Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº23    Janeiro 2000

 

Entrevista

 

MESTRE ALVES DE SOUSA

Uma vida, muitos países

É seguramente um dos pintores portugueses mais conhecidos lá fora. Chama-se Alves de Sousa e é conhecido por Mestre Alves de Sousa. Nasceu em Lisboa, mas acabou por sair do País no final dos anos 50. Esteve 30 anos fora. Pelo caminho, viveu e trabalhou em sete países, da Espanha à França, até ao Brasil e Estados Unidos, mas também na Bélgica, Itália e Holanda.

Pintor, escultor, retratista, conservador de obras de arte, jornalista, Fernando Alves de Sousa regressou a Portugal, por motivos familiares, em 1990. Fez retratos a óleo de algumas personalidades, desde membros da Assembleia da República ao Supremo Tribunal de Justiça, e acabou por ser convidado a fazer o retrato do anterior Reitor da UBI, Passos Morgado.

De então para cá, muitos outros trabalhos para a Universidade têm o seu cunho. Desde o retrato do Reitor Santos Silva (ver foto da página ao lado, em cima), que só será colocado na galeria de personagens ilustres mais tarde, até aos retratos de Pinto Peixoto, Duarte Simões e Veiga Simão e ainda algumas aguarelas. Na Sala dos Actos está também um quadro seu, com a figura de D. João II, o patrono da Universidade.

Neste momento, tem em mãos um projecto novo, um tríptico a óleo, que terá dois metros por um, que representa várias zonas da Universidade (ver foto da página ao lado, em baixo) e deverá ser colocado na Melo e Castro. Enquanto termina esse trabalho, vai vivendo entre a Covilhã e a Parede. Já não pretende sair do País. Aos 77 anos, diz não estar em idade de iniciar uma vida seja onde for. Mas a sua vida é cheia de história e de histórias. Algumas delas, conta-as ao Ensino Magazine.

São histórias que ilustra com jornais portugueses, franceses e americanos, que falam da sua obra e das suas exposições. Mas tem ainda um exemplar do jornal Mundo Português, para o qual escreveu e desenhou. Mostra fotografias de trabalhos seus. E faz tudo mantendo a ternura no trato, a simplicidade na fala, o à-vontade no estar. Apesar disso, levou o cachimbo para a entrevista, e não fumou.

A sua vocação para a pintura começou a manifestar-se aos cinco anos. A sua família vivia em Coimbra. “O meu pai tinha bons livros e eu fiz umas cópias. Quando chegou a casa julgava que eu tinha copiado aquilo por cima, a papel vegetal. Eu disse que não. Ele agarrou no papel e no livro e foi para a janela. Viu umas pequeninas diferenças e ficou com a certeza que não era cópia”.

Apesar do talento natural do filho, o pai de Alves de Sousa queria vê-lo na vida diplomática. Mas alguns amigos do pai foram-lhe dizendo que o filho era diferente. “Cerca dos 18 anos conheci um professor do tempo da Sociedade Nacional de Belas Artes. Aí comecei a fazer cursos. Concorri ao salão e comecei a ser premiado. Fiz um retrato de uma prima minha”.

Depois de 1940 começaram a chegar as primeiras encomendas. Trabalhou em cenas do teatro de marionetes, com o poeta Santa Rita e o escultor Júlio de Sousa. E chegaram retratos mais importantes, entre eles o do Arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro.

VIAGENS. Seguiu-se a Espanha. Em Madrid fez o retrato do embaixador português, dos embaixadores da Arábia Saudita e do Brasil. Foi convidado por Fernando Pessa para fazer a adaptação de texto e na voz dos noticiários de cinema espanhol para Portugal. Os trabalhos e exposições seguintes seriam em Barcelona, na França, em Bruxelas. “Depois fui parar ao Brasil. No jornal Mundo Português era redactor, fotógrafo, ilustrador, fazia histórias de quadradinhos...”

Estávamos nos anos 60. Volta a Paris e começa a exercer algo que tinha aprendido dos cursos de restauro e litografia que tinha frequentado em Madrid. Faz mais cursos, de fotografia em Paris e acaba na Universidade do Rio de Janeiro a estudar litografia. Seguem-se outros cursos em Ouro Preto e Belo Horizonte, nomeadamente de restauro de pinturas, molduras e esculturas em madeira.

Os Estados Unidos seriam o País seguinte, sem nunca perder o contacto e a residência no Brasil, onde se deslocava por isso, de dois em dois anos. Chegou à América em 75 para fazer o retrato de um médico em Boston. Acaba por fazer também o do Cardeal Medeiros, bispo de Boston. Viveu e trabalhou em Lowell, no Massachussets, e acabou por se fixar em São Francisco.

Enquanto esteve nos Estados Unidos terá feito cerca de 200 desenhos a lápis e talvez uns cem óleos. Ultimamente era conservador de um gabinete de restauro da cidade de Orlando. Mas um problema familiar trá-lo a Portugal, embora com a ideia de ficar temporariamente. Os trabalhos surgiram. Um deles foi o retrato do antigo responsável pela Gulbenkian em Paris, Pina Martins (ver foto da página ao lado, em baixo, à direita). Daí chega à Covilhã através do professor Pinto Peixoto.

ORIGINAL. Hoje diz não ter um país preferido nem quer optar entre a pintura, a escultura, o desenho ou a fotografia. Gostou de tudo. “É como tudo. Há homens que têm um tipo de mulher definido. Há outros que não têm. Tanto se lhes dá que seja uma morena, como uma loira ou uma ruiva. Eu também sou assim em relação à arte. Gosto de tudo o que faço”.

E dá como exemplo o que fazia no jornal Mundo Português, no Brasil, onde tinha várias tarefas, desde a coluna social ao cartoonismo, passando pela fotografia e até pela banda desenhada. “Eu ia às festas todas da Comunidade Portuguesa. Ia à casa das Beiras, à Casa de Trás-os-Montes, a muitas outras. E havia pessoas que andavam atrás de mim para ver se eu fazia uma nota sobre elas”. Diz no entanto que sempre fez o que achava interessante. Não gostava de ser pressionado. Quando o foi, saiu. Afastou-se da Comunidade Portuguesa e acabou mais próximo da Comunidade Brasileira.

Num país ou noutro, independentemente das circunstâncias, não esconde que conheceu muitas pessoas interessantes. O jornalismo foi uma das profissões que melhor o ajudou nessa área. “Em São Francisco trabalhei num jornal de língua espanhola, o Tiempo Latino, dirigido por um homem de El Salvador. Abordava assuntos interessantes sobre a raça latina e lembro-me que chegou a ter uma entrevista com a Sara Montiel”.

Por estas e por outras razões, também afirma que não há um país que o tenha marcado mais. “Do ponto de vista artístico, cada país tem características próprias e depende um pouco do estado de espírito em que nos encontramos. Quando fui para França, estava ainda muito habituado ao post-impressio-nismo. Depois foi o tempo do cinético, do expressionismo abstracto da escola dominada pelos alemães, e que em Paris tomou muita forma”.

Assim se compreende que tenha ficado impressionado com o cinetismo e o impressionismo. “Mas com o tempo começam a surgir outras coisas e o lugar melhor já não era ali. Podia ser no Rio de Janeiro, em Nova Iorque ou Berlim. Mas todos os países onde vivi me deixaram boas recordações, me deram grandes lições do ponto de vista artístico e foram muito importantes para mim na altura em que lá estive, pelo que não se pode dizer que um foi melhor que o outro. Até porque fui bem acolhido em todos”.

REVOLUÇÃO. Portugal, embora não o tenha marcado tanto na sua evolução, é agora, segundo diz, palco de uma revolução grande. “Principalmente nas artes plásticas. Está-se a progredir muito. Aparecem artistas bons como a Paula Rego, por exemplo”.

As causas dessa revolução não deixam de ser interessantes. “As pessoas viajam mais. Antes, para ir a Paris estudar era preciso uma bolsa de estudo do Instituto de Alta Cultura, a que nem todas as pessoas tinham acesso. Hoje há mais facilidade. As fronteiras estão abertas. As pessoas podem ficar 15 dias num local. Visitam os Museus e aprendem. Há mais facilidades hoje do que no tempo em que eu era jovem”.
Por outro lado, além das viagens dos artistas nacionais, “há hoje uma maior facilidade de se fazerem exposições em Portugal. Vai-se ao Centro Cultural de Belém e está patente uma exposição de um artista estrangeiro. Antes quase não vinha ninguém expor ao nosso País”.

A revolução está também a chegar ao Distrito de Castelo Branco. A Universidade da Beira Interior quer mesmo concretizar o seu projecto de criação da Faculdade de Artes. Algo com que Alves de Sousa concorda. “Acho que é importante. Desde que seja feito com professores bons. Porque para se fazer arte é preciso ter a noção da universalidade das coisas. Não chega fazer algo bonito”.

De caminho, Alves de Sousa recorda que as condições têm de ser boas. “Se estão com ideia de ministrar aulas de desenho, pintura e escultura, era muito bom”. O Mestre é que já não tem disponibilidade para estar inserido num projecto de tal envergadura. “Eu já não tenho idade. O professor Passos Morgado chegou a marcar três datas para eu começar e fui sempre adiando. Agora vou a caminho dos 78...”.

Embora fale assim, recorda que “há alunos da Escola de Belas Artes de Lisboa que se formaram há cinco, sete ou oito anos, que podiam vir para a Covilhã. “Eu, quando muito, se um dia montassem um gabinete de restauro, poderia participar num ou noutro restauro. Isso gostaria de fazer. Mas dirigir uma cadeira não. É muita responsabilidade e já não tenho idade”. A modéstia do Mestre na hora da análise.

 

 

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