Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº35    Janeiro 2001

 

Entrevista

JORGE PALMA FALA DE SI E DO NOVO DISCO

Música na palma da mão

O músico Jorge Palma será porventura um dos músicos portugueses mais irreverentes, não só ao nível das letras das canções, que falam dos problemas quotidianos da sua geração, mas também pelo seu estilo de vida, que tem sofrido alguns sobressaltos, desde quando fugiu para o Algarve aos 17 anos, até ter rumado à Dinamarca, para fugir à tropa, no início dos anos 70.

É este cantor rebelde que este mês confidencia ao Ensino as razões de algumas atitudes que tomou ao longo dos seus 51 anos de vida. Nasceu em Lisboa em 1950 e iniciou os estudos musicais aos seis anos de idade. Aos oito fez a primeira audição no Conservatório de Lisboa. Em 63 recebe o segundo prémio e menção honrosa no concurso internacional de juventudes musicais, que decorreu em palma de Maiorca.

Em 67, com 17 anos, estudava num colégio localizado em Mouriscas, junto a Abrantes. “Fui lá parar porque a minha mãe não tinha mãos em mim. Foi tramado estar num colégio interno, mas guardo recordações do dr. Santana Maia, que foi uma pessoa extremamente importante para mim, quer como professor de física e de matemática, quer como pessoa. Toquei em Abrantes uma semana depois de ele ter morrido e dediquei-lhe o concerto”, diz.

Frequentava então o sétimo ano e estava cansado da escola. Nas férias da Páscoa foi para Lisboa e apanhou boleia para o Algarve. Dividido entre a música e uma vida com pouco dinheiro, acaba por regressar, depois do pai ter ido de propósito ao Algarve para lhe perguntar se não queria regressar a Lisboa a terminar o sétimo ano.

Era uma juventude diferente da de hoje, a qual considera “mais esclarecida, com muito mais referências a que se agarrar. Mas também tem mais onde se perder e quando as pessoas têm tendência para se perderem, perdem-se mesmo. Ora, hoje é mais difícil dar uma formação sólida a alguém do que já foi. Tenho um filho de 17 anos e um de cinco e recordo-me que têm mais referências. No meu tempo era tudo mais cinzento. A minha própria vida em casa era cinzenta”.


REGRESSO. Ainda assim, regressou a Lisboa, entrou na Faculdade de Ciências e cinco anos depois lançaria o sua primeiro single a solo, “The nine Billion Names of God”, inspirado na obra homónima de Jacques Berger. Então ouvia muito os discos de Led Zeppelin, Elton John, Stones, Beatles. Mais tarde ficaria marcado pelos Velvet Underground. Mas chegaria o tempo de aprender a escrever canções em português.

O poeta José Carlos Ary dos Santos foi o grande mestre dessa mudança. Jorge palma contava uma vez ao Fernando Tordo que não conseguia escrever canções em português, E foi o próprio Tordo que lhe solicitou que falasse com o poeta Ary.

“O Ary era um artesão das palavras, foi o mestre que me explicou a técnica, e que me pôs a escrever em português. Eu já tinha tido professores de português bons, como o Vergílio Ferreira. Mas o Ary ensinou-me a fazer em português o que eu escrevia em inglês relativamente mal. E a partir daí há um ano de convívio que passa também pela maneira de estar”.

Nessa altura conhece Luís da Stau Monteiro e muitas outras pessoas. Seguiram-se influências de José Mário Branco e de Sérgio Godinho, Zeca e mais tarde Vitorino e Fausto. “Sobretudo o Sérgio e o José Mário Branco são pessoas que me marcam em termos musicais”. Mas chegaria a interrupção de 73, quando o jovem Jorge é chamado a cumprir o serviço militar e pede asilo político à Dinamarca.

“Na altura havia muitas gente a ir-se embora, uns por razões mais políticas. Eu fui-me embora para não ir à tropa. Eram dois anos no continente e mais dois no ultramar, de metralhadora às costas. Não me apetecia nada fazer isso”. Na Dinamarca diz que a vida não foi fácil. “Nem sequer precisei de aprender a língua, mas, para encontrar emprego fui para o mais baixo do escalão. Mas antes disso tive tempo para criar coisas novas ao piano e à guitarra”.

Trabalhou no Sheraton a lavar elevadores e a fazer camas. Estava em casa de um amigo, mas quando esse amigo se desfez da casa, acabou a morar num pré-fabricado nos arredores de Copenhaga. Quando soube do 25 de Abril pela BBC regressou a Lisboa.


ÁLBUM. Em todas estas mudanças, considera porém que sempre houve uma organização interna a nível mental que ainda hoje se mantém. “Tenho-me organizado dentro da minha aparente anarquia. E digo aparente porque não é mais do que isso, já que eu cá dentro funciono. Arranjo tempo para ir a Itália se for preciso. O meu físico tem funcionado até agora, de forma a proporcionar-me a compensação, a trazer-me aquilo que me faz falta. E em termos psicológicos também me vou desenrascando. Sempre”.

Este espírito permite-lhe editar o primeiro álbum em 75, “Com uma viagem na palma da mão”. Os tempos eram complicados e Jorge Palma acaba por pegar na guitarra e rumar a Espanha e França. Então ouvia Cohen e Dylan. Ganhava algum dinheiro com a música, na rua e nos restaurantes. Dormia onde calhava. Envolve-se em várias gravações e em 1985 brilha com “O lado errado da noite”.

As suas músicas ganham depois um ritmo eléctrico com o Palma´s Gang e em 1996 seguiu-se o projecto dos Rio Grande. Actualmente toca em conjunto com o Filipe Larsen, no baixo, e o Rui Alves, na bateria. Gravou também um disco novo. “Está bonito e espero que corresponda às expectativas das pessoas”.

 


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