JOSÉ REIS EM ENTREVISTA
Qualidade no Superior

O secretário de Estado do ensino superior não tem dúvidas de que existirão fusões nas universidades privadas, como forma de responder à diminuição de população estudantil. Em entrevista exclusiva ao «Ensino Magazine», José Reis assume como uma das suas principais prioridades a qualidade dos cursos e instituições. Às reivindicações de novas universidades públicas, responde com a «suficiência» da rede actual sem “fechar portas” à criação de alguma onde tal for demonstrado ser necessário. Sobre a UBI, confirma para 2001 o curso de Medicina, uma das «áreas de identidade» da universidade, a juntar às engenharias.
De que forma avalia o papel desempenhado pela Universidade da Beira Interior (UBI) e institutos politécnicos de Castelo Branco, Viseu, Guarda e Portalegre?
De modo necessariamente muito positivo. A sua actividade corresponde ao objectivo de proporcionarem qualificações avançadas e manterem uma inserção regional junto das respectivas comunidades. Têm-no feito bem. No caso da UBI, a sua matriz originária incidiu nas áreas das engenharias, tecnologias a alguns ramos da actividade produtiva. Quanto aos politécnicos, são caracterizados por dois aspectos: ministram um ensino de tipo
profissionalizante e estão em estreita ligação com as comunidades em que se inserem. Em termos gerais, temos de saber o que é que o país precisa em termos das formações disponibilizadas pelo Ensino Superior e dar resposta a essas necessidades.
Nesse contexto, faz sentido a existência de cursos não directamente ligados às regiões onde as escolas se localizam?
Sim. Note-se que não há universidades nem politécnicos regionais. O primeiro objectivo de um estabelecimento é o de formar pessoas, em termos absolutos, ou seja, dar-lhes qualificações independentemente da zona onde as mesmas são obtidas. Cada instituição deve é dar o seu contributo para o sistema, podendo disponibilizar cursos mais directamente relacionados com a região em causa.
Para quando o arranque do curso de Medicina na
UBI?
O Governo assinou um contrato de desenvolvimento com a Universidade da Beira Interior, que estabelece todas as condições que a instituição terá de possuir para que, tal como previsto, o curso se possa iniciar em 2001.
O que pensa da pretensão da UBI de ter uma Faculdade de Artes?
Recusamos avaliar pretensões desgarradas de uma estratégia global que valorize como opções prioritárias as relativas ao núcleo de identidade de cada escola. Não podemos aceitar propostas apenas para satisfazerem as instituições de onde partem. Mas, estamos abertos a avaliar as que sejam apresentadas ao Executivo, no quadro de um plano de desenvolvimento coerente. No caso concreto da Universidade da Beira Interior, consideramos, à partida, as engenharias e a Medicina e Ciências da Vida como as áreas centrais que marcam a sua identidade. Tive recentemente uma reunião com o reitor da UBI em que analisámos o projecto de desenvolvimento da instituição, o qual continuaremos a acompanhar de perto.
Com a redução da população jovem estudantil, corre-se o risco de, a prazo, termos faculdades privadas a fecharem ou salas quase vazias nessas e nas públicas?
As taxas de frequência do Ensino Superior em Portugal registaram um forte crescimento em relação às que se verificavam há 20 anos, o que trouxe vantagens grandes. Há agora uma tendência para a estabilização. A situação está, portanto, de facto, a modificar-se e as instituições do Ensino Superior deverão actuar a dois níveis. Por um lado, têm de assumir a ambição de aumentar a taxa de frequência dos seus cursos, por parte dos alunos que estarão no sistema educativo. Por outro, devem apostar fortemente na prestação de novos papéis, em termos do ensino recorrente e no domínio da chamada formação ao longo da vida. Cada vez mais, a aquisição de conhecimentos por parte do indivíduo não se esgota na obtenção de um grau académico, mas tem de ser permanente e aí as escolas têm uma função fundamental a desempenhar. A actividade das instituições privadas é do campo da livre iniciativa . Ao Estado compete exigir-lhes o cumprimento de um conjunto de requisitos de qualidade, em termos científicos dos cursos, do corpo docente de outros aspectos de funcionamento interno. O grande enfoque que estamos a colocar é, de facto, o da qualidade. A partir daí desenvolvem-se outras questões, nomeadamente de reorganização do ensino privado. Defendo como via futura para estas escolas, um modelo fundacional, em vez de estritamente empresarial e acredito que haverá fusões entre instituições. A consequência será a manutenção daquelas que garantirem maior qualidade.
Como está a ser realizada a avaliação do Ensino Superior público e privado?
Está a decorrer a velocidade de cruzeiro. Encontra-se a trabalhar uma Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior e quatro outras comissões para os 4 subsectores que o compõem. Sublinho o facto de serem utilizados os critérios idênticos para o ensino público e privado e da avaliação ser efectuada pela mesma equipa.
Que saída antevê para o problema de excesso de oferta de licenciados em áreas como o Direito, a História e a Gestão, entre outras?
É uma má mensagem a proliferação indiscriminada de cursos, quer em termos espaciais, um pouco por todo o país, quer ao nível temático, com as mais diversas designações. No que se refere ao ensino público, essa proliferação não terá lugar, preservando-se o indispensável equilíbrio. Quanto ao privado, o Ministério da Educação não emitirá juízos opinativos sobre os cursos, mas exigiremos a existência de recursos qualificados. Seja como for, na minha perspectiva, é errada a concepção de que os cursos a criar têm de estar unicamente de acordo com necessidades do mercado, como se a primeira finalidade não fosse – como é – a de possibilitar que Portugal possua cidadãos mais qualificados e cultos, o que é um valor inestimável para o país. Para além disso, há que ter em consideração que o mercado reage sempre por atraso em relação às qualificações ministradas.
Mas, a Ordem dos Advogados, por exemplo, já alertou para o excesso de licenciados em direito…
As ordens têm um papel importante no reconhecimento de profissionais, mas não podemos limitar-nos a seguir as suas perspectivas. A dos Advogados, que refere, pode estar preocupada com o grande número de advogados, mas um licenciado em Direito é, antes de mais, um jurista e pode exercer várias profissões.
Como está a ser solucionada a questão dos chamados “turbo-professores” que leccionam simultaneamente em várias escolas do Ensino Superior?
Demos uma viragem de 180 graus nessa situação. A legislação prevê que os cursos tenham um corpo docente próprio. Os professores trabalham, de acordo com a Lei, a tempo integral, num único estabelecimento e não o podem fazer em 3 ou 4 escolas, como sucedia. Por outro lado, estipulou-se como inaceitáveis determinadas acumulações de cargos, por exemplo de direcção em mais de uma instituição, para se precaver situações de conflitos de interesses.
O Governo prevê criar alguma nova universidade pública, por exemplo em Viseu, como forças vivas daquela cidade pretendem?
O executivo considera que a rede pública de universidades e politécnicos existentes corresponde às necessidades do país; é a suficiente. Não queremos a proliferação errática de universidades públicas por Portugal. No entanto, estamos abertos a considerar situações de manifesta necessidade de oferta universitária em locais onde a mesma ainda não esteja disponibilizada, mas isso tem de ser demonstrado.
Em Bragança, há quem defenda a transformação do politécnico em universidade. Encara de forma positiva tal projecto, aí ou noutra cidade?
Não. O Governo pretende valorizar a acção positiva que os politécnicos têm tido e recusa, em qualquer local do país, transformar um bom politécnico numa má universidade, apenas para responder a anseios de tipo regionalista.
Qual a natureza dos novos institutos universitários. São mais uma componente do sistema a acrescentar aos politécnicos e universidades?
De modo nenhum. É apenas uma forma organizacional, prevendo eventuais situações em que a oferta de ensino superior a reclame. Mas, não altera a base do sistema alicerçada nas universidades e politécnicos. Repare-se que há casos específicos que têm de ser considerados, como o Instituto superior de Ciências do Trabalho e Empresa (ISCTE) de Lisboa, que é uma escola universitária não integrada.
A formação complementar para professores está a ser aproveitada por alguns apenas para conseguirem avanços na sua carreira, através da frequência de cursos em nada relacionados com a sua área científica. Que medidas defende para alterar a situação?
Com as alterações legislativas efectuadas nos últimos anos, os professores dos ensinos básico e secundário têm de ser licenciados. Havia, no entanto, um grande número de docentes que não o eram. A realização de cursos complementares de formação pretendeu colmatar tal insuficiência. Mas, é verdade que, infelizmente, nos casos de muitos professores, serviu sobretudo para melhorar a sua situação na carreira e em termos de aposentação. Tudo faremos, no entanto, para assegurar que seja cumprido o objectivo para o qual os cursos foram criados, de modo a que não seja desvirtuado.
Quais as suas principais prioridades de actuação para o ensino superior em Portugal?
A nossa grande “batalha” é, sem dúvida a da qualidade, nos diversos subsistemas. A avaliação das instituições é outra das linhas-força da política da Secretaria de Estado. Em termos de medidas mais concretas, estamos empenhados na elaboração de legislação
regulamentadora da Lei de Ordenamento do Ensino Superior. O problema da duração dos cursos superiores portugueses é outra matéria a que estamos atentos. Não há problemas de reconhecimento de cursos, mas a Declaração de Bolonha preconiza uma maior harmonização na duração dos mesmos. No estrangeiro, pergunta-se, muitas vezes, a um licenciado do nosso país, a razão porque o seu curso é tão longo. Penso que há em Portugal pelo menos um grau académico a mais. Defendo que formar um licenciado não deve demorar tanto tempo, mas alterar a actual situação exige um trabalho muito profundo, praticamente de análise curso a curso. Estamos, contudo, a lançar as bases de discussão da questão.
Jorge Azevedo
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