Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº25    Março 2000

 

Entrevista

MÁRIO FERREIRA DE ALMEIDA

O pintor rebelde

Elegante, magro, simples, com uma camisola preta e uns calções claros. Foi assim que Mário Ferreira de Almeida se apresentou para a entrevista que o Ensino Magazine lhe propôs. Uma entrevista onde se fala de pintura, das condições de possibilidade dessa pintura e das condições da impossibilidade de expandir.

Aos 30 anos, aquele pintor, natural de Aveiro, tem uma vontade de ferro e um querer quase ilimitado. Mas reconhece que nem sempre os processos são claros. No fundo, é preciso conhecer certas pessoas. E Mário Ferreira de Almeida conhece-as. De nome. Mas para vingar na pintura é preciso um conjunto de condições mais importantes.

“Para se pintar em Portugal é fácil. Qualquer pessoa o pode fazer. O viver da pintura é que é mais difícil. Porque muitas das galerias de arte são proprietárias das pessoas que têm influências na pintura a nível de comércio. Há outras que os donos são professores de belas artes e, normalmente, parece-me, convidam certos alunos deles, fazem uma exposição e lançam aquele nome”.

A partir daí “independentemente de pintar bem ou mal não interessa. Entrou naquela linha e tem o futuro garantido. Tem é que pertencer a um certo tipo de perfil. Se não o tiver, tem que andar muito e chegar lá pelos próprios meios”. Mário Ferreira de Almeida diz enquadrar-se no segundo grupo, sem dúvidas.

“Tenho que batalhar muito para lá chegar. Não tenho uma formação académica a nível de pintura. Se quiser chegar a algum lado, tenho de ser eu próprio a lutar. Tirando os apoios das câmaras e dos centros culturais, mais ninguém me dá apoio. Porque os galeristas não estão interessados em investir num pintor que ninguém conhece. O que querem é ganhar dinheiro, para manter as galerias”.

Por outro lado, afirma que a sociedade portuguesa está mais vocacionada para os hipermercados que para a cultura. “Os hipermercados florescem como cogumelos por todo o lado. As pessoas aderem e estão lá sempre. Para irem ver uma exposição, não. A não ser que seja, por exemplo, em Serralves. Vão, nem que seja para ver o Museu, porque é de Siza Vieira. As pessoas estão demasiado ligadas aos nomes e não à qualidade da obra”.

IDANHA. Até lá, e sem fazer transparecer qualquer desejo de desistir, continua a fazer as suas exposições. A última, presente no Centro Cultural Raiano, em Idanha, chama-se “O Sagrado e o Profano” (foto da inauguração com Mário Ferreira de Almeida e Francisco Batista, presidente da Câmara). Tem 13 quadros está patente desde 10 de Março e tenta abordar temáticas religiosas e profanas a partir de temas como a guerra e o sexo.

Gostou da recepção que teve e do apoio que lhe concederam. Fica assim a hipótese de voltar. Mas para já quer percorrer mais zonas do País. “A Idanha é um bom local. E no Interior há questões que são melhor tratadas que no Litoral. Não sei se é por estar tão longe dos centros urbanos, mas por cá, tudo é tratado com mais dignidade. Também lá, há muitas pessoas a pintar. Mas cá tratam-se melhor as pessoas”.

Da sua exposição, fala assim: “Normalmente, as pessoas olham para as cenas de guerra que passam na televisão e não dizem nada. Não desligam a televisão, porque faz parte do quotidiano, ninguém critica. Mas se vêem uma cena de sexo falam logo em desligar a televisão, porque isso aí é profano e dizem que não se pode ver, porque é contra a educação dos filhos”.

Mas aquele pintor não se fica pelo profano. No que ao sagrado diz respeito, considera que “há pessoas que se preocupam demais com certas coisas na religião e deixam outras para trás. A maioria dos portugueses são católicos e olham para Deus como se for tudo, o altíssimo, sagrado. Mas andam iludidas. Porque falam sempre em Deus, mas não criticam as cenas de guerra e até são capazes de enviar os filhos para a guerra para defender não sei o quê”.

É este invocar o sagrado ou o profano conforme o seu interesse que revolta o pintor. Mas nos seus outros trabalhos diferencia temáticas. “Não gosto de estar sempre preso a um certo tipo de trabalho. Mas faço muita pintura de intervenção a nível social, além da religião”.

Na exposição anterior, no Centro de Congressos de Aveiro, denominava-se “Sombras”. Segundo diz, frequentemente, “as pessoas refugiam-se em sombras ou produzem elas próprias as suas sombras, porque andam no mundo, mas na sombra de outras. Não fazem o que deviam fazer. Umas andam escondidas e não podem fazer nada porque não as deixam. Há outras que se aproveitam das sombras e escondem-se para ninguém poder saber que eles lá estão, aproveitando-se de situações”.

INÍCIO. A sua ligação à pintura chegou cedo. Desenhou desde pequeno. Hoje considera que saber desenhar não significa saber pintar. Ainda assim tenta-os misturar. Os seus primeiros quadros, porém, surgiram nos anos 80. O primeiro dos 30 óleos que tem deve ter uns 14 anos. Porque nem sempre o fazer é fácil.

“A minha primeira caixa de pintura a óleo... Tive de trabalhar para a comprar. Porque ninguém chegou junto de mim e me disse «toma lá uma caixa de pintura a óleo», como fizeram ao Picasso”.

Hoje, depois de algumas exposições, uma delas no Centro Cultural de Belém, colectiva. Que também contou com quadros de Júlio Pomar, considera que tem havido alguma receptividade. “Faço exposições desde 92 e a aceitação tem sido boa. Mas o público que compra obras de arte para investir, não compra obras de arte de Ferreira de Almeida. «Quem é?»”, perguntam.

Não espera por isso vir a viver da pintura nos próximos anos. Mas isso não é modéstia. Porque nem gosta de falsas modéstias. “Ás vezes vou ao Porto. Entro em galerias e pergunto-me em que é que os meus quadros são inferiores aos que lá estão. Porque eu não sei o que é qualidade de pintura para ser vendidos por aqueles preços. E quando me dizem que não sou bom como eles, não me explicam porquê”.

Ainda assim, encontra uma explicação. A da importância, não do produto final, mas de quem o produz. “Se eu estivesse integrado num certo grupo de pessoas, de certeza que vendia. Era sagrado. E se não é assim, que digam o contrário. Mas repara que isto também é a minha má língua, porque sou muito crítico em relação a estes aspectos. E posso perder mais do que ganho. Mas se alguém diz que não, que o diga, que depois discutimos se é ou não”.

INTERNACIONALIZAR. Uma das hipóteses era tentar vingar a partir de fora do País, o que está a tentar. Nova Iorque pode ser o próximo passo. “Tenho lá contactos, mas as pessoas das galerias não me conhecem pessoalmente. Apenas viram os catálogos da exposição de Aveiro e disserem que falariam comigo”.

Um passo que, a concretizar-se, poderia abrir muitas portas em Portugal. “De certeza que abria. Porque as pessoas pensavam de imediato: “se expôs em Nova Iorque é porque não é um pintor qualquer”. Seja ou não deste modo, Ferreira de Almeida tem a certeza que acabará por vingar. “Lá que chegarei, chegarei”
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CARLOS PINTO COELHO

O Senhor Acontece

 


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