PROFESSORES DA UBI EM
TIMOR
O país das
incongruências

Entre Abril e Junho, Manuel Magrinho e Henrique Manso, ambos professores na Universidade da Beira Interior, embarcaram numa aventura que os levou a Timor. Voluntários numa iniciativa da Fundação das Universidades Portuguesas e do CNRT, ensinaram português em Díli durante três meses, adaptando-se à humidade, ao calor, aos mosquitos e a um cenário interminável de casas queimadas e ruínas.
Chegaram a um de Abril e sofreram um choque. “Foi talvez dos maiores choques da minha vida”, explica Henrique Manso. E prossegue: “Parecia mentira. Já havia vários meses que o território tinha sido incendiado e destruído mas Timor estava exactamente na mesma. Parecia que tudo tinha acontecido no dia anterior”.
O choque foi ainda maior porque a decisão foi tomada em horas. “Durante o período de férias de Fevereiro, na UBI, recebi no meu cacifo uma carta dizendo que partia dentro de 15 dias, e nessa altura ainda nem tinha dado resposta. Portanto tive que decidir em poucas horas”. O chefe do seu departamento ainda lhe pediu que fosse só no Verão, mas a oportunidade estava ali à mão e aproveitaram-na.
Apesar de existir um projecto concreto, esta viagem acabou por ser uma aventura em algo desconhecido. “Iríamos colaborar com o CNRT naquilo que fosse preciso. A FUP pretendia recrutar docentes das diversas áreas para ensinar alunos universitários finalistas. Mas dois ou três dias antes de partirmos, o CNRT decidiu que todos iriam ensinar português. Mas não foi grande transtorno. Ensinar era o que iríamos fazer, e ensinámos com muito gosto”.
CALOR. A adaptação, apesar das dificuldades, também correu bem. “Uma maravilha!”, adianta Manuel Magrinho. “Em termos de clima, ao chegarmos, foi difícil. Não era tanto o calor, sempre abrasador, mas sobretudo a humidade”, conta Henrique Manso. Um problema compensado com o “mudar de t-shirt a cada três horas, tomar seis ou sete banhos por dia...”.
Depois da adaptação, tudo foi muito mais fácil. “Para o fim já estava um bocadinho mais fresco”. Difícil é a vida em Timor, algo que os espantou: “É bastante caro, incomportável para a maioria da população. Uma cerveja australiana custa três vezes mais em Timor que no seu País de origem, o que acontece com a maioria dos produtos importados”.
Uma situação caricata mas normal num país em construção, onde apesar de também se falar português, a moeda oficial é o dólar americano. Quando muito pode-se usar a rupia e o dólar australiano. E o uso da moeda americana nem é nefasto, pois é uma moeda estável e garante poder de compra a quem consegue amealhar algumas notas verdes
Menos habituais são as instalações que serviram de casa àqueles dois professores. Manuel Magrinho explica: “Inicialmente ficámos num convento. Tendo em conta as condições em que se encontra Timor, estávamos divinamente instalados, mais ou menos protegidos dos mosquitos, tínhamos onde comer e fazer as necessidades...”.
As condições de higiene não eram as melhores, mas foram sendo alteradas. “Mudámos para casas pré-fabricadas, já com óptimas condições, feitas propositadamente para os professores que chegam a Díli. Os que vão para outras cidades terão ainda que enfrentar situações complicadas” conclui.
RECEPTIVIDADE. Outro dos problemas do país é precisamente a falta de quadros, pelo que tiveram uma boa receptividade. Mas faltavam algumas condições essenciais. “Já esperávamos que faltassem cadernos e todo o tipo de material, pelo que a FUP tratou de levar tudo. Acho que só faltavam as mesas e as cadeiras”, explica Manuel
Magrinho.
Já Henrique Manso vê mérito nas dificuldades. “Uma das maiores dificuldades, que terá sido também o maior mérito do nosso trabalho, reside no facto de termos sido os primeiros a ir. Quando chegámos estavam cinco ou seis professores a trabalhar há um ou dois meses, com turmas específicas. Pegámos num grupo em que nada estava organizado...”.
As dificuldades foram ainda maiores, dado que “o responsável pela Educação não estava em Timor, de forma que durante as duas primeiras semanas foi complicado organizar turmas, encontrar locais onde ensinar... Demos aulas em duas escolas em horários absolutamente impraticáveis. O dia começava cerca das cinco da manhã e terminava pelas 17 horas. A essa hora já ninguém trabalha e é quase impraticável dar ou receber aulas”.
Ainda assim, o horário das aulas foi fixado entre as 15h30 às 18 horas. “Na escola de Balide tivemos que pedir aos funcionários da EDP e à FUP que nos electrificassem a escola, pois era impossível dar aulas no escuro. Mas tudo se resolveu e correu bem.
ENSINAR. “Apesar de ser professor de português, esta foi uma experiência completamente nova. Na UBI ensino Latim e Literatura Portuguesa, o que não tem nada a ver com ensinar português a pessoas que não sabem nada da língua. É necessário ser muito flexível, saber fazer muito teatro e ter consciência que ensinar português durante dois meses e meio a pessoas que dominam duas línguas como o Tetum e o Bahassa Indonésio, que são idiomas muito simples em termos gramaticais e até vocabulares, é quase impossível...”, explica Henrique Manso em jeito de balanço.
E para conseguir chegar com a sensação do dever cumprido, adoptou metodologias próprias. “Adoptei um método nas aulas que causou algum furor e deu bons resultados. Aula sim, aula sim, incluía sempre uma parte musical. Como tinha levado muita música portuguesa, em todas as aulas se aprendia uma. Um dia tentei fazer uma pausa mas, no fim da aula, ninguém saiu. Lá tive que pôr música e que os pôr a cantar! Tudo passa também por olhar para os alunos e ver o que eles gostam...”.
Assim se superou mais facilmente o desencontro de línguas, sem ser necessário os professores aprenderem tetum. Manual Magrinho explica outra técnica “O poder do gesto é tudo. Além disso, trabalhámos com livros feitos especificamente para orientar o ensino do português, se bem que aqueles livros não eram os mais adequados... mas há sempre forma de nos fazermos entender. Se é «acima», sobe-se acima da cadeira, se é «abaixo» põe-se a mala debaixo da mesa...”.
Henrique Manso completa a ideia. “Entre nós acabámos por trocar experiências e discutir a melhor forma de leccionar esta ou aquela matéria. Mas muitas vezes as aulas funcionavam na base do improviso. Surgiam perguntas inesperadas e há que ser flexível. Além disso, não é com aquele livro - “Português sem Fronteiras” - que se começa a ensinar português. Até porque a personagem principal é um Steve, que é americano e tem amigos alemães, ingleses e franceses, e vivem todos em Lisboa!! Pronto, e nós estávamos em Díli e os nossos alunos vinham da Indonésia...”.
SAUDADES. De regresso a casa, trazem na bagagem uma mão cheia de recordações. “O contacto com os timorenses. Pelas pessoas valia a pena voltar”, diz Manuel Magrinho. Henrique Manso também destaca “o convívio com professores, com os timorenses, a parte humana”. E conta uma história de uma colega professora que viveu em Timor até aos nove anos, mas não voltava lá há 35.
“No nosso segundo dia em Díli, fomos tentar encontrar a casa da sua sobrinha. Ela sabia mais ou menos onde era, mas quando lá chegámos não encontrámos nada. Metemos conversa com uns timorenses que ali estavam e descobrimos que um falava inglês. Depois de cinco minutos a falar com ele, a nossa colega, subitamente, disse “ó Manelito, dá cá um beijinho à tia!”. Bem, foi uma coisa... ele desatou logo a chorar...”.
História puxa história. “Dias depois tivemos talvez a melhor refeição do tempo que estivemos em Timor. Muito típica, muito boa! Foi oferecida pela antiga professora primária dessa nossa colega. Arroz, catupa, frango, água de coco, tudo impecável, numa mesa que era uma grande tábua com tijolos por baixo... mas em nosso redor a casa estava toda ardida. É tocante... apesar de tudo havia alegria e generosidade ali dentro”.
Generosidade que nem sempre acontece num país onde os professores da UBI se aperceberam de duas realidades completamente distintas. A dos timorenses em dificuldade e a dos estrangeiros que parecem estar ali por razões distintas. “Muitas pessoas estão ali para ajudar. Mas também há muita gente só a ganhar dinheiro, uma administração que derrete o dinheiro todo em jipes, em burocracias e não o deixa chegar aos timorenses”.
Manuel Magrinho e Henrique Manso consideram “inconcebível que, com tanto dinheiro que entra no País, com tanta ajuda internacional, se tenha feito tão pouco. Há regiões onde a pobreza é extrema. Há fome em Timor, um território pequeno, metade de uma ilha, que tem pouco mais de 600 mil habitantes”.
Uma motivo de tristeza que levanta uma dúvida aos docentes. “Se um País assim não se reergue rapidamente é porque algo não está bem. Timor tem recursos como o petróleo, paisagens lindíssimas, grande potencial turístico, com as praias, os corais. Outra coisa que não ajuda são todos os jornalistas que lá estão, a maioria mais interessada em histórias bombásticas que em
retractar a realidade. Então, de vez em quando, surgem reportagens dramáticas a falar de situações que não o foram... Chegámos a ter que telefonar para casa só para avisar que o que iam ver no telejornal não tinha sido bem assim e que não deviam
preocupar-se”.
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