Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº41    Julho 2001

Entrevista

RUI VELOSO COMEMORA 20 ANOS DE CARREIRA

"Música Popular poderá diluir-se"

Rui Veloso não quer misturar-se com os cantores «pimbas». Em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», o artista critica as televisões e rádios por fecharem as portas aos cantores de qualidade e avisa que isso poderá levar à diluição da música popular portuguesa.

Uma carreira internacional não está nos seus horizontes, mas ao nosso jornal deixa uma novidade: o projecto Rio Grande poderá voltar.

Como avalia o momento actual da música portuguesa?

O panorama musical nacional não pode ser desligado da situação em que vive o país. Portugal tem um problema endémico que também afecta o meio musical: a nossa Língua não é suficientemente bem tratada, nem valorizada. A música popular portuguesa corre o risco de se diluir, com as principais estações de rádio que a deviam promover, a recusarem a sua transmissão.

Há, pois, dificuldades acrescidas?

Sem dúvida. As editoras deparam-se com problemas e os artistas e compositores sentem grandes obstáculos para darem a conhecer os seus trabalhos. Nota-se uma certa dificuldade em vender os produtos, porque, muitas vezes, não são visíveis aos olhos do grande público. As rádios nacionais não cumprem a sua função de divulgação dos discos e o meio ressente-se bastante disso, como é natural. As televisões também não ajudam. Querem que os músicos “pimbas” se misturem com os de qualidade e nós, os que nos incluímos neste nível, rejeitamos participar em programas em que os trabalhos que produzimos sejam apresentados associados a um tipo de música que nada se relaciona com a nossa. É uma questão de ética, de afirmação de um determinado conjunto de valores em que fomos educados e que pretendemos preservar na vida. Trata-se de continuarmos a acreditar em certos princípios que são preferíveis à obtenção de dinheiro.

Apesar das barreiras de acesso às TV’s, artistas como o Rui Veloso, Luís Represas e outros mantêm um vasto público…

É verdade. No meu caso – e não apenas no meu – o público existe e continua a acompanhar a evolução da carreira que tenho vindo a construir. Realizo mais de quarenta espectáculos por ano e os meus trabalhos mantêm índices de vendas bastante significativos. O modo como as estações de televisão têm tratado os músicos portugueses de qualidade é absolutamente vergonhoso. E eu nem sequer sou o que tem maiores razões de queixa, há colegas que estão a sentir bastante mais as dificuldades impostas pela comunicação social.

Enquanto outros, como Zé Cabra, são promovidos…

Exactamente. Um dos grandes responsáveis por isso é o Herman José. Convidou para o programa dele pessoas com quem pretendia apenas brincar e o efeito foi o reforço e a promoção de personalidades que, normalmente, não conseguiriam chegar aos media. O mais grave, no entanto, é o tipo de actuação da RTP enquanto prestadora de um serviço público. Não estou contra, por princípio, que transmita música que muita boa gente poderá considerar – justamente, na minha opinião – como não sendo de qualidade. Mas, penso que tem a obrigação de divulgar os diversos estilos musicais existentes e não apenas um e é isso que não tem sucedido. Tenho vergonha do que a estação pública tem feito. O descalabro não é só neste meio, por vezes, sou levado a acreditar que o país vai fechar…

A internacionalização pode ser uma via optativa de futuro para artistas como o Rui Veloso, neste quadro de dificuldades?

Já me tem sido sugerido que faça versões dos meus temas noutras línguas, como em Inglês ou espanhol. No entanto, a minha aposta é em Portugal. É aqui que tenho o meu público. O mal de muitas bandas que têm surgido a cantarem em Inglês é não terem compreendido que a nossa grande riqueza é a Língua Portuguesa; um património extremamente valioso que nos distingue claramente. Por isso, muitos estrangeiros manifestam particular agrado e interesse pelo “portuguesismo” dos artistas que persistem em cantarem na Língua de Camões. Uma carreira internacional não é, pois, algo que esteja nos meus horizontes. Até porque considero que a minha música está muito relacionada com o país e as formas de pensar, vivências e cultura de Portugal. Há uma identidade própria dos trabalhos que tenho sempre realizado que não se desliga das raízes nacionais em que assenta. Por outro lado, não posso deixar de salientar que, em termos internacionais, a concorrência é muito intensa e aguerrida, o que também não é lá muito favorável aos nossos artistas. Seja como for, é óbvio que respeito profundamente a coragem e os objectivos dos músicos nacionais que pretendam conquistar um lugar no panorama internacional. Mas, não é nada fácil e tudo depende, à partida, das metas traçadas em termos de carreira.

No entanto, há exemplos de artistas portugueses que se projectaram, com sucesso, além fronteiras, casos de Dulce Pontes e Madredeus, entre outros…

Se se reparar com cuidado, em todos esses casos e noutros – como no de Mísia - há sempre uma referência básica relacionada mais ou menos directamente com o fado. Ora, como se sabe, esta é a Canção Nacional, que os estrangeiros mais fácil e imediatamente identificam com o nosso país. É um elemento comum aos artistas portugueses com sucesso no estrangeiro.

Tendo sido autor da banda sonora do filme «Jaime», como encara a inter-ligação entre a Música e o Cinema?

A experiência não correu da melhor maneira. A minha música foi usada sobretudo para promover o filme. Sinto que fui utilizado, sem que o realizador me tivesse expressado a consideração que merecia. Não digo liminarmente que nunca mais voltarei a elaborar um trabalho do mesmo género. Mas, da próxima vez (se houver alguma) irei rodear-me de maiores cuidados e cautelas, de modo a que uma eventual nova experiência de fazer uma banda sonora seja mutuamente vantajosa. Infelizmente, não foi isso que se verificou no filme «Jaime». Naturalmente que não posso generalizar o que se passou comigo com aquilo que poderá suceder em relação a outros músicos. É perfeitamente legítimo que tenham projectos de elaboração de bandas sonoras para o Cinema; é preciso é que não sejam apenas os realizadores e os filmes a ganharem com isso, mas que também os músicos usufruam de bons resultados com este tipo de trabalhos.

Que projectos tem em perspectiva para os tempos mais próximos?

Estamos agora no período do Verão em que a aposta forte dos músicos é na realização de espectáculos. Também darei concertos um pouco por todo o país. Depois, em princípio, será altura de parar um pouco e de reflectir sobre qual o caminho a seguir. É algo que também é importante, tendo em consideração que um artista tem de atravessar momentos em que deve olhar para trás, para aquilo que produziu e, retirando daí ensinamentos, preparar novos projectos, bem estruturados e da melhor forma possível É isso o que o seu público espera. Neste momento, ainda não tenho nenhum trabalho musical adiantado, mas é possível que mais para diante surjam novidades a esse respeito.

E em relação ao projecto do Rio Grande, é para reatar, tendo em conta o sucesso de estreia do grupo?

Talvez… É provável que tal aconteça. Pelo menos, para já, estamos todos muito entusiasmados com a possibilidade de lançamento de um novo trabalho do grupo. Temo-nos encontrado em concertos e existe a hipótese de reanimar o projecto que revelou ter “pernas para andar” e uma enorme aceitação junto do grande público. A sua validade está comprovada, mas penso que seria importante voltarmos juntos aos palcos. Não nos falta motivação para o fazermos; logo se verá se haverá todas as condições para concretizar a ideia…De qualquer das formas, confesso que sinto alguma nostalgia pelos Rio Grande e gostaria bastante que pudéssemos regressar em força. Sinto que é isso que o público deseja e creio que a coerência, a força e o sentido do nosso projecto se mantém, hoje, tão válido como no momento em que nos propusemos lançá-lo.

Jorge Azevedo

 


O SENTIR DE UM MÚSICO

Da revolta à esperança

Tem tanto de popular como de acessível. É assim Rui Veloso, o autor de «Porto Sentido», o tema emblemático da «Capital Europeia da Cultura», transformado em verdadeiro hino à cidade «Invicta».
Nas suas palavras, é visível uma carga de revolta pelas “portas fechadas” aos músicos de qualidade, aqueles que utilizam com cuidados sempre redobrados a Língua de Camões.

Para Rui Veloso, esta situação é um sinal dos tempos difíceis…os do meio musical, como os da sociedade em geral, até porque recusa separá-los completamente em compartimentos estanques. Adepto das parcerias entre colegas – o projecto Rio Grande testemunha-o – o intérprete da banda sonora do filme «Jaime» não hesita em apontar os problemas de forma tão crua como verdadeira. Mas, no meio disso, há sempre espaço para a esperança de dias melhores para os músicos portugueses, aqueles que optaram por não se enquadrarem na categoria «pimba». E, claro, persiste o sonho e a magia de quem sabe que o público esse continua lá à espera das letras, sons e melodias que o transportarão na viagem entre a realidade e a ficção de sentimentos, ideias e impressões. Nos percursos musicais, descobrem-se novos mundos e paisagens. E isso é algo que continua a não faltar aos temas do intérprete do «Cavaleiro Andante» e «Não há Estrelas no Céu».


JA

 

Pág. seguinte >>>


Visualização 800x600 - Internet Explorer 5.0 ou superior

©2001 RVJ Editores, Lda.  -  webmaster@rvj.pt