Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº35    Janeiro 2001

Entrevista

ENTREVISTA AO EX-MINISTRO DE CAVACO SILVA

A educação segundo Roberto Carneiro

É engenheiro Químico de formação. Foi ministro da educação entre 1987 e 1991. Conhecedor profundo do fenómeno educativo e formativo em Portugal, Roberto Carneiro aceitou falar ao Ensino Magazine sobre um tema tão vasto como a educação. Uma conversa onde foi analisada a evolução do ensino superior em Portugal, nos últimos 20 anos. Onde o papel dos Institutos Politécnicos, das Universidades e do ensino superior privado também foi discutido. Com ideias concretas, e apesar do tempo correr mais que os próprios ponteiros do relógio, Roberto Carneiro respondeu àquelas e a outras questões, onde o ensino em Portugal foi a chave de todas as perguntas.

Especializado em economia dos Recursos Humanos, Roberto Carneiro foi secretário de Estado da Educação, entre 1980-81, e da Administração Local e Regional, entre 1981 e 83. Em 1987 chega a Ministro da Educação, cargo que exerce até 1991, período em que foram introduzidas algumas reformas no sistema de ensino português.

Do seu vasto currículo destacam-se ainda os cargos de consultor do Banco Mundial, da OCDE, Unesco e do Conselho da Europa. Docente na Universidade Católica Portuguesa e presidente do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa da mesma universidade, Roberto Carneiro, aos 54 anos, é um dos analistas sobre o sector educativo mais solicitado. Também esteve ligado ao aparecimento da TVI, estação da qual foi presidente. Já este mês foi absolvido no caso que o opunha à Justiça Portuguesa onde era acusado de ter despachado favoravelmente o pagamento de cerca de 150 mil contos, a título de subsídios e compensações remuneratórias da antiga Direcção-Geral dos Desportos (mais tarde Instituto do Desporto), quando desempenhava as funções de ministro da Educação. 

Qual a evolução do ensino superior nos últimos 20 anos?

Nas últimas duas décadas verificou-se uma explosão quantitativa do ensino superior em Portugal. Passámos dos quase 100 mil alunos para os 300 mil que hoje existem. Mas, acima de tudo, consolidou-se um sistema binário de ensino superior. O Ensino Superior Politécnico é uma realidade importante no País, a par do ensino universitário que tem 700 anos e que já tinha a sua própria tradição. Em terceiro lugar, o ensino superior cobre a malha geográfica de todo o País. Não há distrito, ou região autónoma que não disponham de boas infraestruturas de ensino superior, não há cidade que seja capital de distrito, ou mesmo secundária, que não disponha de ensino superior, o que é muito positivo. Facto que também nos poderá levar a fazer a crítica de se ter ido longe de mais nesse aspecto quantitativo.

Agora há que melhorar toda essa rede?

Essa é a grande batalha do futuro. Há que consolidar a rede e lutar por uma melhor qualidade. Uma qualidade avaliada e medida, e a aspirar a padrões de comparação internacionais. Nós portugueses não podemos ser paroquiais ou querer ser apenas regionais ou nacionais. Hoje a competição faz-se a nível global, por isso temos que estabelecer padrões que nos coloquem no plano dianteiro e da vanguarda do ensino superior no mundo e na Europa. Penso que nós podemos aspirar a isso, provavelmente não em todas as áreas, nem em todas as escolas. Mas temos que ter essa ambição.

O ensino superior politécnico é um sub-sistema recente. Considera que se estão a atingir os objectivos que levaram à sua criação?

É difícil falar em termos abstractos e gerais, já que cada Instituto Politécnico é uma realidade. Mas de uma maneira geral penso que os objectivos que levaram à criação do ensino superior politécnico, em 1973, ainda no tempo do Dr. Veiga Simão, e depois reiteradamente afirmados na lei de bases do sistema educativo 46/86, os institutos politécnicos afirmaram-se no País. Foram o grande motor de desenvolvimento das respectivas regiões, como acontece por exemplo em Castelo Branco. E o que seria deste distrito e de outros do interior, sem os Institutos Politécnicos, no que respeita ao desenvolvimento industrial, dos serviços e das artes, por exemplo.

Foi essa evolução que promoveu uma certa clivagem entre Politécnicos e Universidades?

O uniformismo, sobretudo ditado por razões burocráticas e por um centralismo da Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, não é saudável para o País. Por isso, considero que a concorrência entre os vários sub-sistemas é benéfica para o País. As Universidades aprenderam muito com os Politécnicos, e até estão a procurar vias mais profissionalizantes e podem aprender mais com os politécnicos, pelo que podem, acima de tudo, cooperar melhor. Não vejo que a Universidade da Beira Interior perca em colaborar com os politécnicos da Região, casos da Guarda, Castelo Branco e Viseu. Por outro lado, os politécnicos também têm vantagens em colaborar com as universidades, por exemplo na qualificação do seu corpo docente, em mestrados e doutoramentos, para se encontrarem formas de excelência e de pós-graduação que temos urgentemente que estruturar no País. Não convém esquecer que a pré-graduação está massificada no País, onde temos 300 mil alunos, os índices de penetração na pré-graduação são normais, pelo que temos que avançar na pós-graduação, na excelência e na investigação, sem colocar em causa a autonomia de cada uma das instituições.

O Conselho Coordenador dos Politécnicos considera que devem existir regras e critérios objectivos para que os curso de pós-graduação seja aprovados...

Essa é uma guerra antiga, a de saber se os graus de mestre e doutores devem ser privativos das universidades ou não. Devo dizer que essa é uma falta discussão. Uma escola ou uma instituição de ensino superior deve estar autorizada a conceder os graus para os quais disponha de corpo docente e de investigadores para o fazer. Tem que haver massa crítica. Ou seja, hoje há politécnicos que têm tantos doutorados como algumas escolas universitárias, e há politécnicos que ainda não os têm e que vão levar mais 10 anos a constituir esse corpo de docentes. O futuro regulamento dos mestrados e dos doutoramentos deve permitir que uma escola, independentemente de ser do ensino superior universitário ou politécnico, se reunir uma massa crítica de doutores, possa dar doutoramentos, se reunir uma massa crítica de doutores e mestres, possa dar o mestrado. Isto sem criar clivagens apenas em função de uma designação ou da natureza da instituição. Esta é a forma moderna e mais correcta de abordar a questão.

O ensino superior privado também teve uma forte expansão no nosso País...

Não se devem criar falsas divisões e afirmar que o ensino superior privado é todo o mau e oportunista. O que não é verdade, pois há bom ensino superior privado. Do mesmo modo, não podemos dizer que o ensino superior público é todo bom, pois também há ensino público que tem que ser objecto de medidas de reavaliação e reformulação. É necessário acarinhar e premiar o que é bom, independentemente de ser privado ou não, ou se está nesta ou naquela região. O que interessa é que os clientes e as populações sintam que estão a ter uma oferta que é aferida e avaliada por testes de qualidade, que tenham informação objectiva sobre o que lhes é oferecido. De forma a que as instituições que são boas e têm mérito possam progredir. Em contrapartidas aquelas que não correspondem aos padrões de qualidade, têm que ser penalizadas e quem sabe desaparecer para dar lugar a outras com qualidade. Este é o caminho natural que o País tem que seguir, e deixar de basear-se em falsos estatutos que mais não transmitem privilégios e tentativas de os manter.

Ao nível da investigação Portugal ainda não conseguiu dar o salto desejado. Concorda com a ideia?

Esse é um tema que nos levaria longe nesta conversa. O principal problema é que a investigação está, quase na sua totalidade, em monopólio do estado. Essa é uma diferença significativa entre a paisagem portuguesa e ao resto da Europa e dos Estados Unidos. Nos outros países uma parte significativa da investigação científica faz-se no sector privado, é dinamizada pelo sector privado e até existem incentivos do Estado para que isso seja assim, para que se promova a investigação ligada à inovação empresarial. Esta situação em Portugal é grave, e tem que se vencer o divórcio entre a investigação académica, refugiada na universidade sem ligação ao sector público, e a investigação económica sem expressão. Por isso somos importadores líquidos de inovação e patentes. Daí que se Portugal quer ser um País mais evoluído tem que re-equilibrar essa paisagem entre sector público e privado. Aliás, até deve incentivar a que os próprios investigadores nas universidades, a criarem a suas empresas na área de investigação.

Mudando um pouco de assunto, a revisão curricular dos ensinos básico e secundário foi apresentada. É a revisão ideal?

Não conheço essa revisão, pelo que é uma matéria séria de mais para a poder avaliar. De qualquer modo, penso que há falta de transparência nesse processo. Há muitas manifestações estudantis e da classe docente. Uma grande revisão curricular leva muito tempo a ser implementada, não se faz por decreto, despacho ou por normas dos serviços centrais. Uma reforma curricular é um espírito que se instala no sistema, que tem que nascer de baixo para cima. Trata-se de um passo que os professores, alunos e famílias têm que sentir como necessária, e que deve ser feita num prazo razoável. Da minha experiência pessoal, a nossa reforma demorou cinco anos a ser pensada, com debates pelo País. Repare que a Lei de Bases é de 86 e a reforma só foi implementada em 92. O País não se rege por períodos políticos e o ritmo das escolas deve ser respeitado.

 

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