Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº37    Março 2001

Politécnico

CARLOS SOUSA, PENTACAMPEÃO NACIONAL DE TODO-O-TERRENO

O português do Dakar

Carlos Sousa é um dos melhores pilotos de todo-o-terreno da actualidade. No último rali Paris-Dakar, a prova mítica que leva os concorrentes até ao desertos africanos, o piloto português obteve a quinta posição. Um lugar de destaque entre os melhores do mundo, naquela que é considerada uma das mais duras provas do calendário internacional. Onze anos depois de ter experimentado pela primeira vez o frenesim das competições oficiais, Carlos Sousa aceitou falar ao Ensino Magazine, numa entrevista de tracção total, ou não estivéssemos nós a falar de todo-o-terreno, com o piloto oficial da Mitsubishi.

Após um quinto lugar obtido em Portalegre, na sua prova de estreia, dividindo então a condução do seu carro com um amigo, Carlos Sousa decidiu participar no Troféu UMM, entre 1990 e 92, tendo obtido os três lugares do pódio, nos diferentes anos da competição. Um troféu que Carlos Sousa diz ter sido “uma boa escola”, e que o levou até à equipa da Nissan, em 1993. Mas é ao volante de um Mitsubishi, que o piloto português tem alcançado os seus melhores resultados obtendo vários títulos, de onde se destaca o título de campeão nacional todo-o-terreno, na categoria T1, o de vice-campeão nacional, vencedor da categoria T1, no Paris-Dakar, Transalgarve, rali RTP e Baja Reguengos, entre outros. Mas nem só de vitórias se faz a história do campeão nacional, que tem no seu palmarés inúmeros primeiros lugares. Em 1999 um grave acidente no Paris-Dakar-Cairo, afastou-o das primeiras provas do ano 2000.

Quando em 1989 decidiu aventurar-se no mundo do todo-o-terreno sonhava com os títulos que veio a conquistar?

Não, claro que não. Era uma fase muito amadora do todo-o-terreno. Em 1989 comprei um carro, em conjunto, com um amigo meu e conduzíamos os dois. Foi um ano muito atribulado. Depois desde 1990 até hoje comecei a fazer os campeonatos todos. É claro que nunca pensei dar um salto tão grande, quer na minha vida profissional e nas provas, quer ao nível dos patrocinadores. E aqui a Mitsubishi permitiu que Portugal tivesse mais um piloto nacional a disputar provas internacionais, e agora, com a máquina lançada, temos que colher os frutos.

Já nessa primeira prova em que participou obteve uma boa classificação...

Foi isso que me levou a investir, sozinho e sem patrocinadores, num UMM para disputar o Troféu daquela marca, em 1990. Ainda assim, consegui classificar-me sempre entre os três primeiros, facto que nos permitiu conquistar bons prémios monetários, o que possibilitou disputarmos o troféu sem grandes dificuldades. Só em 1992 é que comecei a ter patrocinadores e desde aí a minha carreira tem crescido muito, com mais estruturas de apoio.

O Troféu UMM foi, portanto, uma boa escola?

Não tenho dúvidas nenhumas que sim. O Carro não era muito potente, era difícil de conduzir, com linhas estreitas e suspensão de origem. Facto que obrigou a uma condução mais apurada, de forma a tirarmos o melhor rendimento do carro. Por isso, quando nos colocam à disposição um carro como eu tenho hoje é mais fácil conduzir. Tudo depende depois de arriscar mais ou menos. Mas quando se chega ao topo, onde há muitas máquinas iguais, quem teve uma escola como a de UMM, tem mais facilidades em alcançar bons resultados. Esse, é de resto, um facto que está à vista de todos, pois temos os melhores pilotos, como o João Vassalo, que conseguem excelentes resultados nas provas em que participam.

Depois da aposta da Nissan, veio a Mitsubishi. Está satisfeito?

Sim, é uma aposta que nasceu em 1994. Seria, no entanto, indelicado não frisar a Galp, que tem sido um parceiro importante, nestes últimos sete anos. Quando começámos a trabalhar com a Mitsubishi houve uma aproximação tímida, pois já havia uma equipa da marca, que não tinha obtido os resultados esperados. Mas a proposta que nos fizeram foi um pouco diferente, e veio a resultar em pleno, pois dos sete campeonatos disputados, vencemos cinco.

O rali Paris-Dakar é uma daquelas provas míticas em que todos os pilotos gostam de participar. Ainda se lembra da primeira vez?

Claro que sim, foi há seis anos... o tempo passa muito depressa. Fui para lá com poucos apoios, mas a Mitsubishi teve uma vontade muito grande em que eu participasse. Facto que nos valeu algumas críticas, pois houve muita gente que tinha a opinião que antes de se participar no Dakar se deveria participar noutras provas do género, mas mais pequenas. Nessa altura, com um pouco de sorte, e com a estrutura certa, conseguimos obter um bom resultado. Hoje, as coisas são diferentes, pois a participação no Dakar é preparada com um ano de antecedência, e neste momento já estamos a trabalhar nessa prova do próximo ano e noutras que iremos disputar. E no todo-o-terreno tem que se pensar sempre no futuro. Agora, uma coisa é certa, o rali Paris-Dakar é aquela prova em que todos os pilotos sonham participar. Tenho pena que não haja mais portugueses nessa competição.

Até há bem pouco tempo, os pilotos nacionais que participavam nesse tipo de provas tinham por objectivo chegar ao fim...

Isso pode não ser linear. Repare que quando eu participei pela primeira vez nessa prova, prometi à Mitsubishi conquistar um dos três primeiros lugares da categoria T1. Conquistei o terceiro lugar. Em 1997 vencemos essa mesma categoria. Depois começou um dos projectos mais aliciantes da minha vida, enquanto piloto, que passou por desenvolver a Strakar 200. Em termos internacionais ninguém apostava naquele veículo e nós quisemos marcar a diferença. Desenvolvemos esse carro, a partir do carro de série. Nessa altura o objectivo não era vencer, pois estávamos a desenvolver o veículo. Ainda assim, não entrei na prova com o objectivo de chegar ao fim, mas com a intenção de fazer alguma coisa notória, pois a partir do 10º lugar, é tudo igual. Durante dois anos tivemos problemas com o carro, mas a experiência obtida permitiu que, no terceiro ano, o nosso carro vencesse o campeonato nacional e a primeira prova do campeonato do mundo. Mas voltando um pouco atrás, eu nunca disse que iria ao Dakar para chegar ao fim, mas sim para marcar uma posição. No primeiro ano tentei fazer o melhor possível. Depois tivemos o acidente, e este ano lutámos pelos primeiros lugares.

A participação numa prova como essa exige uma preparação física apurada?

No ano passado, devido ao acidente estive no Hospital em sessões de fisioterapia. Depois estive aos cuidados de um professor de educação física, e este foi o Dakar em que me senti em melhores condições físicas. Em traços gerais, treinei uma hora e meia por dia. Para o campeonato nacional os treinos são mais ligeiros. Neste momento estou de férias, mas ao longo deste mês iremos recomeçar com os trabalhos.

Em traços gerais, como é que é o dia-a-dia do Paris-Dakar. Quais os principais obstáculos?

Depois do pequeno almoço fazemos uma etapa, que pode chegar às oito horas de condução. O importante nesta prova é chegar depressa, de forma a podermos descansar o mais possível. Outro factor importante é a alimentação, pois há um grande desgaste. Nos primeiros dias descansar torna-se difícil, pois temos que nos habituar a um ambiente diferente do habitual, além de combater a ansiedade. Durante a prova também temos que acompanhar a Imprensa, pois os jornalistas estão lá para fazerem o seu trabalho. 

Foi numa dessas provas africanas que sofreu o acidente que o afastou das corridas durante algum tempo. Quando regressou aos treinos não teve receio de voltar a entrar dentro do carro?

Se isso tivesse acontecido teria que abandonar a competição. Felizmente essa situação não surgiu, pelo que na primeira prova que efectuei após o acidente, discuti o primeiro lugar com o João Vassalo até ao final, e no campeonato também lutei sempre pela primeira posição. 

O nacional de ralis de todo-o-terreno está efectivamente mais competitivo?

Sem dúvida. Em 1987, quando fiz a minha primeira prova o Baja Portalegre, com UMM, demorei quase 24 horas a percorrer a prova. Nessa altura havia cerca de 200 concorrentes, mas já se falava que teria que haver uma selecção de pilotos. Neste momento temos um campeonato super-competitivo, onde me orgulho de participar.

Isso deve-se também ao investimento feito pelas diferentes marcas de carros?

Claro que sim. Hoje o campeonato de Portugal é mais competitivo que a Taça do Mundo. Pois no nacional nós temos as três principais marcas em disputa pelo título.

E os jovens têm aderido à modalidade, ou é difícil entrar-se neste mundo?

Bem eu entrei sozinho, nunca tive ninguém na família que tivesse praticado o todo-o-terreno, pelo que não vejo porque é que tem que haver esse preconceito. Já me têm pedido, por diversas vezes, para acompanharmos o piloto A ou o piloto B. Eu nunca fui acompanhado e cheguei onde cheguei, pelo que os jovens só têm que tentar a sua sorte!

Mas enquanto no nacional de ralis existe o campeonato de promoção, para os jovens pilotos, no todo-o-terreno isso não acontece...

Esse campeonato seriam os troféus, como o UMM, onde é mais fácil aparecerem novos valores. Para os iniciados torna-se menos difícil começarem pelos troféus, do que entrarem directamente em provas como o campeonato nacional. Mas ainda assim vão aparecendo troféus, com custos mais reduzidos.

E o público tem cumprido as normas de segurança?

Portalegre é sem dúvida a prova rainha do todo-o-terreno no que respeita à presença do público. Mas o todo-o-terreno tem classificativas muito mais extensas que as dos ralis normais, pelo que o público está mais distribuído. Mas de uma maneira geral os espectadores têm-se comportado de forma regular. A única excepção é nas zonas de assistências.

Portugal terá capacidade para realizar uma prova semelhante ao Paris Dakar?

Nós já tivemos a Transportugal, com a duração de uma semana. Tratava-se de uma prova com bastante valor. Em Portugal é difícil fazer uma prova totalmente realizada no nosso País com essas características, pois as classificativas têm que ser muito extensas e o País não é grande. Agora seria muito simpático a realização de uma prova com partida em Portugal, passagem por Espanha e com o final em África. 

Os seus projectos continuam a passar pela Mitsubishi?

Sim. Ano após ano vamos reforçando a nossa confiança, até porque em equipa que ganha não se mexe. A Mitsubishi tem o condão de ter lançado pilotos portugueses a nível internacional, o que tem sido muito gratificante.

 

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