FRANCISCO DE QUEIRÓZ, UM
ESCRITOR BRASILEIRO
O contador de
estórias

Francisco de Queiroz nasceu em João Pessoa, capital da Paraíba, nordeste do Brasil, em 1959. Desde cedo teve um sonho: escrever um livro. A verdade é que os sonhos nem sempre se concretizam, mas a ambição, a vontade de alcançar um objectivo e a paciência, acabaram por ser preponderantes e, aos 42 anos, aquele sonho de jovem é hoje uma realidade. Sem ter nenhum escritor como ídolo diz que Júlio Verne é uma referência e pode até ser considerado como uma fonte de inspiração.
A conversa foi longa porque Francisco é uma pessoa de trato fácil e que aborda qualquer questão com a simplicidade que marca a sua personalidade. O livro agora publicado “12 horas num mundo fantástico”, que será comercializado em Portugal pela RVJ - Editores, Lda, narra a incrível estória do navio “Elo Perdido”, que após uma explosão, naufraga nas águas que banham a região formada pelo Triângulo das Bermudas. Os poucos sobreviventes atravessam uma espécie de “portal do tempo” que os leva até uma ilha jamais conhecida pelo homem. Lá, deparam-se com duas civilizações: os Thougarous, sábios guerreiros que ajudam os sobreviventes a tentarem o caminho de volta para casa, e os Chiawakas, uma civilização cruel e selvagem que faz rituais canibalescos com as vítimas.
Com que idade surgiu a ideia de escrever um livro?
Na verdade desde criança que gostava de ler, principalmente as obras de Júlio Verne, Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, entre outros, mas todo o tipo de leitura fazia parte desse meu desejo de devorar livros, revistas, etc. A ideia propriamente formada de escrever um livro veio aos 22 anos, quando participei num concurso para exercer a função de gerente numa cadeia de lojas americanas, onde um dos testes foi escrever uma história criada no próprio momento.
Aí o poder de criação fácil e a imaginação fértil logo se revelaram...
O texto que escrevi foi tão bom que a psicóloga me perguntou de onde eu tinha tirado aquela estória...
Não acreditou que tivesse sido você a escrever o texto...
Exactamente. Eu só respondi que tirei da minha imaginação. Depois disso senti que tinha um raro dom de escrever, e que poderia explorar essa faculdade.
Mas essa exploração não aconteceu logo no imediato... Porquê só aos 42 anos aparece no papel o resultado de uma tão boa capacidade de imaginação?
Existem factos que marcam a nossa vida. Seja para nos incentivar, seja para nos desestimular. Naquela época dos meus 22 anos, eu já tinha criatividade para escrever, e também tinha o desejo e o amor pela leitura e pela escrita, mas me faltava algo que só me veio aos 41 anos: a determinação e obstinação para começar, dar sequência e terminar um livro. E esse exemplo de persistência foi-me dado pelo maior astro do basquete brasileiro: Oscar. Numa entrevista perguntaram-lhe o segredo da sua “mão santa” e ele simplesmente respondeu: “Não existe mão santa! Existe sim muito treino, muito trabalho, dedicação e amor pelo que faço”. Aquela resposta me tocou profundamente, e dali resolvi também ser um obstinado para alcançar os meus objectivos.
Sabemos que Júlio Verne é um escritor que admira. A sua escrita, ou o seu estilo literário, é semelhante ao de Júlio Verne?
Realmente tenho uma profunda admiração pelo talento do Júlio Verne, um escritor que conseguia escrever factos que aconteceriam dezenas de anos depois. Júlio Verne estava muitos séculos à frente da sua época. Nisso me pareço um pouco com o seu estilo: muita imaginação e curiosidade pelas épocas futuras e pelo desconhecido. Mas acho que as comparações terminam aí, pois gosto de introduzir romance nas minhas escritas, também com muita aventura e acção, com um misto de terror e misticismo de uma forma sempre actual.
Pode levantar-nos a ponta do véu deste seu primeiro trabalho?
Comecei a escrever este livro no início do ano de 2000, tendo feito várias pausas, na ânsia de melhorar sempre o que já estava escrito, e também porque tinha apenas os fins de semana para escrever, uma vez que trabalho nos dias úteis. À medida que eu relia o livro, mais eu tinha a convicção de que se tratava de um excelente trabalho, chegando até a fazer comparações com outras obras que já tinha lido. A estória narra a incrível tragédia do navio “Elo Perdido”, que
náufraga no Triângulo das Bermudas, e onde os sobreviventes atravessam, sem saberem, um portal do tempo que os leva até uma ilha estranha, sinistra e cheia de perigos. Aí se deparam com duas civilizações, uma do bem e outra do mal, esta última liderada por um homem maligno, que tem como seu mestre Lucifer, o príncipe das trevas. Apesar de muita aventura, cenas trágicas e terror, existe também romance por parte de algumas personagens, que concerteza emocionará aqueles leitores que gostam de paixão, amor e amizade.
Como tem corrido este período anterior ao lançamento das “12 horas num mundo fantástico” em João Pessoa, sua cidade Natal?
O lançamento está previsto para o dia 15 de Dezembro, mas a expectativa é muito boa, pois já conseguimos criar na cidade aquele clima de ansiedade pela espera de um bom livro. Está sendo bem divulgado na imprensa, e como é um trabalho que acredito ter uma boa qualidade, com certeza estou muito optimista em relação à aceitação do público. Pretendo depois estender este trabalho por todas as capitais do nordeste brasileiro e, numa fase posterior, a todo o país.
Depois deste projecto já no mercado sabemos que já está a passar para o papel uma segunda estória... É possível adiantar o que está a escrever no momento?
Na realidade já iniciei as primeiras linhas, mas pretendo me dedicar apenas ao projecto actual, pois sei que a aceitação de futuros livros meus dependerá, sobretudo, da qualidade do livro e de uma boa divulgação. Mas posso adiantar alguma coisa: o meu próximo livro será uma aventura que se passará na Amazónia no ano de 2051, onde teremos um Brasil totalmente modificado, política, social, economicamente e também na sua cultura. Será uma obra totalmente passado no meu país, mas tendo influências fortes dos países do primeiro mundo.
É difícil ser um “principiante” da escrita no Brasil?
Com certeza é muito difícil. Existem leis que apoiam os projectos culturais, só que a burocracia e o tempo que demora a aprovar um projecto é tão grande que não vale a pena esperar.
Mas tentou ir por esse caminho?
Existe na minha cidade a Lei Viva Cultura que financia os projectos culturais. Só que no meu caso, fui informado que teria que deixar o original do livro lá, para avaliação, e a resposta seria dada no final do ano 2002.
Um convite a desistir...
Desisti da ideia e resolvi tentar de outras formas.
Como está actualmente a literatura Brasileira?
Existe um certo preconceito por parte de críticos do nosso país em relação aos novos escritores. Algumas críticas são correctas, mas outras não concordo. Acho que tudo mudou, de acordo com a época em que vivemos. E essa nova safra de escritores, escrevem de uma outra forma, com estilos diferentes de um José Lins do Rêgo, de um Machado de Assis, José Augusto dos Anjos, entre outros. O próprio Jorge Amado tinha um estilo todo particular de narrar as suas estórias fantásticas.
Acha que Jorge Amado foi injustiçado ao desaparecer do nosso convívio sem lhe ter sido entregue o Nobel da Literatura?
O Jorge Amado escreveu óptimos livros, com boas estórias, narradas de forma detalhada e de acordo com as tradições da sua terra natal, a Bahia. Acredito que, por ser um escritor popular, de uma narrativa simples assim como é o nosso povo, o Jorge Amado talvez não tenha sido bem compreendido pelos críticos, uma vez que as suas obras contavam feitos do dia-a-dia do nosso povo. Acredito que tenha sido injustiçado, mas isso é muito comum no Brasil, onde talentos são reconhecidos fora do nosso país, demorando a ser no Brasil, às vezes nem o são. Além do mais o brasileiro tem uma memória curta.
Mudando de assunto. Sabemos que, pelo menos por enquanto, não vive dos rendimentos da sua escrita, uma vez que está agora a lançar o primeiro trabalho. Como ocupa o
dia-a-dia?
Ocupo o cargo de chefe de gabinete de vereador na Câmara Municipal de João Pessoa.
É um trabalho que faz com gosto?
É um trabalho que gosto de fazer, pois também me oferece a oportunidade de fazer algo pela nossa cidade, particularmente lutar ao lado das classes mais pobres.
É difícil estar por dentro da política no Brasil, e em João Pessoa em particular?
Não acho difícil. A dificuldade está em saber quem está falando a verdade por trás das câmaras. Muitas vezes a personalidade do político não é aquela que a imprensa mostra naquele momento. Aqueles que são corruptos, de repente vestem a capa da honestidade, e a imprensa, que não tem culpa disso, passa-nos essa imagem. É preciso estar preparado e conhecer um pouco a história de cada parlamentar para sabermos em quem devemos votar. Agora, quanto às pessoas pobres, realmente é difícil, para eles, saberem quem é quem no cenário político brasileiro. Normalmente essas pessoas é que fazem a diferença na hora de votar, porque infelizmente no Brasil a maioria do nosso povo não tem acesso a uma boa educação, saúde, segurança, habitação e tudo o que é essencial. Simplesmente dão-se por satisfeitos quando têm um prato de comida para saciar a fome.
Como caracteriza a actualidade brasileira, falando em termos sociais e económicos? Em Portugal temos a ideia, que as novelas nos transmite, que o Brasil é um país de extremos: há muitos pobres e muitos ricos, com pouca gente de classe média...
Economicamente o Brasil é um país viável. A sua economia cresce a cada ano. Porém, socialmente é um país de contrastes e de muita injustiça. No meu ponto de vista, a grande maioria da população brasileira é pobre. No nordeste do Brasil, particularmente no Sertão, vê-se muita miséria. Essa população não tem água tratada, e muitas vezes se alimentam de palma, uma planta específica do Sertão que serve de ração para o gado. A classe média ficou mais pobre depois dos últimos planos económicos. Esta foi a classe mais prejudicada. A classe alta é formada pela minoria do nosso povo, no entanto a riqueza está quase totalmente concentrada nas mãos destes. Ou seja, a distribuição de renda no Brasil é cruel, o pobre fica cada vez mais pobre, e o rico cada vez mais rico.
Em Portugal dizemos: o Brasil é país do futebol, do samba e das telenovelas... Concorda?
É verdade, essa cultura ainda persiste no nosso país. Infelizmente, em épocas de Copa do Mundo de futebol, o país pára, e durante aquele período o povo esquece a fome, a miséria e a pobreza. É um ano em que os maus políticos aproveitam para ser eleitos. Mas respondendo à sua pergunta, analiso da seguinte forma: o Brasil é um país altamente viável para viver, cheio de riquezas naturais, com um povo extremamente acolhedor, alegre e expontâneo. O que falta é vontade política para se investir nas populações carentes do nosso país, educando o nosso povo e qualificando-o para o trabalho, diminuindo essa discrepância enorme entre as classes sociais, principalmente entre o pobre e o rico, que são dois pólos muito, mas muito distantes mesmo.
Também dizemos: “Brasil é um país irmão de Portugal”... Concorda?
Sim, concordo. Afinal de contas herdamos de Portugal a língua, costumes, religião e algumas tradições.
Mas o português nem sempre é bem visto no Brasil, principalmente por pessoas que sabem o que aconteceu à 500 anos atrás...
A minha opinião, e aqui gostaria de salientar que é o meu ponto de vista, o povo português não pode ser responsabilizado pelo que aconteceu à cinco séculos atrás. Como disse anteriormente, tudo muda com o tempo, inclusive a opinião das pessoas. Imagine você se tivéssemos que responsabilizar todo o cidadão alemão pelo que o maluco do Hitler fez à população mundial. A própria igreja católica cometeu muitos erros com os nossos índios, verdadeiros donos deste país, onde mudaram toda a cultura desse povo, dizimando os seus costumes, religião, liberdade e muitas outras coisas. Nem por isso poderia condenar os católicos do nosso país por tais erros cometidos pelos líderes, na época, da religião católica.
Os dados estão lançados, as “12 horas num mundo fantástico” estão aí. Em breve o primeiro trabalho de Francisco de Queiroz estará também à venda em Portugal. Uma boa oportunidade para ler o que, por enquanto, ainda é um escritor brasileiro na rampa de lançamento.
António Maia
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