AUGUSTO SANTOS SILVA,
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
O Ministro professor

“Ser Ministro da Educação é um cargo honroso, difícil, como todos estes cargos o são. Mas nós somos uma boa equipa e trabalhamos como tal, o que é uma vantagem indiscutível”. Foi assim que Augusto Santos Silva, ministro da Educação, iniciou a sua conversa com o Ensino Magazine. Uma conversa que chegou mesmo a ser adiada, por alguns dias, mas que se concretizou no 13º andar do número 107 da Avenida 5 de Outubro, numa manhã de chuva, onde os problemas e as virtudes do ensino superior português foram analisados sem tabus, nem preconceitos. Com respostas claras e objectivas, à imagem de Augusto Santos Silva.
Docente da Faculdade de Economia do Porto, desde 1981, aos 55 anos, Augusto Santos Silva é, desde o último ano, Ministro de uma das pastas mais desgastantes do Governo. Confrontado com o facto de ser professor e de esse dado ter alguma influência nas suas decisões enquanto ministro, é claro na resposta. E lembra que a sua “obrigação no momento é defender o interesse público, na medida em que esse interesse público é interpretado, quer pelo programa do Governo a que pertenço, quer pelo diálogo e cooperação que o Ministério tem para com os parceiros que fazem a educação, como os professores, estudantes, as escolas, organizações sindicais e associativas, as autarquias, entre outros. Ou seja, temos sempre que combinar os objectivos que queremos atingir e que estão inscritos no Programa do Governo, com as condições e as propostas dos vários parceiros com quem trabalhamos”.
Doutorado em Sociologia, na especialidade de Sociologia da Cultura e da Comunicação, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Augusto Santos Silva exerceu ainda o cargo de Secretário de Estado da Administração Educativa em 1999 e 2000. Foi também pró-reitor da Universidade do Porto, entre 1998-1999, e pertenceu ao Conselho Nacional de Educação até ter entrado para o Governo. Entre 1998 e 1999 coordenou o grupo de contacto entre os Ministérios da Educação e o ensino artístico, e foi o representante de Portugal no Projecto de Educação para a cidadania democrática, no Conselho da Europa.
Cargos que lhe permitiram tirar conclusões precisas acerca da educação no nosso País. Sobre os sistemas de ensino superior, Santos Silva sublinha que “a melhor contribuição que o ensino superior pode dar à economia e à sociedade e, em particular, à competitividade, para os próximos anos, é garantir uma formação inicial geral e sólida. Quanto mais sólida e geral for a formação no ensino superior, mais bem apetrechados ficam os diplomados para a multiplicidade de profissões e para o dinamismo das carreiras profissionais, que vão ser as suas, e que serão exigidas pela sociedade e economia do conhecimento”.
É dentro daquela perspectiva que o ministro da Educação considera que há necessidade de se “fazerem duas prevenções. A primeira, passa por, em sede de pós graduação, o ensino superior oferecer formações mais especializadas. A segunda passa por ter em linha de conta que o ensino superior politécnico se distingue do ensino universitário. Isto porque está mais próximo do mundo do trabalho e das profissões, por um lado, e por outro, porque se aproxima mais das necessidades e das oportunidades de desenvolvimento regional. O que significa que a ligação entre o ensino superior e o tecido regional é mais evidente no ensino politécnico. Daí que a malha do ensino superior politécnico seja mais distendida do que a do universitário”.
INVESTIGAÇÃO. Casado, pai de três filhos, adepto do Salgueiros, Augusto Santos Silva esteve também ligado à comunicação social. Foi colunista do jornal «Público», entre 1992 e 1999, e cronista da TSF-Rádio Jornal, de 1997 a 1999. Ainda na Imprensa colaborou com o Jornal de Notícias, de 1978 a 1986. Recentemente foi membro do Conselho de Administração da Sociedade Porto 2001.
Santos Silva dedicou parte da sua vida académica à investigação, tendo publicado já mais de 12 obras, a última das quais abordou o tema «Cultura e desenvolvimento: Estudos sobre a relação entre Ser e Agir». Mas há outras que classifica como importantes, casos de «Estudos Incompletos sobre o Século XIX Português», tempos Cruzados: um estudo
interpretativo da Cultura Popular», ou «Educação de Adultos, Educação para o Desenvolvimento». Daí que a investigação e o facto dos melhores investigadores portugueses residirem e trabalharem no estrangeiro fosse analisado na longa conversa que travámos com o Ministro da Educação.
“Como português sinto muito orgulho por uma parte considerável dos investigadores portugueses estarem a trabalhar no estrangeiro, porque a ciência faz-se em todo o mundo”, começa por explicar Santos Silva. Mas o mais importante, para aquele responsável é que “há muitos investigadores portugueses que fazem percursos em zig-zag. Por exemplo, o professor Lobo Antunes, um dos nossos melhores neurocirurgiões, fez uma brilhante carreira nos Estados Unidos e regressou. O professor Alexandre Quintanilha, director do Instituto de Biologia Celular, veio da Universidade de Standford para a Universidade do Porto, o mesmo sucedeu com o professor António Coutinho, que veio do Laboratório Pasteur, em Paris, para a Gulbenkian”.
São aquelas carreiras em zig-zag que Augusto Santos Silva classifica como importantes para a ciência. “A ciência não tem adjectivo nacional. Não há uma matemática portuguesa, uma física portuguesa, nem uma sociologia portuguesa, embora exista uma sociologia sobre
Portugal”. 
ENSINO SUPERIOR
Pedagogia é
necessária
A formação pedagógica dos professores de ensino superior, a mobilidade dos docentes universitários e a sua progressão na carreira foram outros dos temas analisados pelo Ministro da Educação. Santos Silva é claro quanto à necessidade de formar pedagogicamente os docentes e explicou o que tem sido feito em termos de mobilidade de docentes e alunos em Portugal. Explicativo e directo, como aconteceu ao longo de uma hora de perguntas e respostas, o ministro da Educação recordou também as razões que levaram à criação do Instituto Universitário de Viseu.
Admite a necessidade de se proceder à urgente formação pedagógica dos docentes de ensino superior?
Sem dúvida. Esse é um eixo central do desenvolvimento do nosso ensino superior. Há uma tradição académica, particularmente nas universidades - e que eu conheço bem, pois sou professor universitário de profissão – que tende a desvalorizar a componente pedagógica do nosso trabalho e sobrevalorizar a componente científica. E dentro da componente pedagógica verifica-se a tentação de se usarem métodos de ensino tradicionais, como aulas magistrais, muitas vezes organizadas segundo o velho «cânon» da sebenta.
E como é que esse processo pode ser alterado?
Nós temos, em colaboração com as Universidades e os Politécnicos, procurado insistir na necessidade de revalorizar a dimensão pedagógica do trabalho dos docentes, seja em sede da sua progressão da carreira, seja em sede da avaliação do seu desempenho. E essa avaliação deve, no nosso ponto de vista, incluir, como um dos elementos de avaliação, o próprio juízo que os estudantes fazem sobre a qualificação pedagógica dos seus docentes. É hoje vulgaríssimo, que no final de uma disciplina, os docentes sejam avaliados por inquérito pedagógico efectuado aos seus alunos. É evidente que esse não será o único critério de avaliação, deve apenas ser um elemento que contribua para essa avaliação. Até porque depois existe o professor responsável pela disciplina, que também deve ter um juízo sobre a qualidade do desempenho pedagógico dos seus colegas de equipa, e há um conjunto de materiais pedagógicos que os professores têm que preparar. Por outro lado, nas provas e concursos que vamos fazendo ao longo da carreira, há momentos em que os programas e materiais das disciplinas são debatidos.
Mas, em Portugal as taxas de diplomação continuam muito baixas...
Esse é um problema que terá que ser resolvido. De facto o desempenho do nosso ensino superior se for medido em número de diplomados por ano, relativamente ao número de matriculados, temos que concluir que é baixo. Precisamos de aumentar essas taxas.
E a que é que se deve esse insucesso?
Penso que se conjugam três factores para que essas taxas de diplomação sejam baixas. O primeiro é de natureza vocacional. Julgo que nós não estamos tão bem, quanto poderíamos, do ponto de vista da escolha de cursos, por parte dos estudantes. Não é raro que um professor do ensino politécnico ou universitário verifique que alunos dos seus 2º ou 3º anos de licenciatura, ainda não tenham definido que é a licenciatura que frequentam aquela que querem concluir. O segundo diz respeito à qualidade de ensino. Qualidade de ensino no sentido técnico do termo. O que se traduz, por exemplo, em professores que invistam no ensino, acompanhando os seus estudantes, atendendo-os e resolvendo os problemas dos seus alunos, dispondo de condições materiais suficientes.
O terceiro factor será a desresponsabilização dos alunos?
Classifico-o como um pequeno grau de desresponsabilização. Hoje, em muitas escolas superiores quem não investe não é penalizado por isso. Há escolas que já têm relativa tranquilidade e introduziram regimes de prescrições, outras introduziram outros mecanismos de incentivo de mérito. Mas penso que há ainda muito a fazer para responsabilizar os estudantes pelo trabalho que desempenham nas escolas.
Ao nível do ensino universitário, os docentes defendem uma maior mobilidade de professores entre instituições. Por outro lado criticam também o facto de, em muitos casos, fazerem toda a sua carreira na mesma universidade...
Essa mobilidade não pode ser compulsiva. Mas considero que devem aumentar as oportunidades de mobilidade inter-institucional ao dispor dos docentes. Isso passa por oportunidades de carreiras em zig-zag, mesmo alternando o ensino politécnico com o universitário. Passa também por impedir que os júris de concursos ou provas sejam exclusivamente internos às instituições que promovem esses concursos e provas. Na revisão do estatuto da carreira docente universitário, estamos a ponderar que a maioria dos elementos desses júris seja exterior à instituição.
E essa mobilidade por ser estendida também aos alunos?
Os estudantes têm programas de mobilidade de diferente ordem, como de mobilidade internacional, por exemplo. Eu costumo dizer que o Programa Erasmus foi um dos vectores principais da construção europeia. Aquelas centenas de milhares de estudantes de toda a Europa, que frequentaram um ou dois semestres do seu curso noutras instituições de ensino da Europa, contribuíram mais para a identidade europeia do que um terço das directivas publicadas pela Comissão Europeia, com todo o respeito pelas directivas e pela Comissão. No que respeita à mobilidade interna, a Lei de Organização e Ordenamento, refere que o ensino de sistema superior é apenas um, que deve funcionar em rede. Ou seja há formas de cooperação entre as diferentes instituições que podem permitir essa mobilidade. Mas naqueles cursos com numerus clausus bastante baixo, tem que haver um certo cuidado.
Ainda no que respeita ao Ensino Superior Universitário, alguns docentes referem que a progressão da carreira deveria ter em conta mais o mérito do que as vagas existentes nos quadros. Concorda com essa ideia?
Julgo que alargar o número de lugares de quadro é um objectivo que deve ser perseguido. Não sou adepto
de quadros sem restrições. E é muito difícil dizer e explicar a um professor, por exemplo, da faculdade de economia – como sou eu - que haver 10 bons candidatos para cinco lugares disponíveis não aumenta a qualidade do concurso e nem a vantagem que a instituição retira. Da mesma forma se existirem três bons candidatos para um lugar de ponta de lança, numa equipa de futebol, parece-me ser um factor que não prejudica o clube. Nós não devemos ter é quadros cuja dimensão seja obsoleta face ao número de alunos e aos planos de estudos que a faculdade tem.
Recentemente foi criado o Instituto Universitário de Viseu. A que é que se deve essa aposta do Ministério?
Foi um compromisso assumido pelo XIII Governo, que o XIV agora honra, e que não é mais do que o cumprimento da Lei. Aquilo que a Lei me determina é que verifique, a cada momento se existem necessidades de ensino universitário e se elas estão por resolver. Se assim acontecer, eu tenho obrigação, à luz da constituição, de responder com uma oferta pública. E essa oferta pública visa apenas complementar as ofertas existentes. Portanto, a unidade universitária não terá cursos politécnicos. Primeiro porque não pode, segundo porque a oferta politécnica está a ser
cumprida. 
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