Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº28    Junho 2000

 

Entrevista

CARLOS MOISÉS, VOCALISTA DOS QUINTA DO BILL

O filho da nação


Ter uma entrevista já muito perto das quatro e meia da manhã não é no mínimo normal, mas essa foi a hora possível para Carlos Moisés, vocalista dos Quinta do Bill, falar ao Ensino Magazine. Uma conversa que decorreu por baixo do palco do Parque da cidade de Castelo Branco, no final do concerto daquele grupo, que este ano encerrou a Semana Académica albicastrense.

Depois de um concerto de mais de uma hora, Carlos Moisés chegou já calmo ao nosso encontro. E falou de tudo. Do concerto, do qual gostou, dos Quinta do Bill, de quem continua a gostar, mas também das influências musicais, do ambiente, do mundo e do que, segundo pensa, nos reserva um futuro cada vez mais incerto. Foi uma entrevista que esteve muito próxima do debate.

Debates à parte, o vocalista de um dos grupos portugueses mais em voga no momento, fala já de um novo disco, que deverá ser editado em finais do próximo ano. Um disco que terá algumas músicas bem diferentes da sonoridade actual, embora, no geral, ela se mantenha no que diz respeito à harmonia musical do novo trabalho.

O novo disco continuará a ter algumas influências de outros cantores portugueses, como Fausto ou Sérgio Godinho, que Carlos Moisés diz admirar muito. Pelo menos assim o afirmou a Ensino Magazine, já depois do gravador desligado e quando assinava muitos e muitos autógrafos que os jovens albicastrenses insistiam em pedir em postais e capas de disco que alguém se encarregava de levar ao local onde nos encontrávamos.

O concerto correu bem...

Penso que sim. Estivemos cá há dois anos, também na Semana Académica. A expectativa é que corresse como na última vez. O público foi muito caloroso, participou do princípio ao fim, e estávamos quase a jogar em casa, sem receio da reacção do público.

Ser cabeça de cartaz da Semana Académica. Como é que vêem esse facto?

Sentimo-nos orgulhosos. Se não somos cabeça de cartaz da Semana, ao menos a grande aposta de um dia. Mas em Castelo Branco estiveram também os Clã, uma banda que admiro muito.

Este foi mais um concerto no Interior, mas os Quinta do Bill actuam em todo o País. Há diferenças entre o público do Litoral e o público do Interior?

Não notamos isso. Temos um espectáculo que está vocacionado para provocar o público, de modo a que não fique sereno, a ouvir. No nosso espectáculo, o público manifesta-se e adere. Ainda assim, existem alguns locais no País onde o público seja um pouco mais recolhido, mais tímido ou... antipático. Mas isso são situações pontuais, porque o público em Portugal, quando gosta do espectáculo, manifesta-se e é bastante simpático.

Os Quinta do Bill saem de Tomar para...! Outros grupos saem de Lisboa para...! Como é que acontece este crescimento?

Com a evolução das vias de comunicação. De Tomar a Lisboa são pouco mais de 130 quilómetros. É um instante e já não há o problema da distância. Além disso, a maioria do grupo, neste momento, está em Lisboa e uma pequena minoria está em Tomar. Nós encontramo-nos num local ou no outro e não é por isso que deixamos de trabalhar. Criámos laços nas duas cidades e repartimos a nossa vida entre elas.

Como é que os Quinta do Bill fazem o equilíbrio entre as músicas de ritmo mais elevado e aquelas de ritmo bem mais calmo?

As canções representam estados de espírito. Representam preocupações e vontade de comunicar com as pessoas, de lhes dizer aquilo que nos vai na alma e na cabeça. Por isso, se a matéria-prima de uma canção aparece num dia em que estejas mais melancólico, menos eufórico, a canção sai mais calma, mais introvertida. Costumo dizer que as canções nunca podem ser feitas segundo receitas. Têm de ser sinceras. Por isso é que há discos com canções mais rápidas e outros onde a maioria são canções mais lentas.

O “Dias de Cumplicidade”...

Apesar do passaporte desse disco ter sido o “Voa Voa”, que é uma canção muito festiva, a maior parte do disco é toda ela muito intimista, o que tem a ver com a fase em que foi construído.

Não posso deixar de fazer uma pequena provocação: “Deitar sobre o chão”... nunca?

Num sentido nunca. Noutro sentido sim. Essa canção, que é do “Se te amo”, tem duas leituras possíveis e que são verdadeiras. Um lado da canção não é romântico, até porque não gosto desse termo. É um poema de amor de alguém que gosta de outra pessoa e que fala sem espinhas. E dá aquela ideia "se for preciso rebolar contigo no chão, não tenho preconceitos, não há quem me aponte o dedo por isso".

E o outro sentido?

O outro sentido tem muito a ver com a Quinta do Bill também e por isso as pessoas fazem essa leitura. Quem conhece os textos da Quinta do Bill sabe que lutam por causas. E o deitar sobre o chão, ou seja, renderes-te , nunca. Há estas duas leituras, que são válidas.

Na luta pelas causas, os Quinta do Bill são normalmente radicais ou radicalmente normais?

Somos pessoas que, através das nossas canções, falamos sobre questões mais sérias. Mas também temos canções que falam do dia a dia, sem grande preocupação com o texto. Fazêmo-lo é sempre numa atitude positivista. Creio que o futuro da humanidade vai alterar muitas coisas, sobretudo ao nível de mentalidades, de alterar coisas instituídas na nossa sociedade. Para fazer isso é preciso muita arte, é preciso saber rodear muitas questões que estão instituídas na sociedade moderna e que são puros cancros, mesmo inclusivamente dentro das democracias europeias. Ser positivista, recorrer ao diálogo, nunca à violência, é uma das formas.

Estamos a falar da maior atenção à pessoa, da sociedade multicultural... do pós-modernismo. É isso que defendes?

Sim. Creio que se fala muito numa sociedade global, mas fala-se em termos económicos. Ainda não se passou disso. Por exemplo, quando se fala em termos ecológicos, há conferências e algumas delas mediáticas. Mas continua a haver muita timidez. As pessoas sabem que são questões de fundo e que dizem respeito a todos, mas dizem-no sempre de uma forma muito tímida, muito secundária.

Mas a economia deve ser, ou não, global?

A economia pode ser global e cada vez está a sê-lo mais, para ser viável para os países médios e ricos. O incrível é que, por exemplo, para os países do terceiro mundo, essa questão passa um bocado ao lado. São questões profundas e muito complexas. Então ao nível do ambiente, mais complexo se torna porque continua a haver um completo alheamento dessas questões. Não são questões que toquem aos políticos, sobretudo aos políticos globais, que não são sensíveis a estas matérias.

Então o que é que devemos fazer: lutar contra a globalização ou tentar globalizar aqueles que nos globalizaram?

Não vou aprofundar muito. Mas posso dizer que ao nível da ecologia, da sobrevivência do planeta, vai ter de acontecer uma coisa que é muito utópica e difícil de pôr em prática, que é a velha questão do ser solidário. A solidariedade é muito bonita e fala-se muito nela. Enquanto assim for, vamos atingindo uma certa felicidade dentro de uma sociedade economicamente viável, mas ao lado temos sociedades que continuam numa situação de pobreza, de miséria, de fome.

Há aqui uma grande contradição...

Fazemos parte de um sistema que se diz muito democrata e progressista. Fala-se na globalização económica como uma forma de atingir a felicidade. Mas enquanto não sentirmos que as pessoas não somos só nós e as que estão próximas de nós, mas todas as que vivem no planeta, creio que atingir a felicidade pela globalização é algo de utópico. A felicidade vai continuar a existir para alguns e para outros nunca vai existir.

Essas questões dependem também um pouco da vontade das pessoas...

Há pessoas que, ao longo da sua vida, fazem um grande esforço para atingirem a felicidade. Mas as barreiras são muitas porque tem um pouco a ver com a natureza do ser humano. Costumo dizer que, por mais voltas que se dêem e por mais educação que haja, há pessoas que, por natureza, são boas ou são más. E não sei se é com pressão que se altera o carácter de uma pessoa má. É uma questão muito complexa que tem a ver com as características humanas.

Os Quinta do Bill vão abordar estes e outros problemas nas suas canções? Quais são os projectos futuros?

A seguir vem um disco de originais, de certeza, em 2001. Talvez para o final do ano.

O estilo do disco vai manter-se dentro da linha que já conhecemos?

Poderá acontecer que, ao ouvirem algumas canções, as pessoas se perguntem se é mesmo Quinta do Bill aquilo que estão a ouvir. Mas isso será pontualmente. No geral, não estou à espera que as pessoas possam dizer "eh pá, este é o último disco de Quinta do Bill? Os gajos passaram-se, abandonaram as raízes". Isso vai ser difícil porque temos uma grande paixão pela sonoridade que temos tido até aqui. Não é por ter sido um sucesso. É paixão, gosto. Sentimo-nos fortes interiormente com aquilo que fazemos nesta linha musical.

Os espectáculos vão continuar nesta linha também?

Nunca digo nunca. Vai ser difícil fazer uma tournée com os elementos do grupo sentados em palco, a tocar. Mas quem sabe. É imprevisível, não sei.

 

 

 

JOÃO PEDRO DE BARROS, PRESIDENTE DO POLITÉCNICO DE VISEU

Acabou o tempo dos doutores

 


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