco ou de 10 mil”.

Mas se isto aconteceu de ambos os lados da fronteira, há aqui uma discrepância que não será de desprezar: “No lado espanhol, o sistema urbano tem dimensões diferentes. Mesmo as cidades médias são maiores do que as nossas cidades, ao que não será alheio a própria dimensão do país”. Seja como for, do lado português foram crescendo as capitais de Distrito. Em Espanha, primeiro crescem as capitais das províncias, mas “em meados dos anos 90 essas capitais já não retêm população e são as cidades médias, com 10 a 20 mil habitantes, os aglomerados urbanos à volta das capitais provinciais”. Este fenómeno da periurbanização acontece também em Portugal, mas sobretudo na região norte.

Maria João Guardado Moreira adianta algumas razões para estes fenómenos mais recentes que contribuíram para a desertificação actual das regiões de fronteira. “As razões prendem-se com uma tendência comum à Península Ibérica dos centros de desenvolvimento económico se localizarem na periferia geográfica, nas zonas do Litoral. No caso de Espanha é aí que se situa o grande crescimento industrial dos anos 60 e 70, como em Bilbau, Barcelona, Valência e também Madrid. Por isso, as pessoas deslocam-se para essas zonas e o Interior permanece rural, com pouco desenvolvimento industrial”.

Ao nível de Portugal aconteceu um processo semelhante, mas a diferença é que, nos anos 60, o maior volume dos movimentos migratórios é para o estrangeiro “embora haja crescimentos permanentes nas zonas da Grande Lisboa, Grande Porto e Setúbal. No caso do Alentejo, as pessoas emigraram sobretudo para o Litoral, enquanto ao nível da Beira Interior, Alto Trás-os-Montes e Douro as migrações são sobretudo para o estrangeiro, embora continuem as deslocações internas”.

 

 

 

UMA ANÁLISE DA GALIZA AO ALGARVE

As razões de uma tese abrangente

A tese de doutoramento de Maria João Guardado Moreira aborda o caso concreto da fronteira entre Portugal e Espanha, para a qual foi definida a necessidade de intervenção prioritária, continua desde 1986, como zona de objectivo 1 e que tem sido alvo de diversos estudos parcelares em matéria de comportamentos da população. “Não havia ainda um trabalho que procurasse juntar toda a linha de fronteira e que procurasse ter uma visão mais global. Este foi o ponto de partida para o estudo: perceber, em termos demográficos, que pontos de continuidade ou de divergência havia nas regiões de fronteira”.

Surgiu no entanto o problema de definir o que são efectivamente regiões de fronteira, pelo que, por uma questão de operacionalidade e, porque já havia um programa específico de desenvolvimento para estas regiões, o Interrreg, Maria João Guardado Moreira optou por seguir a definição do Interreg. Isso significou estudar todas as regiões portuguesas referenciadas como de nível 3 da nomeclatura das unidades territoriais estatísticas (NUT), designadamente o Minho-Lima, Cávado, Douro, Alto Trás-os-Montes, Beira Interior Norte, Beira Interior Sul, Alto Alentejo, Alentejo Central, Baixo Alentejo e Algarve. Do lado espanhol foram feitos estudos acerca das regiões de Pontevedra. Ourense, Zamora, Salamanca, Cáceres, Badajoz e Huelva.

O estudo desenvolvido por aquela docente não ficou porém pelo nível de região, dado que analisou a evolução da população em 119 concelhos do lado português e cerca de mil 230 municípios do lado espanhol. Em termos muito gerais pode dizer-se que o município se aproxima do que em Portugal se chamam freguesias, não a nível administrativo e formal, mas em termos de área abrangida. Os municípios são também o primeiro degrau da administração local espanhola. Ora como em Espanha se parte do município para a Província e Comunidade Autónoma, enquanto em Portugal existe o Concelho como nível intermédio e só depois os agrupamentos de Concelhos, que são o nível III da Nomenclatura de unidade territorial, surgiu um problema de agregação de dados.

“Não foi possível encontrar dados para todos os municípios, sobretudo dados mais desagregados, como sejam óbitos de menores de um ano, a população por grupos de idades, nascimentos por idade da mãe, entre outros. Este tipo de dados só aparece nos municípios com mais de 10 mil habitantes, o que dificulta uma comparação directa entre concelhos e municípios, pelo que optei por analisar primeiro os dados dos concelhos portugueses entre 80 e 96. Depois fiz o mesmo em relação aos municípios do lado espanhol e só numa terceira fase procedi à análise comparativa entre as duas regiões recorrendo aos dados que poderiam efectivamente ser comparados”.

 

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