Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº37    Março 2001

Entrevista

ANTÓNIO BRAGA, PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE EDUCAÇÃO

Formação contínua é urgente

António Braga defende que devem ser as instituições do Superior a realizarem a formação contínua. O presidente da Comissão Parlamentar de Educação, em entrevista ao «Ensino Magazine» traçou o quadro do sector e apontou as vantagens da nova Lei de Ordenamento do Superior. Para acabar de vez com os «caos e erros» do passado e introduzir mais qualidade e rigor na gestão das escolas.

Qual a principal legislação preparada no âmbito da Comissão Parlamentar, ao nível da Educação?

Fizemos a Lei de Ordenamento do Ensino Superior que é um instrumento decisivo no sector. No balanço a que procedemos desse nível educativo, constatámos que estava instalado um caos, quer no livre licenciamento concedido, durante anos, a escolas privadas, sem o mínimo de regras, que estabilizassem a oferta. No sector público, havia a disponibilização paralela de uma grande quantidade de cursos. Com a referida Lei de Ordenamento, criaram-se normas de referência que, por um lado, vão obrigar o Estado a adoptar critérios fundantes quanto ao funcionamento de novos estabelecimentos de ensino superior e, por outro, em relação aos cursos.

Como é que a nova legislação aborda o binómio universidades/ politécnicos?

Os politécnicos têm de assumir a vertente de integração no desenvolvimento regional, na formação de quadros médios e superiores, numa componente mais técnica. Compete-lhes , dessa forma, contribuir para o esforço de desenvolvimento de cada zona. Quanto às universidades, possuem uma banda mais larga, cursos clássicos com uma componente fortemente académica. A co-existência deste binómio foi assinalada na Lei de Ordenamento.

Há outras matérias pendentes?

Sim. Está a ser analisado um Projecto de Lei apresentado pelo PSD sobre apoio à expressão musical e dramática na Educação Pré-Escolar e no 1º Ciclo do Ensino Básico. Encontra-se, igualmente, em estudo uma proposta que define o número máximo de alunos por turma do ensino público não superior, oriunda do PSD. Há também um Projecto de Lei do CDS/PP que altera o estatuto dos estudantes dos estabelecimentos públicos dos ensinos Básico e Secundário (relacionada com a organização disciplinar das escolas).Existe, ainda, outro do CDS/PP que pretende criar o Observatório da Violência Escolar. Estas são as principais matérias que estamos a analisar, na área educativa. Há também várias propostas de resolução , relativas a aprovação de tratados nos domínios da Cultura, do Desporto e da Cooperação. Realizámos recentemente um debate sobre a questão da revisão curricular, que, por proposta do PCP, visava não ratificar o Decreto-Lei que foi aprovado em Conselho de Ministros sobre a matéria. Esta proposta foi rejeitada em plenário e, portanto, não chegou a descer para a Comissão para análise na especialidade.

Qual a importância das instituições do Ensino Superior no desenvolvimento das regiões do interior do país?

Podem ter um papel de motor do desenvolvimento económico das respectivas zonas. Aveiro e Braga são exemplos de cidades que beneficiaram com a criação aí de universidades ,em termos de atracção de quadros. Quando a Assembleia da República aprovou a Lei de Autonomia dos politécnicos, pretendeu lançar os instrumentos legais para que se instalassem e tivessem o seu grau de autonomia adequado às necessidades, justamente, de inserção no desenvolvimento regional. Tudo numa óptica de potenciação da formação de especialistas em zonas um pouco deprimidas dos pontos de vista populacional e do desenvolvimento sócio-económico. Os politécnicos e as universidades permitem que em cada região se recrutem os quadros das empresas que aí se instalem. Há um impulso ao progresso para romper o ciclo do atraso de muitas zonas do país. Nada melhor do que o Ensino Superior para atrair às regiões quem investe, porque, muitas vezes, os incentivos concedidos pelo Governo às empresas em áreas deprimidas, em termos da sua capacidade de industrialização, não bastam por si. Há mais valias das instituições universitárias e dos politécnicos, mesmo em termos de trazer às zonas mais desfavorecidas alunos provenientes de regiões distantes. A existência de “numerus clausus” faz com que ocorra a deslocação de jovens estudantes de umas áreas para outras. Estas escolas são um pólo de atracção de quadros exteriores à respectiva região, como a realidade tem demonstrado.

A evitar, no entanto, a proliferação indiscriminada de universidades e politécnicos?

Sim. Não devem ser criados desgarrados de projectos especialmente educativos e visando fornecer uma formação adequada. Os politécnicos estão mais vocacionados para, em pequenas unidades, se espraiarem mais pelo país e, neste sentido, cumprirem mais a sua missão de integração no desenvolvimento regional. Esta foi uma das vertentes consideradas com muita força na nova Lei de ordenamento do Ensino Superior.

A cultura portuguesa não é ainda dominada, mesmo na classe política, pela concepção de que as universidades são mais importantes do que os politécnicos?

É uma questão interessante e com bastante relação com a realidade. Criou-se, infelizmente, a ideia de que os politécnicos serão uma espécie de universidades de segunda. Nada mais errado. Temos que combater essa concepção por razões de seriedade, rigor e de enquadramento. O Politécnico é , inegavelmente, Ensino Superior, tem todas as suas características. Mas, possui uma finalidade diferente das universidades, mais ligadas a uma vertente científica. A riqueza e a qualidade dos currículos dos politécnicos são idênticas às das instituições universitárias, se não mesmo, nalguns cursos, superiores. Não há que realizar comparações, no fundo em termos de estatuto social.

Trata-se de adaptar as instituições a novas realidades?

Já quase não é possível uma pessoa iniciar a sua vida laboral numa profissão e terminá-la na mesma profissão. A mutação rápida dos materiais, mercados e inovações tecnológicas introduzem novos desafios. Nada melhor para isso do que ter escolas que dêem uma formação especializada mas ela própria capaz de se reformular. Os institutos politécnicos hão-de responder aos desafios de desenvolvimento, criando os cursos consoante as necessidades, extinguindo aqueles que a realidade exigir. Não faz muito sentido criar cursos para o desemprego. Este é, aliás, ainda, um problema que Portugal não ultrapassou. Falta ao país a cultura da avaliação do que foi feito e do que é preciso realizar. O governo já criou as faculdades de Medicina de Braga e da Covilhã, mas todos concordamos que nascem com 15 a 20 anos de atraso. Para poder acorrer às necessidades do mercado de trabalho temos de saber perspectivar uma avaliação do presente relativamente ao que poderá suceder no futuro. Devemos estar atentos à urgência social de determinadas profissões em termos das formações que são adequadas disponibilizar. É preciso criar os mecanismos de avaliação e de previsão indispensáveis, o que não foi feito em Portugal.

O país está agora a pagar a factura disso?

Exactamente. Estamos a sentir a premência de o fazer, mas pagando um pouco caro. Os portugueses, na área educativa, concretamente, têm de saber organizar-se de acordo com as suas necessidades. Há professores em excesso em muitas áreas, mas continua a formar-se uma grande quantidade deles nalgumas instituições de Ensino Superior. Evidentemente que têm de prosseguir a sua acção, mas é preciso conhecer, com rigor, as necessidades a médio e longo prazo, para evitar os erros passados. E também para darmos boa conta do dinheiro dos contribuintes. O Estado realiza um enorme esforço financeiro no Ensino Superior e deparamo-nos com becos sem saída.

A planificação que refere permitirá ao Estado não homologar certos cursos?

Sem dúvida. Respeitamos a autonomia universitária, mas esta não poderá ser um escudo para que se criem cursos sem saídas profissionais, nem mais valias para o desenvolvimento do país.

Qual o sistema de formação contínua de professores que preconiza?

É um elemento essencial no sistema. Aproveitando os fundos comunitários elaboraram-se diversos modelos de formação. Defendo as universidades e politécnicos devem realizar essa formação, através de protocolos celebrados entre as instituições e o Ministério da Educação. Não significa que os centros de formação não tenham mérito, mas creio que o peso que o objectivo de progressão na carreira tem é algo excessivo em relação ao interesse apenas formativo. Nas instituições do Superior, a troca de experiências com outros docentes é muito benéfica.

Como explica que tendo Portugal das taxas mais baixas de licenciados da União Europeia, possua um número significativo de licenciados desempregados?

A esmagadora maioria dos licenciados em certas áreas , como as Línguas e Literaturas e a Medicina, são empregues pelo Estado. No sector privado, especialmente nas regiões mais desfavorecidas, ainda temos empresas de tipo familiar que empregam muita da mão-de-obra do nosso país. É possível que este factor esteja na base de um profissionalismo mais forte no sentido de adquirir pessoal com formação elevada. No entanto, creio que estamos a dar passos significativos no sentido de alterar este quadro, sobretudo em determinadas zonas como o Vale do Ave e Setúbal. Até porque as empresas para acederem a certos fundos comunitários, têm de possuir profissionais bem qualificados. Estamos num momento de viragem. Está a crescer uma empatia e colaboração entre as unidades empresariais e as universidades e politécnicos.

Uma alteração de mentalidades, então…

Certamente. É uma matéria em que não basta legislar. Há modelos culturais relacionados com um passado recente, antes do 25 de Abril de 1974, que ainda não foram completamente ultrapassados. Mas, com estímulos e incentivos, os problemas irão sendo resolvidos. Ao longo dos anos tem se vindo a consolidar uma cultura de responsabilização das instituições do Ensino Superior na construção do seu próprio devir. Por outro lado, apesar de nos confrontarmos com a referida ausência de conhecimento das necessidades do país, o balanço tem de ser muito positivo. A fasquia, em termos deste nível de ensino, era tão baixa que tal evolução se afigurava inevitável. É preciso, agora, mais rigor e qualificação no superior, quer no domínio público, quer no privado. Na minha visão, o privado tem uma função supletiva ou complementar do sector público.

É a aposta da qualidade depois da prioridade ao aumento de alunos a frequentarem o Ensino Superior?

Sem dúvida. A qualidade deve ser resultante de maior exigência e rigor, aos mais diversos níveis: nas qualificações, nos currículos, nas aprendizagens. E, por isso, maior qualidade também nos equipamentos, nos recursos humanos das instituições e um melhor aproveitamento dos mesmos. A maior exigência deriva de uma necessidade com que nos deparamos na nossa vida quotidiana. Há custos sociais grandes de trabalhadores que, quando fecham as empresas onde laboravam, não possuem qualificações para se adaptarem a outras actividades.

Acabou a criação indiscriminada de novos cursos e universidades privadas um pouco por todo o país?

Creio que sim, o actual Governo estancou essa tendência. Mas, houve um período em que tudo era permitido a todos, incluindo cursos de “vão de escada” ou de curtíssima duração. Pensamos que tal ciclo está a encerrar, pode ser compreensível, mas não é aceitável. Não se devem banalizar as formações dos alunos. 

Que modelo de financiamento defende para o Ensino Superior?

Registou-se uma grande evolução nesse domínio. O Governo definiu duas prioridades centrais do sistema de ensino, colocadas nas suas extremidades: o Pré-Escolar e o Superior. Em relação ao primeiro, em 2004/2005, Portugal estará coberto a cerca de 95 por cento, o que é muito bom em termos europeus. O Ensino Superior cresceu muito. Em 1995, o orçamento do Ministério da Educação era de cerca de 635 milhões de contos. Passados seis anos, no último Orçamento de Estado aprovado, esse valor subiu para 1365 milhões. É um grande esforço. Foi um aumento brutal. As verbas para o Ensino Superior têm subido, em média, 10 a 12 por cento, anualmente. O orçamento disponível pode não ser ideal. Mas, é preciso caminhar para o chamado orçamento-padrão em que o custo por aluno e por curso esteja de acordo com uma média. As universidades estão todas a trabalhar neste sentido. Procura-se que o preço médio por aluno seja optimizado segundo os recursos disponíveis. Mais dinheiro mas melhor rentabilizado é a aposta. O Ensino Superior já atingiu uma quota assinalável em termos de oferta de cursos. Há que ter em conta que um dos problemas graves dos nossos estudantes é, muitas vezes, não acederem ao curso que gostariam, mas àquele para onde conseguem “entrar”. Sabemos que há uns cursos com maior procura do que outros por razões óbvias de empregabilidade e de notoriedade social, mas também de vocação. Há uma situação algo caricata no sistema que consiste em estar no ensino público, que é mais barato do que o privado, os alunos que economicamente mais facilmente poderiam pagar os seus estudos em escolas que não fossem do Estado. É um fenómeno paradoxal. Há uma associação óbvia entre as condições sócio-económicas das famílias e o seu rendimento em termos de aprendizagem, apesar disto não ser assim tão linear. Quem mais tem é mais beneficiado duplamente: tem melhores condições para ter melhor aprendizagem. Daí deriva notas mais elevadas e maior facilidade em entrar no sistema público. Há famílias de alunos do privado e cooperativo a realizarem esforços enormes, às vezes, com estimativas vãs. Trata-se de uma grande injustiça social. Daí que se esteja a investir na acção social escolar a quem estava a ser vítima de tal situação. Uma propina no sector privado custa, em termos genéricos, num mês o que no público custa em um ano, embora haja diferenças consoante os cursos.

Os meios financeiros para o Ensino superior são, pois, adequados?

Mesmo o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas reconhece que assim é. A questão agora está em que cada escola cumpra os seus objectivos. A autonomia universitária tem de ter em atenção que o país não pode disponibilizar todos os recursos para as instituições do superior e há que ter rigor na aplicação das verbas investidas.

Há mecanismos eficazes de fiscalização da gestão desses recursos financeiros?

A Inspecção-Geral de Educação tem competências para em sede de auditorias poder realizar o balanço técnico-científico do mérito de aplicação dos dinheiros públicos.

Defende a atribuição de incentivos às escolas que melhor cumprirem tal objectivo?

Na minha óptica, o melhor incentivo que podem ter é ganharem bom nome no “ranking” dos estabelecimentos de Ensino Superior. Há certos cursos de certas instituições que granjearam um prestígio que outros não alcançaram. Os portugueses devem conhecer o resultado da aplicação dos investimentos feitos nas escolas. Não se lhes exige devoluções de verbas de acordo com o orçamento-padrão que for encontrado e isso já é um prémio. Tais verbas, nesses casos, poderão ser geridas da forma que as instituições melhor entenderem, uma vez que já terão dadas provas do mérito do seu trabalho.

A investigação realizada nas escolas deve ser melhor conhecida?

Sim, não apenas os resultados das pesquisas, como também a relevância dos trabalhos efectuados. É uma exigência que devemos ter enquanto políticos e contribuintes, para bem das instituições, dos próprios investigadores e do país, no seu conjunto. Os trabalhos só podem ser reconhecidos se forem primeiramente conhecidos claramente
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Jorge Azevedo

 


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