Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº41    Julho 2001

Entrevista

ALEXANDRA BORGES, JORNALISTA DA TVI

O futuro são as grandes reportagens

Alexandra Borges ganhou um prémio com uma sua reportagem “de choque” sobre a eutanásia. A jornalista da TVI realizou um trabalho sobre o caso da criança portuguesa que morreu à fome na Suíça, que bateu todos os “records” de audiência. Em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», relatou essa e outras experiências de quem já esteve em guerras e viu crianças morrerem. Alexandra Borges defende que o futuro da informação televisiva passa por aquilo que mais gosta de fazer: as grandes reportagens de investigação

A sua reportagem sobre o tema da eutanásia foi distinguida pela Santa Casa da Misericórdia. Que significado atribui ao prémio?

É um reconhecimento profissional que é sempre bom que aconteça. Vermos aquilo que fizemos valorizado é agradável para todos os elementos da equipa que trabalhou em conjunto para que o produto final fosse o melhor possível. No entanto, importa sublinhar que não se trata de galardoar uma carreira – tenho muito mais para aprender e fazer no jornalismo – mas apenas um trabalho concreto. Do ponto de vista mais pessoal, a reportagem sobre a eutanásia lançou-me novas dúvidas. Compreendi que pessoas que para mim, até aí, estavam apenas a sobreviver no meio de dores intensas, para elas, o que estava em causa era viverem no sentido mais essencial que isso pode significar e dentro das suas possibilidades e limitações. As nossas ideias de partida são abaladas perante o contacto directo com os casos concretos. São situações que nos desafiam profundamente, mexendo com as aparentes certezas que julgamos possuir, antes de nos confrontarmos com as realidades concretas.

Um outro trabalho recente, sobre o caso da criança filha de uma portuguesa que morreu de fome na Suíça, bateu todos os “records” de audiências televisivas. Que impacto poderá ter tido no público?

Eu sabia que alcançaria audiências elevadas, porque as pessoas queriam conhecer muito mais sobre o caso. Estavam perplexos com o que se passou e interrogavam-se acerca dos motivos da morte daquela criança inocente. No entanto, o número de pessoas que poderia assistir à reportagem não era um aspecto que me preocupasse. Na minha perspectiva, importava sobretudo contar a “história” com uma profundidade que os noticiários normais não conseguem alcançar.

Não sentiu alguma revolta ao fazer esse trabalho?

Revolta-me o facto de ter havido tanta gente envolvida e ninguém ter ajudado a criança. Não tenho dúvidas de que fora da cadeia estão pessoas tanto ou mais criminosas do que a mãe da miúda. A criança foi uma heroína. Foi o trabalho da minha vida profissional que mais me marcou até agora e repare que já estive em guerras, já vi crianças e adultos morrerem nesses cenários. Mas, neste caso o mais chocante foi a indiferença de tantas pessoas perante a necessidade de ajudar aquela menina. Em termos de impacto público da reportagem, penso que nos questionou a todos sobre a falta de comunicação de cada dia que passa, as indiferenças e desatenções perante o nosso semelhante, a insensibilidade face aos mais vulneráveis. Para além disso, fui contactada para testemunhar no processo, de que a reportagem também passou a fazer parte. Este facto revela bem da importância do trabalho para o próprio apuramento do que aconteceu. Só espero que, de facto, se faça justiça e que os inquéritos levem à responsabilização de quem é culpado, mesmo que por omissão de uma actuação concreta. Quando cheguei da Suíça, estive uma semana sem conseguir dormir ou comer bem. Creio que nunca esquecerei este caso. A própria CNN – para onde colaboro - já me pediu um pequeno resumo de três minutos sobre este caso.

Como encara o seu trabalho no programa «112» sobre a criminalidade e problemas de insegurança?

Não poderei afirmar, com verdade, que é o tipo de trabalho mais motivante que poderia realizar, mas foi-me pedido executá-lo e faço-o o melhor possível com o profissionalismo que o programa merece. Contudo, não hesito em reconhecê-lo, é nos trabalhos de investigação que me sinto “como peixe na água”. Gosto de “escavar” o mais fundo possível nos assuntos.

O futuro da informação televisiva passa pelos grandes trabalhos?

Certamente. Os telejornais não têm tempo suficiente - nem é essa a sua vocação – para aprofundarem os mais variados temas. No entanto, defendo a ideia de que em Portugal se realizam demasiadas reportagens grandes (em tempo de transmissão) e poucas grandes reportagens, ou seja, com elevada qualidade e substância. Lembro-me de ter feito há pouco uma reportagem para a TVI intitulada “gémeos à força” sobre um caso de uma criança gerada a partir de inseminação artificial, no qual se colocava o problema de se saber como determinar a verdadeira mãe. Ao princípio, quando me propus investigar esta situação, ocorrida nos Estados Unidos, disseram-me que talvez não fosse interessante, porque não se tratava da realidade portuguesa. Na minha perspectiva, os casos valem por si, independentemente do local onde se desenrolem. Tinha razão. A reportagem foi realizada, transmitida e foi um sucesso de audiências.

Recuando no seu percurso, após a Licenciatura em Comunicação Social, quais foram as experiências profissionais que teve?

Ainda enquanto estudava nesse curso, já estava a trabalhar na Televisão Espanhola (TVE). Mais tarde, ingressei na RTP onde aprendi mais de jornalismo televisivo, mas que não tinha nenhum desafio para mim, que estivesse de acordo com aquilo que, afinal, me preenche melhor: os trabalhos de grande investigação. Foi isso que a TVI me propôs. Considero, aliás, fazendo um balanço neste ano e meio que levo da estação, que me sinto realizada com o que tenho tido a oportunidade de fazer na TVI. Pelo caminho ficou um período de quatro meses na CNN, onde também aprendi bastante a trabalhar em televisão. É uma estação onde é possível retirar importantes ensinamentos e se fazem trabalhos de elevada qualidade. Contudo, nunca fui uma pessoa que me deixasse deslumbrar pelo facto de trabalhar lá, até porque também se lá faziam “peças” jornalísticas muito fracas. Apesar de dominantes, não havia apenas trabalhos muito bem feitos, importa ter isso em atenção.

Que avaliação faz da sua actividade enquanto professora de Jornalismo?

Sem dúvida, é extremamente positiva. Leccionar, para mim, foi uma opção. Tenho vindo a encontrar nos alunos muito bom material humano para o exercício da profissão, embora haja alunos que pensam que ser jornalista é pôr uma gravata e ir para as frentes das câmaras apresentar telejornais e essa é apenas uma pequena parte do trabalho possível. Por outro lado, na minha concepção, só deveria ser “pivot” de noticiários quem já passou pelo “terreno” e fez entrevistas, reportagens, “peças” normais, enfim…um pouco de tudo o que se pode realizar neste meio. Tem de ser um profissional completo. É o que sucede no estrangeiro; em Portugal é que se vulgarizou a ideia de colocar pessoas muito jovens a apresentar telejornais. Ser jornalista implica persistência, vocação, motivação e uma grande curiosidade pelo mundo que nos rodeia. Infelizmente, no nosso país, neste momento, é sobretudo uma moda, mas que há-de passar. Creio que nessa altura haverá mercado de trabalho para os jovens profissionais que reunam tais condições e não estejam atrás de falsos mitos do jornalismo. Em todo o caso, penso que têm entrado bons jovens jornalistas na profissão, embora, naturalmente, ainda tenham muito para aprender. Aliás, como os mais velhos!

Da sua carreira até agora, que momento destacaria?

Fala-se muito da força da imagem dos jornalistas das televisões. Marcou-me muito o facto de uma vez, quando me preparava para pedir um bilhete de avião, uma senhora ao ouvir o meu nome me ter dito que apreciava bastante o meu trabalho. Referiu um conjunto de “peças” que eu tinha feito e que acompanhava o meu percurso profissional desde os tempos da RTP. O mais interessante foi que me identificou não pela minha figura, mas pelo nome… que ficou como uma espécie de marca e isso é extremamente gratificante. Percebermos que somos apreciados pelo que fazemos, não pela imagem que a televisão transmite. Foi um momento que permaneceu na minha memória.

Jorge Azevedo

 


OS CASOS HUMANOS

Quando a memória dói...

Há momentos assim, em que a memória nos faz doer. Por mais que se tente, não se consegue esquecer pessoas cujo sofrimento nos atormenta. Sobretudo quando está em causa crianças é tudo mais custoso.

Foi o que sucedeu a Alexandra Borges. Apesar de habituada a cenários dramáticos de guerra e fome, não resistiu ao impacto de um caso de uma criança portuguesa que morreu à fome e à sede, fechada na casa dos pais, num dos países mais evoluídos da Europa e do Mundo, a Suíça.

Contrasenso num mundo que avança cada vez com menos sentido. Como sentido não teve esse caso, quando tanta gente poderia ter evitado o drama que abalou suíços e portugueses – os de lá e os de cá.

Numa noite, Alexandra Borges e a sua equipa expuseram na TVI os contornos de algo que parece continuar inexplicável, por mais explicações que se apresentem.

Tal como salientou a jornalista da TVI ao nosso jornal, que este caso e a reportagem realizada sobre o mesmo contribuam para despertar consciências, já que algumas houve que não “acordaram” a tempo de salvar uma criança inocente.

Na permanência das interrogações, talvez o efeito de choque nos faça olhar com mais atenção para o vizinho do lado, os outros por quem passamos sem prestar atenção. É essa a esperança de Alexandra Borges.

JA

 

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