Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano IV    Nº46    Dezembro 2001

Entrevista

VEIGA SIMÃO DEFENDE UM NOVO ENSINO SUPERIOR EM PORTUGAL

A importância das empresas

O ensino superior em Portugal só pode progredir se houver uma forte ligação entre as instituições de ensino e as empresas, porque é preciso formar os profissionais que o mercado de trabalho necessita e não formar pessoas que, após o curso, têm de desempenhar funções noutras áreas para as quais não estavam preparadas. Aliás, isso acaba por ser um desperdício, será deitar dinheiro fora, o que não pode acontecer num país com recursos limitados como o nosso.

A opinião é de Veiga Simão, antigo ministro da Educação e uma das personalidades que marcou fortemente o avanço do ensino superior no País. Um homem que este mês explica ao Ensino Magazine o que haverá a fazer para alterar o actual status quo. “As instituições e as empresas já têm consciência que a cooperação entre elas é fundamental para melhorar a competitividade, a criatividade e a inovação. Mas, por vezes, as instituições mergulham em problemas internos e as empresas, apesar das mudanças verificadas, nem sempre estão abertas a grandes transformações”.

Nesse sentido, Veiga Simão considera que urge traçar um caminho de forma prática. “Primeiro, as empresas, as associações empresariais e empresários de grande mérito deveriam pertencer a órgãos das instituições de ensino superior com poder de decisão nos quais, obrigatoriamente, se discutissem os problemas relacionados com os programas curriculares, com os objectivos dos cursos. Além disso, nesses órgãos deveriam ser estudadas perspectivas do mercado, não só no momento, mas também em termos evolutivos.

Numa outra vertente, a própria estrutura dos cursos poderia ser alterada, chegando-se aos cursos sandwich. “São cursos onde as empresas participam além de situações de estágio. Até em determinados graus, como por exemplo o de mestrado, os cursos deveriam ter uma parte obrigatória em empresa, o que significa que também a empresa tem de adaptar a sua organização. Há experiências em vários países onde não admitem candidatos nos graus de pós-graduação sem que eles tenham, pelo menos, dois anos de experiência em empresa”.

Finalmente, devem ser feitos contratos entre as empresas e as instituições, “mas têm de ser contratos com o apoio do Estado, quando for necessário, e que não fiquem por meros aspectos teorizantes. Ao contrário, têm que dar origem a tecnologia, a produtos que possam vir a ser patenteados. É que, quando analisamos os indicadores do progresso na inovação, recentemente publicados pela União Europeia, verificamos que todos os que relacionam empresas com universidades ou com institutos politécnicos mostram que Portugal está muito abaixo da média europeia. Este campo tem vindo a melhorar, mas deveria sofrer um impulso decisivo”.

Veiga Simão recomenda por isso aos professores que se aproximem das empresas, podendo até passar algum tempo nessas empresas ou instituições, de acordo com a natureza do conhecimento. Recomenda ainda “às instituições que convidem os empresários para participarem no ensino, porque, através de módulos devidamente institucionalizados, eles podem dar uma contribuição muito útil, quer para o futuro emprego quer para a actualização permanente do ensino”.

MESTRADOS. Já em relação aos cursos de pós-graduação, nomeadamente os relativos ao grau de mestrado, Veiga Simão fala na necessidade de desenvolver mestrados profissionais, os quais podem ser ministrados nas universidades e nos politécnicos, dado que “ambos são sistemas dignos, os quais se complementam”.
Aquele professor recorda que a Lei de Bases do Sistema Educativo apenas permite que sejam as universidades a proceder à atribuição dos graus de mestre e doutor, enquanto os politécnicos têm apenas o bacharelato e as licenciaturas. Algo que devia ser alterado: “Entendo que os mestrados profissionalizantes deveriam ser abertos aos institutos politécnicos, podendo decorrer, numa fórmula inicial, num instituto politécnico, com a colaboração universitária. Mas, a partir de certa altura, até poderia acontecer o contrário”.

O importante é que os cursos de mestrado, a par das licenciaturas, progridam de modo a que os formados possam contribuir para a melhoria da competitividade do País, uma das condições fundamentais para que Portugal se possa afirmar na Europa. E, na opinião de Veiga Simão, isso é possível. “O desafio da Europa não pode ser visto como uma fatalidade que resulta da queda do império, mas sim como uma grande oportunidade para os portugueses. E para entrarmos na Europa, de corpo inteiro, a principal aposta é na inteligência nacional, na nossa capacidade e saber”.

A este respeito, aquele professor cita Adelino Ribeiro, o qual afirmou que «há muita inteligência congelada nos ribeiros do Interior». Diz no entanto que hoje já não será tanto assim, pois verifica-se uma maior abertura, mas não esquece que é preciso caminhar ainda no sentido de “proporcionar uma igualdade de oportunidades real”. Só assim, em seu entender será possível chegar à Europa, transportando uma experiência acumulada no espaço europeu, mas também em África, na América Latina e na Ásia, o que poderá ser um valor acrescentado para a Europa.

CURSOS. Outra questão que neste momento preocupa aquele professor são os cursos que estão a ficar sem candidatos e que, na perspectiva de alguns líderes de opinião, deveriam ser encerrados, como é o caso dos cursos de formação de professores em áreas como o francês. Um problema que se agudiza, dado que as instituições não querem encerrar esses cursos de forma unilateral, uma vez que eles se podem manter abertos em instituições geograficamente próximas.

“Estamos todos a perder. Acabamos por ter cursos, muitas vezes com um número de alunos extremamente reduzido, dispersos por muitos pontos do País, sem uma dimensão crítica e, notoriamente, muitas vezes, sem qualidade. Estamos assim a prejudicar, não só as instituições, mas acima de tudo os alunos, os quais podem ter a facilidade de terem o curso à porta de casa, mas não têm as perspectivas de futuro. Ora, para eles, no âmbito da igualdade de oportunidades, deviam ser desenvolvidas formas que lhes permitissem frequentar os cursos nas instituições onde têm qualidade”.

Para conseguir que assim seja, Veiga Simão considera que terá de ser criada uma nova fórmula de funcionamento, a qual não prejudicaria muito as instituições em termos de número de alunos, até porque estão a surgir cursos noutras áreas. Assim, seria possível evitar “a multiplicação anárquica de cursos, que ainda por cima não têm sentido e aparecem como uma fraude em termos de expectativas. Ao mesmo tempo, fortaleciam-se cursos com qualidade, com interesse regional e nacional, que correspondam a necessidades de desenvolvimento”.

GRAUS. Veiga Simão abordou ainda a questão das alterações decorrentes da Declaração de Bolonha, as quais terão efeitos ao nível dos graus e da denominação dos graus a atribuir pelas instituições de ensino superior. “A questão do nome, às vezes prejudica o nosso raciocínio. Eu defendo que, na situação actual, os graus deveriam ser os de licenciado, mestre e doutor. A licenciatura seria o primeiro grau, quer nas universidades, quer nos institutos politécnicos, conferindo em cada um dos casos o mesmo status social, mas teria diversidade curricular e objectivos de valência diferentes. É que as pessoas não podem minimizar socialmente o ensino politécnico, o que tem acontecido até agora”.

Ainda no âmbito da mudança de nomes, alguns politécnicos, casos do de Castelo Branco e de Viseu, já demonstraram claramente que pretendem mudar o nome da instituição para universidade politécnica, alegando que assim terão outros benefícios, nomeadamente em termos de autonomia e financiamento. Veiga Simão não vê, porém, grande vantagem na alteração da denominação.

“A preocupação deve ser com a qualidade dos cursos que ministram e com a criação de uma identidade própria. A mudança de nome é uma questão secundária porque não se conquista prestígio com o nome, mas sim com a eficiência e com a capacidade demonstrada perante a sociedade. Mas é evidente que os governos, ao legislarem negativamente têm contribuído para que exista esse diferendo, pois inculcaram na sociedade portuguesa que só as universidades é que têm prestígio. Ora, isso não é assim. Se formos ver as melhores instituições do mundo, como o Massachussets Institute of Technology, nos Estados Unidos, não têm o nome de universidade”
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BAIRRÃO RUIVO FALA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL AO ENSINO MAGAZINE

Professores não se podem queixar

Em Portugal há muitas crianças que revelam necessidades educativas especiais desde muito cedo, mas que não são acompanhadas desde logo. Algumas, no caso de frequentarem o jardim de infância, passam a ter apoio aos três anos, mas a cobertura do pré-escolar não vai além dos 75 por cento. Por isso, há crianças que só começam a ser seguidas depois dos seis anos, já no 1º Ciclo, sendo que, para algumas delas, será demasiado tarde para minimizar os efeitos dos problemas que revelam.

A culpa será dividida pelo facto da intervenção precoce, isto é da detecção e acompanhamento não funcionar em pleno, bem como pelo facto das equipas de intervenção precoce não terem meios suficientes para auxiliarem a família e a criança desde cedo. Culpas divididas também com o despacho que regulamenta intervenção precoce, a qual considera acontecer dos zero aos seis anos, o que leva a descurar as crianças dos zero aos dois.

A opinião é de Bairrão Ruivo, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, que esteve em Castelo Branco a 30 de Novembro, na segunda edição do Encontro de Intervenção Precoce, organizado pelo Programa de Intervenção Precoce do Distrito, em conjunto com as instituições que o integram e apoiam. No final da sua intervenção, aquele docente, que será porventura um dos que mais se tem debruçado sobre a educação especial em Portugal, falou ao Ensino Magazine acerca das alterações previstas para o Decreto-Lei 319/91, o qual regulamenta a educação especial na escola.

“O espírito da alteração é tornar a legislação mais eficaz, distribuindo mais recursos. Pretende-se melhorar a cobertura, a qualidade e a inclusão. São as três determinantes. Queremos as crianças num meio o mais próximo possível delas. Deseja-se aumentar o atendimento de franjas de crianças com doenças de fraca incidência, mas de alta intensidade, como é o caso do autismo, psicose, deficiências profundas, graves problemas emocionais. Já nas de baixa intensidade e alta incidência, caso das dificuldades de aprendizagem, queremos melhorar a organização curricular e os recursos”, refere.

Apesar de tudo, os professores continuam a queixar-se da dificuldade em leccionar a turmas em que se integram alunos com necessidades educativas especiais ou com multideficiências. Em causa está o número de alunos e a extensão dos programas. Nada que preocupe Bairrão Ruivo: “Portugal é dos países da União Europeia que tem as turmas como menos alunos. Às vezes têm razão porque não recebem muitas ajudas, mas a maioria das crianças não precisa de recursos muito especiais. Os recursos da sala de aula deveriam ser suficientes”.

De qualquer modo, não descura o facto dos professores necessitarem de outra formação em necessidades educativas especiais ao nível da formação inicial, sendo que aqueles que vão trabalhar apenas com alunos com necessidades educativas especiais devem receber uma formação complementar.

INTERVENÇÃO. Mas a deslocação de Bairrão Ruivo a Castelo Branco prendeu-se com a qualidade e organização da intervenção precoce em Portugal, a qual é regulamentada pelo Despacho conjunto 891/99, assinado pelos responsáveis políticos pela Educação, Saúde e Trabalho, e que entrou em vigor em Janeiro de 2000. Um documento que, para Bairrão Ruivo enferma de algumas lacunas.

“Penso que se partiu para a legislação, com pessoas muito respeitáveis, mas sem conhecer a realidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, abre-se primeiro um concurso para realizar investigação na área. Em Portugal não, pelo que surgiram algumas lacunas, nomeadamente o facto de se considerarem na mesma situação as crianças com idades dos zero aos três anos e dos zero aos seis”.

Na opinião daquele professor universitário, talvez o mais experiente em matéria de educação especial em Portugal, “dos zero aos dois anos existe uma certa caracterização para o programa, enquanto que dos três aos seis já existem programas para crianças com necessidades educativas especiais, os quais estão na rede pré-escolar. Isso não significa que temos de separar as pessoas ou deixar de as atender, mas sim que, em termos conceptuais, essas crianças estão em situações diferentes”.

Em sua opinião, porém, não se justificavam dois despachos, mas sim uma diferenciação. É que “a intervenção precoce é dos zero aos dois anos e deve acontecer nos contextos em que a criança está, com programas e atitudes preventivos no seio da família. Outra coisa são as crianças que têm necessidades educativas especiais e que estão em jardim de infância, onde já existe um setting estruturado e formal, apesar de não haver grande organização em termos curriculares”.

Ora, como a legislação não distingue estas duas situações e pretende ocupar-se das crianças dos zero aos seis anos, “deixa de fora as crianças dos zero aos três, no fundo as que precisam mais e que normalmente estão em risco social por pertencerem a minorias, que provêm de zonas degradadas, de famílias em risco de pobreza ou com problemas de dependências. Penso que o esforço deveria ser precisamente entre os zero e os dois anos”.

ASSIMETRIAS. Já em relação às diferenças existentes ao nível da intervenção precoce nas diferentes regiões do País, Bairrão Ruivo refere que há boas experiências em Coimbra, Lisboa e Porto. “Depois existem programas que não têm hipótese de estarem apoiados em estruturas com recursos, tradição, história e modelos”.

Fala por isso em três tipos de intervenção precoce no nosso país, “uma que é a das experiências piloto, como em Lisboa, Coimbra e Porto. Outras são as experiências mistas, como a de Castelo Branco, que resulta da junção de recursos de uma comunidade, da Saúde à Appacdm, à Segurança Social, Educação e pais. Depois temos as experiências do Ministério da Educação, infelizmente as mais generalizadas, que estão bastante carentes em termos da presença de outros técnicos que possam ajudar os educadores e as famílias na intervenção. Têm menos terapeutas, menos psicólogos, menos assistentes sociais”.

Em sua opinião, neste último caso, será imprescindível dotar as equipas de técnicos sob pena de se correr o risco de fazer mais estimulação à intervenção precoce do que uma intervenção precoce efectiva. É que os jardins de infância, embora apenas em 40 por cento dos casos existam crianças integradas, as crianças com necessidades educativas especiais são seguidas pelas equipas de apoio educativo. Mas no caso dos zero aos dois anos, como as crianças ainda estão junto das famílias, é necessário que as equipas de intervenção tenham um muito maior número de técnicos.

É certo se poderia pensar que nas creches já há um apoio às crianças, mas a verdade é que apenas 20 por cento das crianças em Portugal a frequentam. Logo, a intervenção assume outras características, “desde a inserção na comunidade, à partilha com a família de técnicas menos formais. É preciso pensar como fazer isto, porque se o número de técnicos é limitado e se quer agir em extensão, perde-se em profundidade”.

A solução poderá ser assim a de considerar que a intervenção precoce acontece dos zero aos dois anos ou aos três. “Assim já terei mais possibilidade de atender caboverdianos, famílias de etnia cigana, pessoas com dificuldades económicas. Poderemos gizar a intervenção com a família, definir que cuidados deverão ser prestados pela família, sendo o interventor mais um animador da família, para que ela ganhe competências e se capacite para a intervenção”.

 

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