MESTRADOS E DOUTORAMENTOS
Critérios de Santos
Silva

O Ensino Superior Politécnico, os seus problemas e virtudes foram analisados à lupa por Augusto Santos Silva. A questão dos licenciados pelas escolas superiores de educação poderem leccionar até ao 3º ciclo, a atribuição de graus de mestre e doutor pelos politécnicos, as diversas formas de cooperação entre universidades e politécnicos, foram temas que o Ministro da Educação abordou.
A Lei de Bases do Sistema Educativo aponta para que a formação dos professores do 3º ciclo possa ser feita nas Escolas Superiores de Educação. Três anos depois essa formação ainda não está regulamentada...
Esse avanço que foi conseguido na revisão da Lei de Bases está dependente apenas de uma decisão fundamental sobre os grupos de docência no ensino. Hoje, há diversos factores no ensino não superior, que ainda estão calibrados pela lógica anterior à Lei de Bases de 1986. O sistema de colocação de professores é uma delas, pois distingue ainda professores de 2º ciclo, de 3º ciclo e secundário. Por isso, não faz nenhum sentido que nós avancemos em formações para o 2º e 3º ciclos, sem antes resolvermos esses problemas.
E quando é que esses problemas poderão estar resolvidos?
Ao longo deste ano civil.
O Ensino Superior Politécnico pretende vir a desenvolver cursos de mestrado e doutoramento. Pela via administrativa essa meta ainda não é possível, pois só as universidades o podem fazer. Para quando os cursos de pós-graduação atribuídos pelos Institutos Politécnicos?
Aquilo que mais me preocupa é garantir a formação avançada de docentes do ensino politécnico. E essa formação tem sido garantida através de programas comuns, de formação pós-graduada, entre universidades e politécnicos. Programas, nos quais muitos dos professores são docentes no ensino politécnico, que resultam em cursos aferidos pelas universidades, mas que são feitos de modo articulado entre universidades e politécnicos.
Mas existe uma certa clivagem entre as universidades portuguesas e os institutos politécnicos...
O que eu acho é que o Politécnico deve desenvolver-se por si e não deve considerar como único paradigma, o paradigma universitário para se desenvolver. Não é o facto de conferir o doutoramento que dá uma espécie de «pedigree» às universidades, que os politécnicos nunca alcançariam a não ser no dia em que tivessem a capacidade de fazerem o doutoramento. A consolidação do ensino superior politécnico está ainda por concluir, concluamos essa consolidação com o mandato que ele tem.
Mas aquilo que se verifica é que as instituições de ensino superior politécnico têm recorrido às universidades estrangeiras e não às portuguesas para elaborarem cursos de pós-graduação...
O mundo do ensino e da ciência é internacional. Agora apreciaria que se alargassem os projectos comuns entre politécnicos e universidades no que respeita à pós-graduação. E a informação que tenho é que esses projectos estão a alargar-se.
Quando o ensino Politécnico estiver afirmado, e tendo em conta que o ensino superior é todo um, Portugal não pode tender para aquilo que existe noutros países onde apenas há universidades?
As leis são feitas em circunstâncias. Na nossa circunstância nós considerámos ser muito importante acentuar a natureza binária do nosso sistema de ensino superior. Ou seja, só é possível consolidar o ensino superior politécnico se o consolidarmos como ensino superior politécnico e não como uma espécie de universidade linha. A lei e a prática abrem-nos para este caminho que considero essencial: há dois subsistemas e eles devem articular-se entre si, a partir daí vamos ver o seu desenvolvimento. E a melhor maneira de conseguir essa articulação é não os confundir. Por sermos diferentes uns dos outros é que nos podemos relacionar uns com os outros.
Mas a opinião pública ainda vê as universidades como instituições superiores...
Reparem uma coisa, houve um tempo em que no primeiro patamar existia a Universidade de Coimbra. Só depois apareciam as universidades do Porto e Nova de Lisboa. Num outro patamar vinham, então, as mais recentes, como a de Aveiro, Évora, Açores, Beira Interior. E hoje a hierarquia já não se faz assim. Tudo tem um caminho, e nós avaliamos isto pela escolha dos cursos efectuada pelos estudantes. O ensino superior não funciona por mercado, mas tem elementos de mercado. E um desses elementos é que não se pode obrigar um estudante a ir para uma área que não quer ir. E nós, em 2000/2001 verificámos que há áreas inteiras de cursos onde os numerus clausus desapareceram na prática – nas engenharias e tecnologias, economias e gestão – e que há muitas primeiras escolhas para cursos dos politécnicos.
Como é que classifica o ensino privado em Portugal?
O ensino superior privado em Portugal contribuiu para o salto na frequência do ensino superior que o País conheceu nos anos 80 e 90. Mas teve a desvantagem de, muitas vezes, ter sacrificado a qualidade à quantidade. Hoje estamos no ciclo, que não é o da quantidade, mas sim o da qualidade. E essa é uma questão que se coloca a todas as instituições, quer públicas, quer privadas. Nós não estamos na época de fazer proliferar novos cursos sem critérios.
E tem chegado ao Ministério propostas para novos cursos e escolas?
Sim e não o consigo perceber, pois entram no Ministério dezenas e dezenas de pedidos de novos cursos e de novos estabelecimentos. Nós temos, hoje, uma malha muito fina de estabelecimentos de ensino superior. O rácio universidades/politécnicos por habitante colocam-nos na vanguarda da Europa. E é um facto que não divulgamos pois não nos devemos orgulhar muito. Vale mais ter poucas, mas boas instituições consolidadas do que 60 por consolidar.
Se lhe chegasse a proposta de abrir novos cursos de direito?
Essa é uma questão complexa. Por natureza são as Associações e as Ordens, que nos chamam a atenção para as dificuldades da empregabilidade. Esse é um lado da questão. Mas há o outro. Nós temos mais de 100 mil jovens no 12º ano.
Que direito temos nós de dizer a cada um deles que a geração anterior à sua aboletou-se com o que havia disponível de empregos, e não os deixar seguir aquilo que eles pretendem?!

CONVERGÊNCIA EUROPEIA
A caminho da Europa
Augusto Santos Silva é defensor da nota mínima. Isso mesmo confessou ao Ensino Magazine. Para o Ministro da Educação aquele é um elemento importante de qualificação para o acesso ao ensino superior. Sobre esta matéria, lembra ainda que o sistema de ingresso ao Superior é transparente e só lamenta que não seja possível avaliar a vocação dos candidatos. Mas Santos Silva falou ainda da Declaração de Bolonha e das etapas para onde caminha a Europa.
A Declaração de Bolonha fixou três etapas de ensino superior. Em Portugal existem quatro. Como é que se vai articular a tendência europeia com a situação portuguesa?
A história do processo de Bolonha é muito interessante. Houve, numa primeira fase, quatro ministros de quatro grandes países europeus, que fizeram a chamada declaração de Sorbone. Depois esse processo generalizou-se, no interior e no exterior da Comunidade, e mais de 20 países assinaram a chamada Declaração de Bolonha. E a Declaração de Bolonha tem dois elementos fundamentais. Elementos que implicam a convergência dos sistemas de ensino superior na Europa, o que não significa que haja uniformização, nem harmonização. Isto porque os Europeus pensam que há um Mundo animado por três grandes Regiões, a Região Asiática, dominada pelo Japão, a região Norte Americana, liderada pelos Estados Unidos, e a Região Europeia. Logo, a competitividade da Europa face às outras duas regiões é uma questão decisiva do futuro Europeu, designadamente do futuro do modelo social europeu, que é característico da postura de competitividade da Europa, onde se pensa que o desenvolvimento se faz com a coesão social.
Daí o aparecimento dessa convergência?
Nós, na Europa, pensamos que o Ensino Superior é um factor importante para fomentar essa competitividade. Houve vários países que tentaram estabelecer um caminho para uma convergência maior, através de dois caminhos. O primeiro diz que o ensino superior se faz em dois ciclos, o de graduação e o de pós graduação. O que permite para alguns países encurtar o primeiro ciclo de formação. Mas isso não é obrigatório. O segundo caminho passa por formatar os cursos superiores, através de um mecanismo que permita transferências rápidas entre os diferentes cursos. O que não é mais que uma Concepção dos Planos de Estudo através de unidades de crédito que podem ser transferidas.
Mas a Declaração de Bolonha avançou com aquelas três etapas de formação...
Nos documentos preparatórios de Bolonha apareceu essa referência da estrutura ideal de três anos para o primeiro diploma, dois para o mestrado e três para o doutoramento. Mas essa não é uma imposição da Declaração de Bolonha.
Então qual vai ser a posição de Portugal na próxima conferência em Praga?
Em Praga vamos fazer a avaliação do caminho do ensino superior. Aliás, estamos muito àvontade já que o relator é um português – o professor Pedro Lourtie. Na nossa perspectiva, o nosso primeiro ciclo de formação de licenciatura, seja ela de raiz ou bi-etápica, está hoje estabilizada entre os quatro e os seis anos. E aquelas que são de seis anos estão confinadas a duas áreas restritas, a das ciências médicas e a da arquitectura. Ainda na formação inicial temos também o bacharelato. Mas é no ciclo de pós graduação que é necessário compactar mais os cursos. Em certas áreas ainda temos a velha tradição do Doutoramento de Estado à Francesa. Ou seja, um doutoramento que se consegue fazer aos 50 anos, como o cume da carreira, quando o doutoramento deve ser o início da carreira universitária. Ao fazer o doutoramento o candidato fá-lo para demonstrar que é capaz de investigar por si próprio, logo podem dar-lhe a carta de alforria para trabalhar.
Mudando de assunto. O Ministério tem pressionado as instituições para imporem uma nota mínima de acesso. Que efeitos é que se pretendem alcançar com esse factor? E como é que se medirá a qualidade dos alunos?
Neste momento o ingresso ao ensino superior, excepção feita às áreas em que há pré-requisitos, é feito por provas realizadas no ensino secundário. Mas não é forçoso que assim seja. Aquilo que as instituições fazem é que as provas de exame de algumas disciplinas sirvam também de provas de ingresso. Eu até compreendo isso, pois dessa decisão recorre que os estudantes de 18 ou 19 anos, do 12º ano, não estejam ainda mais sobrecarregados.
E o sistema actual é o mais correcto?
O sistema actual tem duas grandes virtudes: é totalmente transparente e combina diferentes ponderações. Ou seja há uma ponderação para as notas obtidas ao longo do ensino secundário, outra para as notas dos exames. Os exames valem de uma maneira para a classificação do ensino secundário e valem de outra para a classificação do ingresso. Logo isso define critérios «standart» de qualidade. Não definem critérios de vocação e esse é um problema que pode ser complexo sobretudo em áreas como a medicina, onde não há garantias que um génio seja melhor médico do que um tipo razoável que goste de tratar pessoas.
E como é que se pode determinar a vocação dos alunos?
É um problema difícil. Pode ser através de entrevista, mas e como é que garantimos a objectividade dessas entrevistas? Através de provas? e como é que serão essas provas? É de facto um problema difícil de resolver.
Voltando à nota mínima, concorda com ela?
Sou um adepto fervoroso da nota mínima, pois é um elemento de qualificação do ingresso ao ensino superior. Tenho notado, com muito agrado, que as instituições têm implementado esse factor. Eu bem sei que não entra no ensino superior ninguém que não tenha o ensino secundário terminado. Portanto entrar com nota 7 no exame final de matemática, não quer dizer entrar com menos de 10 do ponto de vista da classificação do ensino secundário. Mas também acho muito difícil aceitar que cursos de professores de educação básica possam dar garantias de qualificação dos futuros profissionais, quando aceitam candidatos quando a nota do exame de português foi de 5 valores. Ou seja, é suposto que eu defenda o interesse público, e não tenho nenhum argumento para explicar às famílias que há instituições que estão a aceitar como seus estudantes, alguém que teve notas miseráveis em português ou em matemática.
Os estudantes têm agendada uma manifestação para Março. Consideram que muitas vezes o dinheiro das propinas é utilizado para pagamento de salários...
As propinas não são contabilizadas para pagamentos de salários. Nós afirmamos isso à escala que o podemos afirmar. E essa escala diz respeito à relação entre o Ministério da Educação e as universidades e os institutos politécnicos. Questões pontuais nesta ou naquela faculdade ou escola, ultrapassam-me, pois a relação de financiamento faz-se entre o Ministério de Educação e os Politécnicos e Universidades. As propinas são contabilizadas por nós como recursos públicos, das instituições, que devem ser canalizados para promover a qualidade do ensino. E do nosso ponto de vista a qualidade não são só as questões materiais, pois quando se compram revistas para um biblioteca está a investir-se na qualidade, quando há um aumento do parque informático e aumenta a conta da electricidade, essa despesa é qualidade. Quanto às movimentações, considero que as democracias só existem se houver liberdade de opinião, de manifestação e de reivindicação. De maneira que até me parece simpático da parte dos estudantes avisarem-nos que preparam uma manifestação para Março. Não faltarão motivos para essa manifestação, mas a minha esperança é que possa haver motivos de júbilo.

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