Director: João Ruivo    Publicação Mensal    Ano III    Nº23    Janeiro 2000

 

Entrevista

 

JOSÉ MANUEL BARATA-FEYO EM ENTREVISTA

Jornalismo: da moda ao negócio

José Manuel Barata-Feyo é chefe de redacção do Centro de Emissão da RTP em Castelo Branco desde Outubro. Jornalista de profissão, licenciado em filosofia, é um dos responsáveis pelo aparecimento dos centros regionais da RTP. Tudo porque considera importante, que uma estação de serviço público esteja ligada ao quotidiano das pessoas. Entrou para a RTP em 1978, como correspondente em Paris.

Hoje, aos 53 anos, continua convicto das ideias que sempre defendeu. Em entrevista ao Ensino Magazine fala de jornalismo sem preconceitos. Fala dos riscos que o jornalismo atravessa. Diz ainda que a RTP terá que mudar, entre outras coisas, de estatuto, para não ficar sobre a dependência do Governo. Dos canais privados, garante que estão a fazer o seu papel. José Manuel Barata-Feyo revela ainda a força que a comunicação social pode ter na sociedade moderna e que o jornalismo começa a ser um negócio. A conversa segue-se nos parágrafos seguintes.

O jornalismo é uma profissão que está na moda?

O jornalismo sempre esteve na moda e nunca esteve na moda. Esteve na moda, porque em sociedades modernas, com a complexidade própria dessas mesmas sociedades, não é impossível haver qualquer outra forma de comunicação organizada entre indivíduos, se não houver jornalismo. Se não existirem jornalistas. Nesse sentido, o jornalismo sempre esteve na moda. Agora, estar na moda tal como hoje se entende estar na moda, é um fenómeno novo. Na medida em que o jornal deixou de ser apenas um instrumento de opinião pública e de serviço ao cidadão, para em muitos casos se transformar num instrumento dos próprios jornalistas, dos proprietários dos jornais e dos grupos proprietários desses jornais.

Isso coloca em causa a deontologia dos jornalistas?

Coloca, de facto, em perigo algumas formas do exercício do jornalismo, que tocam com a deontologia e a ética profissional. É claro que quando um jornalista acaba por ficar reduzido a uma espécie de instrumento de produtividade, em que é obrigado a fazer mais do que aquilo que faz o colega do lado, as regras da concorrência têm natural e humana tendência para se sobreporem às regras da ética. É uma espécie de vale tudo. Isso verifica-se mais nos órgãos de informação que possuem um suporte de transmissão mais poderoso, como a televisão e a rádio. Eu continuo a pensar que apesar de tudo ainda é nos jornais que mais se respeitam os princípios éticos e deontológicos do jornalismo. Não quero dizer que isso suceda em todos os jornais, mas que na sua maioria isso acontece.

Então o jornalismo começa também a ser encarado como um negócio?

... Sim.... é um negócio, um grande negócio. E temos alguns exemplos disso mesmo. O australiano Murdock quando comprou metade da imprensa britânica, ficou com um poder extraordinário. Isso verificou-se também em Itália, com o grupo Berlusconi. E não se pode excluir a hipótese de Berlusconi ter chegado a Primeiro Ministro de Itália, sem o apoio dos jornais e do grupo de Imprensa que possuía. Em Portugal, o próprio Emídio Rangel, da SIC, referia, há dois anos, que quando uma televisão possuir mais de 50 por cento de audiências, até presidentes da República pode fazer. É óbvio que, hoje, há interesses financeiros e políticos por atrás dos jornais, sem, qualquer espécie de comparação do que existia no passado. Esses grupos estão mais presentes, são mais acutilantes e com objectivos muito mais económicos, políticos e sociais e assumidamente económicos e políticos.

Em Portugal corre-se o risco do Grupo Lusomundo ter o domínio da principal Imprensa portuguesa?

Não sei se correrá esse risco. Eu diria que se correria o perigo de irmos para uma situação de monopólio mais gravosa do que a situação de monopólio de Estado, com a qual não estava de acordo, mas que me parece o menos mau dos monopólios, se ninguém tentasse travar um pouco o grande império de Francisco Balsemão. Hoje fala-se muito da Lusomundo, e de facto a Lusomundo comprou o Diário de Notícias, o Jornal do Notícias, tem uma participação no Jornal do Fundão, é detentora dos títulos Grande Reportagem, Volta ao Mundo, entre outros. São bastantes, é verdade, mas por outro lado o Grupo de Francisco Balsemão dispunha de um conjunto de instrumentos de comunicação social poderosíssimos. Pelo que antes de falarmos no perigo do monopólio da Lusomundo teremos que falar no do Grupo de Francisco Balsemão.

Pinto Balsemão já anunciou que é provável que seja candidato a Belém. Acha que a Imprensa que o seu grupo lidera, poderá contribuir para uma possível vitória?

Ninguém pode ter, sobre essa matéria, uma opinião formada. O Dr. Pinto Balsemão, quando foi Primeiro Ministro, e mesmo enquanto fundador do Partido, nunca teve nenhuma interferência directa na redacção do Expresso. No entanto, não deixou de expulsar o director adjunto do jornal, quando Joaquim Vieira entrou numa área que o prejudicava a ele, Dr. Balsemão. Resta saber até que ponto vai resistir à tentação de utilizar os meios de comunicação para uma candidatura. Só ele saberá. Mas como se sabe uma candidatura à Presidência da República mistura não só o poder político, como também o económico. Pois a imagem do Presidente pode legitimar um grupo económico.

E ao nível da RTP?, Barata-Feyo está ligado há televisão pública desde 1978, sentiu pressões ao longo de todos estes anos?

Sempre houve pressões. É claro que as pressões de hoje são muito diferentes das efectuadas quando eu comecei a trabalhar. São menos primárias. Em 1978, quando eu era correspondente em Paris, as pressões eram tão primárias, como primária era a democracia no nosso País. Havia políticos que entendiam que deveriam ter um controlo absoluto de tudo o que era dito, e que lhes bastaria apropriarem-se de todo o aparelho que estava estatizado na altura (televisão, rádios e jornais) para manterem esse mesmo poder. Ou seja sabiam pouco de ciências políticas, embora ainda hoje não saibam muito, e partiam do princípio algo obtuso, na lógica se eu aparecer muitas vezes na televisão, os portugueses vão ouvir aquilo que eu digo, ficam convencidos e votam em mim. Só que sucessivas eleições provaram, que tendo todos eles caído nessa tentação totalitária de utilizarem os órgãos de comunicação estatizados da altura, nenhum conseguiu manter o poder e ganhar as eleições seguintes, por causa disso.

Mas que tipo de pressões primárias eram essas?

Os meios de pressão eram mais brutais. Atacava-se o jornalista no plano pessoal, as perseguições eram de ordem política. Com o professor Cavaco Silva esse tipo de pressões mudou. E hoje não se fazem, como se fizeram até meados de 1980, isto é por processos disciplinares aos jornalistas por delito de opinião. Aquilo que se verifica é uma pressão mais subtil, mais sofisticada, mais moderna e europeia, que se traduz numa constante e permanente ameaça ou promessa de reestruturação da empresa, onde os bem comportados são contemplados com outras benesses e os mal comportados (aqueles que continuam a ter uma posição de independência) são penalizados. 

Ou seja, a chamada reestruturação da empresa é hoje o principal instrumento de pressão para com os jornalistas...

É, continua a ser o instrumento através do qual a tutela exerce a sua pressão. Infelizmente digo a tutela, pois continuamos a ser o único país da Europa que tem uma televisão de serviço público com estatuto governamental, em vez de um estatuto parlamentar ou social. Isto é, em vez de ter uma administração nomeada por um conselho representativo das forças vivas do País. Nós estamos num modelo primário. As administrações são nomeadas pela tutela que detém sobre elas plenos poderes, de vida e de morte. A mesma assinatura que nomeia um presidente da televisão, é a mesma assinatura que lhe retira os poderes. E nós já tivemos presidentes do Conselho de Administração que estiveram lá três meses.

E como é que se contraria isso?

Alterando o estatuto. Este Governo, em particular o secretário de Estado, Arons de Carvalho, tem feito esse diagnóstico com frequência. Tem dito que há três modelos na Europa e que o nosso é o pior. Estamos na segunda legislatura do Partido Socialista, a doença foi encontrada, mas não se lhe aplica o remédio. Continuamos assim a ter uma televisão de serviço público dependente do Governo, o que é pouco salutar em termos de democracia e o que retira ao serviço público de televisão a autonomia de decisão, quer no plano editorial, que é o mais importante, quer na gestão dos recursos. Isto tudo com algumas agravantes, que resultam da enorme apetência que as tutelas, e falo deste Governo como poderia falar dos anteriores, têm em interferir na vida das empresas em áreas nevrálgicas para o futuro dessas mesmas empresas. Isto é, com frequência uma empresa pública em vez de adquirir os quadros de que necessita para fazer melhor os seus trabalhos, no caso da televisão, em vez de recrutar técnicos e jornalistas fazedores de televisão, de acordo com as suas capacidades, recruta-os por imposição do aparelho do partido que está no poder. O que é terrível pois está-se a hipotecar o futuro da empresa.

Das três estações televisivas em Portugal, qual é que está no bom caminho?

As comerciais vão no seu caminho natural. Têm pouquíssimas limitações e obrigações. Como empresas comerciais têm por objectivo fazer dinheiro e terem lucros. É legítimo que façam tudo para ter lucros. Não pode ser essa a perspectiva e a postura de serviço público. Ou então deixamos de ser um canal de serviço público e passamos a ser uma empresa privada. Eu também sei como é que se faz programação e informação numa empresa privada. Sei o que é necessário fazer e o que é indispensável não fazer para aumentar as audiências. Se eu quiser apostar nos instintos contra a civilização, aumento inevitavelmente as audiências. Independentemente de muitas coisas que são feitas em Portugal por canais comerciais serem do ponto de vista formal, da construção da imagem televisiva, bons programas. Porque também não basta pensarmos que um programa com características culturais é por si só um bom programa de televisão. Pode mesmo ser um mau programa, não resultar. E se o serviço público não é visto, não serve para nada. Em suma, os canais privados fazem muitos programas que não contribuem, a meu ver, para o desenvolvimento das capacidades cívicas do cidadão, mas formalmente são programas bem feitos. Normalmente, a RTP fá-los mal feitos. Estes e aqueles em que se esperava que a componente cultural não fosse sinónimo de erudição chata, que afasta o telespectador desse mesmo programa.

Relativamente ao Centro de Emissão de Castelo Branco. O que é que se pode esperar desta delegação? É uma aventura o seu regresso?

Não, não é nenhuma aventura. A RTP de Castelo Branco faz parte da RTP. Eu estou nesta casa há mais de 20 anos, pelo que estar na RTP em Paris, aqui, ou em reportagem em Angola, no Afeganistão ou no Líbano, não altera nada. Um jornalista tem que fazer jornalismo, independentemente do local em que se encontra. É claro que na perspectiva de quem se quer servir da televisão para se promover, ou na perspectiva de um candidato a vedeta, é preferível estar-se num outro sítio que não em Castelo Branco. Como pessoalmente nunca a tive, sinto-me tão bem aqui como noutro lado qualquer.

E o Centro de emissão?

Este é um projecto que foi lançado pela anterior direcção, liderada por Joaquim Furtado, da qual eu fazia parte. Foi nessa altura que a televisão portuguesa de serviço público, ainda que com 20 anos de atraso em relação a algumas estações europeias, começou a aproximar o cidadão da televisão. Não é por acaso que os programas mais vistos da RTP e dos outros canais são os regionais. Pois é neles que as pessoas se revêm no seu quotidiano. Foi isso que foi feito na altura e que continua a ser feito. Castelo Branco ficou para trás, não por culpa da RTP. Mas sim, porque a Portugal Telecom, a quem a RTP foi obrigada a vender as suas antenas por decisão governamental - mais tarde passámos a alugar essas mesmas antenas à Portugal Telecom, por um milhão e meio de contos por ano - acabou por atrasar o processo.

Além da RTP esteve ligado a vários projectos na Imprensa portuguesa e estrangeira. O que é que mais o fascina, a escrita ou a televisão?

A escrita. Talvez porque eu tenha nascido na Imprensa. Comecei a trabalhar em jornais diários estrangeiros. Ainda em jovem colaborei com alguns jornais regionais como o Reconquista e o Jornal do Fundão. Profissionalmente foi em Paris que comecei a trabalhar como jornalista, mas para a imprensa americana, depois estive ligado ao aparecimento do jornal Libération e a outros projectos. Mas aquilo de que gosto é ir fazer uma reportagem com bloco de notas. Na televisão é diferente, por vezes quando se chega aos locais de reportagem o ambiente já não é o mesmo.

Durante todos estes anos, algum dia sentiu a sua vida em perigo?

Várias vezes, mas não gosto muito de falar dessas coisas. De todas as vezes que estive perto de morrer, estava lá como voluntário. Por outro lado, aquilo que acontece ao jornalista enquanto está a fazer uma reportagem não é notícia. O que constitui notícia é aquilo que ele está a fazer. Mas, de facto por várias vezes corri esse risco, não só eu como a equipa estava comigo, desde sermos bombardeados, emboscados, presos e libertados, mas isso não é notícia.

 

 

MESTRE ALVES DE SOUSA

Uma vida, muitos países

 


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