Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº37    Março 2001

Entrevista

OSVALDO FERREIRA

Um maestro em Berlim

Natural de Paços Brandão, Osvaldo Ferreira é um dos jovens maestros portugueses. Assistente do maestro Cláudio Abbade, na Orquestra Filarmónica de Berlim, Osvaldo Ferreira considera estar neste momento a viver no local mais importante do mundo na área da música. Director musical da Orquestra de Jovens de Santa Maria da Feira, aquele responsável participou, no último mês de Fevereiro num seminário realizado pela Escola Superior de Artes Aplicadas, em Castelo Branco. Uma iniciativa que classifica como fundamental para o desenvolvimento da capacidade dos alunos de música, “pois nem todos podem ser solistas, há muitos que vão integrar orquestras”, explica.

Com o diploma de pós-graduação e performance, em direcção de orquestra, curso que concluiu no Conservatório de S. Petersburgo (foi na rússia que trabalhou com Alexander Palichuk e Leonid Kortchumar), Osvaldo Ferreira é também mestre em direcção de orquestra, um título atribuído pela Northwestern University de Chicago. Em Portugal tem desenvolvido diversos projectos, como acontece com a Orquestra de Santa Maria da Feira e o Festival Internacional de Música daquela cidade. A trabalhar desde Setembro do ano passado com o maestro Cláudio Abbade, na Orquestra Filarmónica de Berlim. 

Numa conversa calma, que antecedeu o concerto em Castelo Branco, Osvaldo Ferreira fala do Porto Capital da Cultura e da evolução que o ensino da música teve em Portugal. Para o jovem maestro, “nos últimos 10 anos, Portugal recuperou trinta anos de atraso no que respeita ao ensino da música. Mas ainda há 15 ou 20 anos para recuperar. De qualquer modo, se esta dinâmica se mantiver poderemos recuperar esses 20 anos, nos próximos cinco”. Osvaldo Ferreira sublinha mesmo o papel de escolas como a Superior de Artes de Castelo Branco: “é com o aparecimento de escolas, como a Esart, e de pessoas com muito entusiasmo e também com a continuidade do trabalho de base que está a ser feito nas escolas em todo o País, que o tempo perdido se pode recuperar. Neste momento a maioria das escolas está cheia, o que permite que surjam novos talentos em Portugal”.

Mas no entender de Osvaldo Ferreira, depois de detectados os jovens talentos, “é preciso prepará-los e trabalhá-los. É aí que entram os profissionais do sector, que têm que ser dedicados e interessados, pois é preciso ter-se um dom especial para se ser um bom professor de música”. Apesar do crescente número de jovens nas escolas de música, os melhores intérpretes e alunos nacionais acabam por sair do País para prosseguirem os estudos. “Houve um envelhecimento muito grande na classe em Portugal. Anteriormente tivemos uma vaga de maestros, como Álvaro Cassuto, o falecido Silva Pereira, ou o maestro Ivo Cruz. Depois houve um grande vazio. Agora, há de facto uma nova geração e o facto de estarmos no estrangeiro, prende-se com a formação que muitos ainda estão a receber, o que não significa que não queiram regressar. Mas nem sempre as oportunidades surgem, até porque em Portugal não existe o chamado circuito dos jovens maestros, onde eles poderiam aperfeiçoar-se de forma a tentarem chegar às grandes orquestras”.

O segundo aspecto que justifica a saída dos talentos nacionais para o estrangeiro deve-se “ao facto das oportunidades, que por vezes surgem, serem tão boas que nós não podemos recusar. É que também ninguém faz nada por nós”, explica Osvaldo Ferreira, enquanto esclarece que “não se trata de maldade ou que ninguém queira ajudar. Trata-se isso sim de um problema de tempo”. 

ESCOLAS. Osvaldo Ferreira foi um dos maestros que também saiu do País para estudar. No Conservatório de S. Petersburgo fez uma pós-graduação, e nos Estados Unidos concluiu o mestrado em direcção de Orquestra. “Não há grandes diferenças entre essas duas escolas. Os russos, no final do século XIX – início do século XX, foram o expoente máximo a todos os níveis, desde a pedagogia aos grandes mestres e intérpretes. Depois da 2ª Grande Guerra registou-se um grande êxodo total, sobretudo dos judeus russos, para o centro da Europa e para os Estados Unidos. Como os americanos têm muito dinheiro e instituições, importaram aquilo que havia de melhor escola russa”, diz.

O maestro português lembra também que ainda hoje “todos os artistas russos que surgem e que se destacam continuam a fugir para outros países. Pois na Europa há nações que já estão à frente da Rússia”. Ainda assim, a ida de Osvaldo Ferreira para a ex-união soviética foi um passo importante na sua formação. “Tive a possibilidade de estudar com um dos grandes dinossauros da música, Ilya Mussin, que na altura tinha 93 anos. Foi o maior pedagogo de direcção de orquestra do século XX, com o qual eu tive a felicidade de trabalhar”. De qualquer modo, Osvaldo Ferreira esclarece que “as realidades entre a Rússia e os Estados Unidos são completamente diferentes. Enquanto a Rússia tem um poço sem fundo de talento, a América, além de ter esse talento tem também os meios e não olham a meios para terem o melhor”.

BERLIM. Quando foi entrevistado para assistente do maestro Cláudio Abbade, da Orquestra Filarmónica de Berlim, e lhe disseram que ele seria o escolhido, Osvaldo Ferreira nem queria acreditar. “A entrevista não esteve muito relacionada com os aspectos musicais, mas sim com a vertentes intelectual de um modo geral, e de personalidade. Mal terminou a entrevista ele disse-me que me queria lá no final do mês de Agosto”. O maestro português nem queria acreditar: “senti-me muito feliz e um privilegiado. Quando saí do edifício tive vontade de voltar atrás e perguntar-lhe se era mesmo verdade”. A experiência em Berlim está a revelar-se positiva. “Tenho conhecido uma grande quantidade de bons músicos internacionais, novos «managers» e agentes. Estar no sítio mais importante do mundo é uma bola de neve”.

Para Osvaldo Ferreira o aparecimento de novas orquestras em Portugal poderá ser um processo complicado. “O País não tem muito dinheiro para gastar em cultura. Mas há uma questão que me preocupa, que passa pela opção a tomar, pois vejo que nalguns casos o dinheiro poderia ser mais bem aplicado na área da música”. A criação de uma rede nacional de orquestras jovens é, no entender de Osvaldo Ferreira, fundamental. O jovem maestro português é também responsável pela Orquestra de Jovens de Santa Maria da Feira. “Trata-se de um projecto inédito no País, porque a autarquia, sem qualquer apoio do Governo, decidiu fazer essa aposta. E os resultados são muito animadores, pois ao final de quatro anos, a orquestra é já uma banda sinfónica, que envolve 100 jovens”.

O projecto da Orquestra de Jovens tem permitido que muitos jovens entrem para o ensino superior, com níveis qualitativos que “lhes permite candidatarem-se a escolas no exterior e a estágios com grandes professores”. Por isso, Osvaldo Ferreira refere que “é um projecto onde os responsáveis portugueses deveriam pôr os olhos”, e lembra que “continua a faltar em Portugal uma orquestra de jovens que pudesse apurar os melhores alunos nacionais, premiá-los com bolsa de estudo e possibilitar-lhes a participação em festivais de músicas internacionais”. Aquele responsável recorda mesmo que “no ano passado quando cheguei a Berlim tinha terminado o festival de orquestras de jovens da Comunidade Europeia e o nosso País foi o único que não esteve representado”.

 

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