Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIV    Nº156   Fevereiro 2011

Entrevista

ANA GUEDES RODRIGUES, JORNALISTA

"Estou longe de ter tocado no tecto"

A competência e a simpatia com que enfrenta as câmeras tornaram Ana Guedes Rodrigues, aos 28 anos, um fenómeno televisivo de grande popularidade. A apresentadora do «Jornal da Uma» da TVI revela que recebe muitas mensagens de estudantes que a questionam sobre o segredo do seu sucesso. Capacidade de sacrifício e gostar do que se faz são os conselhos da pivô que refere ainda que muitos dos jovens que estudam Comunicação Social querem ser famosos a todo o custo, de preferência sem grande esforço.

Tem uma página de fãs no Facebook e foi recentemente eleita a mais elegante da Gala de Natal da TVI. Li numa entrevista que acha que a notoriedade conquistada tem um «lado óptimo e outro lado assustador». Como lida com esta repentina exposição pública?

Creio que tenho lidado bem, nomeadamente na vertente mediática. As pessoas costumam abordar-me de forma elogiosa, o que faz com que ganhe confiança no desempenho do meu trabalho. O lado mau do mediatismo é a perda de privacidade. Mesmo de férias num destino distante, não estamos livres que nos reconheçam, porque há sempre um português em qualquer parte do mundo. Os olhares são por vezes muito indiscretos. Mas o que me perturba mesmo são alguns comentários obscenos que recebo no meu e-mail da TVI de pessoas que se sentem muito próximas, talvez porque entramos na casa delas todos os dias. É quando a bolha que nos parece proteger, acaba por rebentar. De qualquer forma, procuro que estes episódios não afectem a minha relação com o público.

Não é normal um pivô ter uma ascensão tão rápida. Alguma vez pensou aos 28 anos ser uma das principais caras do canal mais visto em Portugal?

Não lhe posso dizer que esperava chegar a este ponto tão rapidamente, mas confesso que trabalhei muito para isso. Tive sorte e estive com as pessoas certas nos momentos certos. Mas também fiz sacrifícios pessoais muito grandes, abandonei a minha cidade natal, o Porto, para vir, primeiro para Faro e agora para Lisboa, o que me custou muito.

É pouco frequente pivôs com idade inferior a 30 anos apresentarem os telejornais mais vistos, como são os do almoço e do jantar. Como explica o seu caso?

Repare que os que são hoje grandes pivôs começaram a sua carreira com a minha idade. Estou a falar do Júlio Magalhães, Carlos Daniel, José Alberto Carvalho, só para citar alguns, agora todos na casa dos 40 anos. A fidelização de uma cara a apresentar os boletins noticiosos é uma estratégia que todos os canais seguem, por isso quando se aposta num rosto novo, não deixa de ser um risco. Pode correr bem e pode correr mal. No meu caso, penso que não podia estar a correr melhor. Sou segura e confiante naquilo que faço.

Tem alguma referência televisiva?

Gosto imenso do Mário Crespo. É um jornalista que fala e bem sobre qualquer assunto, para além de ter as características de um comunicador nato. Por vezes temos dúvidas se está a ler o teleponto ou se está a falar de improviso. Tem atributos ao alcance de poucos.

Nos Estados Unidos há a tendência para apostarem nos “anchors” (ou âncoras) maduros e com cabelos brancos. Na Europa o cenário é algo diferente. A antiguidade não tem que ser um posto?

Isso depende do espírito do canal. A antiguidade é um posto na BBC, mas o mesmo já não se passa na CNN, que é uma estação mais aberta e menos formal. Na vizinha Espanha apostam em caras muito jovens e dinâmicas. Concordo que um jornalista maduro, com 30 anos de carreira às costas e com centenas de reportagens feitas, imprime mais credibilidade à informação. Contudo, a antiguidade não tem de ser um sinónimo exclusivo de credibilidade. Tudo depende da maturidade do jornalista. Um jovem pode desempenhar o cargo com a mesma segurança que um jornalista sénior.

Que qualidades deve ter um pivô?

Basicamente, saber passar a mensagem para o público e ser convicto e seguro daquilo que está a dizer. Confiança em si próprio e preparação prévia são fundamentais. De que adianta ser um pivô sénior se não existir uma boa ligação com o telespectador? Certamente quem está lá em casa vai reparar em detalhes como a cor da gravata, o cenário, etc.

Chegar a apresentar o noticiário das 20 horas, em horário nobre, seria o topo de carreira para si?

Não vejo como tal. O que muda verdadeiramente é a visibilidade e a responsabilidade, já que o sucesso ou uma gafe são ampliados de forma superlativa. O “Jornal Nacional” praticamente duplica em termos de telespectadores o “Jornal da Uma”. Se algum dia tiver essa oportunidade veria esse momento como mais um desafio da vida e não um degrau para chegar ao topo da carreira. Plenamente realizada sinto-me agora, apesar de achar que posso ainda crescer muito como pivô do «Jornal da Uma». Estou longe de ter tocado no tecto.

O impacto da televisão é brutal e se determinado vídeo for parar ao You Tube, nem se fala. O momento hilariante que teve com o Manuel Luís Goucha, no «Você na TV», em que gracejou com o namorado do apresentador, tem quase 450 mil visualizações na internet. Como reagiu?

Não estava à espera. Foi uma brincadeira que saiu naturalmente. Aquele é um momento por tradição descontraído em que lançamos as notícias das 13 no programa do Goucha e da Cristina Ferreira e nunca imaginámos a repercussão dos comentários e das visualizações. Também deu para notar que Portugal ainda está preso a alguns preconceitos e certas pessoas ainda vislumbram maldade em comentários completamente descontraídos e bem-humorados.

São muitas as críticas à qualidade e aos critérios informativos dos canais portugueses. Concorda que os telejornais são, na generalidade, demasiado prolongados e algo sensacionalistas?

Numa televisão generalista, em que existem dois boletins noticiosos por dia, não me parece exagerado o tempo de duração destes telejornais. Acima de tudo procura-se dar ao telespectador informação mais ampla possível sobre os vários campos da sociedade. Quanto às críticas de sensacionalismo, a fama começou por ser da TVI, mas hoje creio que ninguém tem moral para atirar pedras aos telhados dos outros. Se há sensacionalismo ele existe em todos os canais. As televisões pautam-se todas pela mesma bitola e hoje se se sintonizar os telejornais das 20 horas poucas diferenças se conseguem encontrar, nomeadamente nos temas de abertura.

Como é que explica essa homogeneização noticiosa?

O principal problema do jornalismo português, em particular, e do jornalismo do século XXI, em geral, é a falta de investigação. Os motivos são vários: escasseiam recursos humanos e técnicos e os valores económicos sobrepõem-se ao interesse jornalístico. E todos sabem, as audiências assim o provam, que o público gosta das reportagens de investigação. O caso do “Jornal de Sexta-Feira”, apresentado por Manuela Moura Guedes, era disso exemplo. Hoje, ainda se faz investigação na TVI, mas provavelmente menos. A pressão do tempo é enorme e um jornalista de investigação pode estar um ou dois meses em exclusivo atrás de uma determinada notícia. Os constrangimentos económicos com que se debatem os grupos de Comunicação Social não se compadecem com esta espera.

Como reage às críticas de «futebolização» da Comunicação Social, especialmente a televisiva?

Acho que não têm razão de ser. O público pede e gosta dessa informação. Portugal é um dos países do mundo com mais jornais desportivos diários, três. As pessoas adoram futebol. No dia seguinte vemos as audiências e elas atingem um pico, por isso é natural que se mantenha essa estratégia noticiosa. Pode-se discutir se o tema era notícia ou não, se calhar não interessará é a todos. Os próprios casos judiciais que são notícia porventura não cativam toda a gente. Estou certa que a minha avó não se atrai minimamente pelo processo “Face Oculta”, apesar de ser um tema que já abriu dezenas de telejornais.

A SIC-Notícias, a TVI24 e a RTP-N constituem a oferta televisiva dos canais de informação contínua em Portugal. Temos país para a coabitação de três canais?

Se eles existem, pelos vistos há. A televisão é um meio mais imediato. Ao contrário dos jornais é gratuita e já aparece tudo feito, não precisa de se digerir e interpretar o que veicula como os jornais. Vivemos numa era em que se consome o que é mais rápido.

Mas há matéria informativa suficiente para preencher 24 sobre 24 horas?

Portugal é pequeno, mas passa-se muita coisa. O que é preciso é saber explorar a dimensão das notícias. Veja que o espaço de opinião e debate cresceu muito com o aparecimento destes canais. Isso é uma mais-valia para a opinião pública formar a sua consciência crítica sobre tudo o que a rodeia.

E pese embora haja quem queira subvalorizar o povo português, acho que nós gostamos de informação e especialmente a que aprofunda e analisa os temas com carácter de investigação, com uma acutilância quase policial, digamos assim.

Licenciou-se em Comunicação Social, um curso que atrai muita gente, mas com poucas saídas. Como vê esta situação?

Os jovens têm que ter a noção que o mercado está saturado e não é só no jornalismo, é em quase todas as áreas. Mas é importante as pessoas lutarem pelos seus sonhos. Fazer aquilo que gostamos é meio caminho andado para nos empenharmos mais.

Que conselho daria aos jovens com um «canudo» na mão e sem colocação no mercado de trabalho?

Não podem estar parados. Têm que encontrar uma solução, um trabalho temporário. Se não arranjarem colocação na área do curso que tiraram, terão de estar, nem que seja temporariamente, noutra área. Numa seguradora, numa lavandaria ou num “call center”, o importante é produzir e ter a consciência de que se fez tudo o que estava ao alcance. E, acima de tudo, estar atentos ao mercado de trabalho. O que se passa é que as pessoas alimentaram enquanto estudantes muitas ilusões e depois a decepção é tremenda.

Defende a redução do número de cursos de Jornalismo?

A selecção de estudantes de Jornalismo não pode ser feita como acontece com a Medicina. Um estudante que entrou com 13 valores pode ter mais vocação do que um que entrou com 16. Não se pode fechar a porta desta maneira. Seria injusto. Todos devem ter oportunidade de demonstrar o que valem. Ainda esta semana ouvi que na Primavera vai abrir portas um novo grupo de Comunicação Social da responsabilidade de Emídio Rangel. Quem sabe se a oportunidade para muitos desempregados ou recém-licenciados não está neste projecto?

Costuma ser abordada na rua por estudantes de Jornalismo?

Eu recebo muitos e-mails de jovens, universitários e do ensino secundário, que se sentem perdidos e que pedem aconselhamento sobre a profissão. E há alguns que chegam mesmo a pedir-me «cunhas». O que eu noto é que muitos dos que dizem querer seguir o jornalismo televisivo estão a viver um sonho irreal. Mascaram a vontade de ser famoso, com o desejo de ser jornalista. Alguns dos e-mails que recebo perguntam directamente: Como é que eu posso ser pivô? Há algum curso? No fundo, estão a pedir-me que lhes diga como é que eles podem ser como eu. Querem ser famosos, mas de preferência de forma fácil. Não pode ser. Isto é a subversão dos valores. Para chegar alto é preciso fazer sacrifícios inimagináveis.

Mas a imagem de quase perfeição que os pivôs passam não pode aliciar muitas mentes mais iludidas?

Esta sociedade veicula ideais de perfeição. As pessoas têm de ser todas magras, todas bonitas, elegantes e as mulheres têm de caber todas num 36. Esta é a imagem da profissão que vendemos todos os dias. A verdade é que o jornalismo dá trabalho e ninguém nos garante a fama.

Nuno Dias da Silva

 


Cara da Notícia
 

Ana Guedes Rodrigues nasceu em 1982 na cidade do Porto. É jornalista desde os 21 anos. Licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Letras do Porto, instituição onde começou a redigir as primeiras «peças» para o portal do curso na internet. Na sequência do protocolo da faculdade com a TVI, fez um estágio de 6 meses na delegação da estação da «cidade invicta». Não foi admitida, mas nem assim desistiu. Candidatou-se à vaga na delegação de Faro e rumou ao Algarve onde esteve 9 meses como repórter. Retornou ao Porto, para fazer uma pausa no Jornalismo. Trabalhou numa companhia de seguros, sem nunca perder de vista o regresso à profissão. O início do Porto Canal foi a porta aberta que não desaproveitou. Fez os castings, foi aceite e por ali ficou até ao arranque do TVI24. Contactou Júlio Magalhães, o actual director de informação da TVI e seu chefe no Porto, que após informá-la que a redacção do canal informativo estava fechada conseguiu abrir uma excepção por «apreciar o seu trabalho». Ana Rodrigues prestou provas e entrou como repórter do canal de informação na sua cidade, o Porto. Começou a dar nas vistas e após ter feitos testes para pivô, elogiada pela própria Manuela Moura Guedes, surgiu a oportunidade de preencher uma vaga no “Diário da Manhã”, onde esteve meio ano a apresentar no duro horário das 7 às 10 da manhã. O bom desempenho levou-a a apresentar o “Jornal da Uma”, a partir do Verão de 2009, alternando com Pedro Carvalhas. Na semana em que não se senta na cadeira do estúdio, pega no microfone e vai para a rua fazer reportagens e directos. Viajar é a sua paixão. Para já, as deslocações mais frequentes são mesmo entre a capital do país e a capital do norte. «Lisboa é a cidade onde trabalho, o Porto a cidade onde sou feliz», diz.
 

 

 

JOE BERARDO FALA DO BUDDHA EDEN GARDEN E DA CULTURA

Entrada nos museus deveria ser gratuita

O comendador José (Joe) Berardo considera que a entrada nos museus portugueses deveria ser gratuita. A pretexto do Buddha Eden Garden, um jardim que ocupa cerca de 30 hectares e que resulta numa homenagem Em entrevista ao Ensino Magazine, aquele que é considerado como um dos maiores coleccionadores de arte do país, explica como a arte pode contribuir para a paz entre os povos.

O Buddha Eden Garden é um espaço com cerca de 35 hectares, idealizado e concebido pelo Comendador José (Joe) Berardo, em resposta à destruição dos Budas Gigantes de Bamyan. Essa atitude do Governo Talibã foi uma das razões para criar o jardim da paz?

Sim, indubitavelmente! Fiquei profundamente chocado com a atitude do Governo Talibã, que destruiu, intencionalmente, monumentos únicos do Património da Humanidade. Em minha opinião foi um dos maiores actos de barbárie cultural, apagando da memória obras-primas, do período tardio da Arte Gandhara. Desde essa altura, e já lá vão 10 anos, decidi criar este extenso jardim oriental, prestando, de certo modo, homenagem a esses colossais Budas, que durante séculos foram referências culturais e espirituais. Acredito que com iniciativas como esta podemos ajudar à promoção dos valores essenciais do Homem, contribuindo para disseminar a cultura da paz.

Qual o segredo para que no Buddha Eden Garden se respire tanta tranquilidade?

O local onde está hoje instalado o Jardim era já um sítio tradicionalmente calmo e tranquilo, onde se sentiam boas vibrações. Entretanto, quando surgiu a ideia de dar início a este projecto transmitimos a nossa percepção ao arquitecto, que idealizou o desenho dos trajectos e a disposição das esculturas de forma cadenciada. Neste espírito de harmonia e serenidade seleccionámos um conjunto de plantas, que se adequassem ao projecto, vocacionado para a meditação e promoção da interacção social e cultural, conforme os princípios da solidariedade e da dignidade humana.

Numa época conturbada como a que o mundo vive, onde a sociedade é cada vez menos tolerante, este jardim surge como um espaço de reconciliação...

Sim. Para nunca nos esquecermos que é nos momentos difíceis, que devemos ter, ainda, maior compreensão entre os seres humanos, respeitando as suas diferenças. Este Jardim não tem qualquer tendência religiosa, nós abrimos as portas, a todas as pessoas, independentemente, da religião, etnia, nacionalidade, sexo, idade, condição cultural ou social, convidando à união, comunicação e meditação, como forma de redescobrir a felicidade.

Quando o jardim ficou concluído e pronto para ser aberto ao público, qual foi o sentimento que mais o marcou?

O Buddha Eden Garden, ainda, não abriu oficialmente. Embora estejamos abertos ao público e tenhamos recebido inúmeros visitantes desde do início da sua construção, a verdade é que não tivemos, até agora, uma inauguração propriamente dita. Neste momento, ainda, temos alguns trabalhos a decorrer, essencialmente no que diz respeito à parte da flora, mas pretendemos terminá-los em breve. No entanto, por definição, um jardim nunca está acabado.

Acredita que através da arte é possível promover-se a paz no mundo?

Ao longo dos anos, a cultura tem contribuído muito nessa área. Acredito que a arte é uma relação com o mundo e nesse sentido ajuda-nos a conhecer o próximo, contribuindo incontestavelmente ao cultivo do respeito entre os seres humanos.

Como é que é possível manter, em Portugal, uma estrutura com essa dimensão em funcionamento?

É difícil, mas acho que todos nós temos o dever de preservar o património e dividir com os outros as coisas boas da vida.

O Buddha Eden Garden é já uma referência internacional. A sua construção exigiu o recurso a muitos meios técnicos e humanos?

Claro, o resultado está à vista! Estamos a falar de centenas de esculturas, que variam entre os 50 centímetros e os 21 metros, ultrapassando as 6000 toneladas de mármore e granito, às quais se juntam 900 soldados de terracota pintados à mão, variadíssimos elementos relativos à cultura oriental e um extenso património natural. Mas, tudo isto só foi possível porque desde do início do projecto contamos com a excepcional coordenação do Telmo Santos, o verdadeiro homem dos sete ofícios! Polivalente e corajoso este homem dedicou-se de corpo e alma ao Buddha Eden Garden empenhando toda a sua vontade, força e dedicação.

As peças aí apresentadas foram produzidas para o efeito, ou algumas já pertenciam à sua colecção?

Todas estas peças expostas foram especialmente criadas para o Buddha Eden Garden.

Mudando de assunto. O Comendador desde sempre foi um dos grandes impulsionadores e coleccionadores de arte em Portugal. Pode dizer-se que hoje os portugueses apreciam mais esta vertente cultural que noutros tempos?

Acho que todos os seres humanos conforme vão melhorando os seus conhecimentos, vão apreciando as coisas boas da vida. Uma das minhas grandes motivações enquanto coleccionador foi sempre possibilitar a partilha com o público. As grandes obras de arte são somente grandes quando vistas e admiradas por todos.

Chegou a defender que os museus em Portugal deveriam ter entrada gratuita para a população. Foi essa a filosofia que empregou no Buddha Eden Garden?

Penso que se queremos contribuir para melhorar a cultura dos povos, temos que possibilitar o acesso aos espaços culturais, quer sejam museus, jardins, monumentos ou locais com interesse histórico. Normalmente, as pessoas com maior poder financeiro não pagam para visitar esses espaços, mas se queremos sensibilizar o grande público temos que promover o acesso livre, principalmente, numa altura como esta, em que a nossa economia está a viver tempos complicados. A nossa grande herança, a que recebemos e que vamos legar às gerações futuras, é o nosso património cultural.

Aliança Underground Museum foi outra das suas apostas. Está satisfeito com o funcionamento desse espaço?

A primeira grande surpresa do Aliança Underground Museum foi a transformação de cerca de um quilómetro e meio de túneis subterrâneos num extraordinário museu. Com as novas tecnologias deixou de ser necessário colocar milhões de garrafas de espumante em estágio, por isso, tínhamos toda aquela área praticamente sem utilidade. Quis juntar o útil ao agradável e fizemos ali um grande investimento de melhoramento, que só foi possível graças à extraordinária força de vontade das pessoas da Aliança Vinhos de Portugal e da equipa pluridisciplinar constituída por elementos da Fundação Berardo da Ilha da Madeira e da Colecção Berardo de Lisboa e Sintra. O processo de transformação foi feito em tempo recorde. Em apenas quatro meses arranjamos o espaço, construímos estruturas expositivas e montamos milhares de peças. Isto é obra e é, também, exemplificativo da dedicação e trabalho de muitas pessoas!

Após a inauguração fiquei agradavelmente surpreendido com os resultados deste Museu, especialmente pela grande procura que tem tido. Temos alguns dias com 800 visitantes, tem sido uma grande surpresa! O casamento entre a cultura, a gastronomia e os vinhos, é uma combinação fantástica. E prova disso foi o prémio que o Aliança Underground Museum recebeu no passado dia 15 de Janeiro, sendo considerado o “Melhor Enoturismo sem Estadia” na Gala dos prémios W 2010 promovida pelo enólogo e crítico de vinhos Aníbal Coutinho. Este tipo de reconhecimento é para nós um grande motivo de orgulho, pois não temos ainda um ano de funcionamento e contamos já com várias distinções e uma grande afluência de público.

E no que respeita ao seu museu em Lisboa. A aposta foi ganha? É para continuar?

Nós temos um acordo com o Governo Português e não há razão para parar. Embora, as dificuldades económicas sejam grandes, temos que dar as mãos e seguir em frente.

 

 

RICARDO ARAÚJO PEREIRA EM ENTREVISTA

"A Relação de uma pessoa com um clube
é como um casamento, mas mais fiel"

Ricardo Araújo Pereira é o elemento mais mediático de um quarteto que revolucionou a história do humor em Portugal, os Gato Fedorento. A divulgar o livro Chama Imensa, que reúne as crónicas que escreveu sobre o futebol, o humorista fala da sua paixão de sempre pelo clube da Luz e da vida difícil dos humoristas portugueses. Sobre o possível regresso dos Gato Fedorento à televisão ironiza «Se tudo correr bem, não».

Chama Imensa reúne várias crónicas de um Jornal. Como foi feita a escolha para a edição final?

Basicamente tiramos as que ainda tivessem menos interesse do que estas; tiramos as que se referissem de tal forma a um acontecimento que estava muito marcado no tempo, e as pessoas já não se lembrassem dele. De resto, entraram todas.

Continua a colaborar com uma conceituada revista. É fácil, todas as semanas, arranjar material para escrever?

O problema em Portugal é que ou não arranjamos tema, porque acontece muito pouca coisa, ou acontece qualquer coisa que é mais engraçada do que o que quer que seja que consigamos inventar. Esse é um dos problemas do país. Ou não tem acontecimento nenhum ou tem acontecimentos tão grotescos que é redundante olhar para eles de uma forma humorística. É muito difícil a vida de um humorista em Portugal.

Porquê a escolha de Chama Imensa para dar título ao livro?

Por causa do hino do Benfica “Ser Benfiquista é ter na alma a chama imensa”. É isso que eu tenho na alma. Este não é o hino do Benfica, o hino do Benfica é outro, mas este é uma espécie de hino popular do Benfica. É por causa desse verso que o Luís Piçarra cantava.

O Gato Fedorento poderá regressar à SIC em 2011?

Se tudo correr bem, não. Se tudo correr bem, vamos estar sossegados. Mas estamos a ver se faz sentido voltarmos com alguma coisa, e que coisa será essa. Não está nada planeado.

É uma vantagem para o humorista ser imparcial e poder gozar e brincar com aquilo que entende?

Eu não acredito na imparcialidade do jornalista, quanto mais na do humorista. O humor parte de um ponto de vista sobre a realidade, e a partir do momento que adoptamos esse ponto de vista, não estamos a ser imparciais. Nunca escondi que era do Benfica, que era de esquerda, enfim, seja o que for. Por isso nunca enganei ninguém, daqui toda a gente sabe o que é que leva.

Já alguma vez recebeu um convite para ser adepto do outro lado da segunda circular?

Não. (Risos). Acho que eles não têm interesse em ter-me lá. Nunca recebi convites. A relação de uma pessoa com um clube é como um casamento, mas mais fiel. Por que uma pessoa não olha para outros clubes a pensar «olha este novo clube também, realmente, interessa-me». É só mesmo o nosso.

Um dos sketches que lhe deu gozo foi a caricatura do treinador do Sporting, na altura?

O Paulo Bento. Só consigo imitar as pessoas que são fáceis de imitar, não tenho talento para mais que isso. Era divertido fazer a imitação do Paulo Bento. Convidamo-lo uma vez para entrar num sketche connosco, mas ele recusou muito amavelmente, e depois convidou-nos ele para irmos almoçar. Temos com o nosso actual Treinador Nacional uma relação muito cordial.

Fiquei muitíssimo bem impressionado sempre que estivemos com o Paulo Bento.

Dá-lhe mais gozo escrever ou depois representar as ideias?

Escrever. O nosso trabalho principal é escrever. É ali que acontece tudo. É nessa altura que nos divertimos mais, e é ali que fica tudo definido.

As ideias surgem com facilidade para criar os sketches?

Com mais ou menos facilidade. Nunca se sabe bem de onde é que elas surgem, mas vão surgindo, quando têm mesmo de surgir. Outras vezes aparecem sem estarmos à espera delas e depois vamos trabalhá-las.

O Herman José abriu caminho para outra vaga de humoristas? Estava um pouco à frente para a época, em Portugal?

O Herman abriu caminho de mais do que uma maneira. Não só abriu caminho por que o tipo de humor que ele fazia era diferente daquele que se estava a fazer na altura, como abriu caminho por que foi censurado, uma ou duas vezes, e isso fez com que os novos agora possam estar mais à vontade. Ele é como o nosso Martim Moniz, meteu o pé na porta e agora entramos todos.

Quando teve o primeiro contacto com a SIC Radical, na primeira edição do Gato Fedorento, a crítica disse que era humor inteligente. Gostou desse rótulo?

Não especialmente. Normalmente quando uma coisa não tem muita graça, a crítica diz que é humor inteligente. É possível que tenha sido isso. «Eu não percebo que graça é que isto tem, é capaz de ser humor inteligente.». Então puseram-nos esse rótulo, que é muito desagradável e receio que afaste público. As pessoas não têm especial apreço por coisas que são inteligentes - Estou a brincar.

É mais agradável ter ideias que façam pensar as pessoas, que não se riam logo no primeiro instante?

Não. Isso é uma discussão antiga. O trabalho do humorista é fazer rir as pessoas. Há sempre alguém que diz «mas o humorista também devia fazer pensar». Ora eu não conheço ninguém que consiga rir sem pensar. Se me estou a rir é por que estive a pensar naquilo que me faz rir. Portanto, o objectivo é fazer rir.

Actualmente, em Portugal, os humoristas são cada vez mais inteligentes e criam coisas mais interessantes?

Não faço a mínima ideia (Risos). Mas acho que há de tudo em Portugal e isso é bom, não é? Há todas as variedades de humorista. Como quando vamos ao supermercado e há batatas fritas de todos os sabores. Às vezes quase não há batatas fritas com sabor a batata, mas os outros sabores há todos. Com os humoristas é a mesma coisa.

Entrevista: Hugo Rafael
Texto: Eugénia Sousa

 

 

 

VICENTE FERREIRA, REPRESENTANTE DOS INSTITUTOS POLITÉCNICOS NA FUTURÁLIA

Globalização exige melhores competênicas

Vicente Ferreira, presidente do Instituto Politécnico de Lisboa, é o representante do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos na Comissão Consultiva da Futurália. Na sua perspectiva, a organização deste tipo de eventos é uma oportunidade para os jovens e as suas famílias. Aquele responsável revela que a gloobalização exige competências de excelências. Um desafio a que os politécnicos têm sabido responder.

Qual a importância da Futurália para o ensino superior politécnico?

Sendo a Futurália um evento de âmbito nacional, que proporciona uma oportunidade estruturada de contacto com as alternativas de educação e de formação, e congregando o ensino superior politécnico um vasto leque de licenciaturas e mestrados com reconhecido impacto e aceitação na sociedade, indústria e serviços ao nível nacional e internacional, impõe-se a representação deste tipo de ensino neste salão nacional de ofertas, visitado por jovens que se encontram em período de tomada de decisão. Esta representação é fundamental, sobretudo num ciclo económico em que se pretende encorajar a adesão a escolhas promotoras de empregabilidade, que ajudarão os jovens a construir percursos de vida produtivos e sustentáveis, sendo igualmente fundamental apetrechar as nossas empresas e o nosso sector produtivo com profissionais de alto nível, capacitados para agir de forma inovadora, criativa e empreendedora, perfil profissional preconizado no ensino politécnico.

A Futurália reúne, anualmente, milhares de alunos. Este ano haverá também um dia dedicado às famílias. Em épocas de crise, os pais decidem cada vez mais o futuro dos filhos, no que respeita às suas escolhas no ensino superior?

Parece-me importantíssimo que a organização da Futurália desenvolva actividades destinadas às famílias, pois estas, de facto, desempenham um papel fundamental no apoio aos jovens, no seu processo de decisão. No entanto, não me parece que os pais se devam substituir aos filhos nessa área de decisão, assim como noutras áreas fundamentais ao planeamento dos percursos de vida dos indivíduos. Aos pais compete ajudar o jovem a ter acesso a informação actualizada, a proporcionar oportunidades e experiências de vida promotoras de auto-conhecimento, assim como a reflectir, em conjunto com os filhos, acerca de experiências e “lições de vida” derivadas dos seus percursos únicos e pessoais. Mas, não me parece que, no âmbito dos valores da nossa sociedade actual, os pais queiram propriamente decidir o futuro dos filhos, mas sim apoiá-los a tomar as decisões que são adequadas aos seus filhos. Não nos esqueçamos que um filho pode possuir características pessoais e perspectivas de vida diferentes, e não será por isso que terão de entrar em conflito!

Quais os desafios com que se deparam hoje os jovens portugueses?

Penso que os desafios dos jovens portugueses não serão assim tão diferentes dos de outros jovens do espaço europeu. Hoje estamos numa economia global, em que as empresas se formam, redimensionam, deslocalizam e se extinguem constantemente. Por outro lado, a mudança imposta pelo avanço tecnológico acontece a um ritmo alucinante. É por isso, cada vez mais, importante que os trabalhadores do século XXI desenvolvam competências de auto-gestão e regulação, pois serão eles a gerir as suas carreiras, com menos apoio de estruturas e vínculos laborais. Ser empreendedor, capaz de criar o seu próprio emprego, o de outros, ou se mover em trabalhos por projectos e captar fontes de financiamento (às vezes desaproveitadas) são desafios a que é importante responder. Neste sentido, o desenvolvimento do empreendedorismo é uma preocupação cada vez mais presente no Instituto Politécnico de Lisboa.

O ensino superior politécnico deve ter um cariz mais profissionalizante. Na sociedade actual isso é uma vantagem para os jovens que querem entrar no ensino superior?

O cariz profissionalizante não deve ser confundido com falta de fundamentação científica. Move-nos a visão da qualidade, da exigência e da permanente actualização. Efectivamente, procuramos que este subsistema de ensino ofereça respostas aos problemas e às necessidades de uma sociedade e economia modernas e em desenvolvimento, que requerem a produção de um mercado de trabalho (mão de obre disponível) altamente qualificada, voltada para a empregabilidade. Por isso, há que formar profissionais conhecedores e altamente treinados em várias áreas de actividade, prontos a aplicar os seus conhecimentos na resolução de problemas concretos, seja em postos de trabalho definido, seja na investigação aplicada. Não nos interessa ou nos move um tipo de ensino meramente teórico, ou meramente prático. É-nos cara a integração teórico-prática e o sentido de utilidade social e da relevância concreta do que ensinamos. Muitos jovens preferem este tipo de ensino e ficam muito satisfeitos face à facilidade que encontram na transição para o mercado de emprego. Efectivamente, as nossas licenciaturas possuem as altas taxas de empregabilidade no âmbito do sistema do ensino superior.

As instituições de ensino superior, universidades e politécnicos, têm sabido responder aos desafios e às novas exigências do mercado?

As instituições de ensino superior têm procurado cada vez mais corresponder aos desafios do mercado. No caso particular do ensino politécnico, houve um grande esforço em torno da adaptação dos planos curriculares dos cursos ministrados, a uma nova realidade, a da globalização. Por isso, a nossa grande aposta tem passado muito pela promoção do empreendedorismo e pela realização de programas de incentivo a novas ideias. Acima de tudo, o importante é preparar os estudantes para um mercado que procura inovação, criatividade e flexibilidade, facto que tem vindo a ser conseguido através de um corpo docente muito ligado ao mundo empresarial e conhecedor das suas exigências.

A máxima A vida é tua - descobre o teu caminho volta a ser o lema da Futurália. Com que caminhos se deparam hoje os jovens portugueses?

Os jovens portugueses deparam-se com caminhos de incerteza e de mutação, tal como os jovens de outros países europeus e de outras regiões do mundo. Acabaram-se os empregos para toda a vida. As carreiras numa única entidade empregadora. Por outro lado, em Portugal, em virtude de um atraso educativo estrutural, os empregadores nem sempre reconhecem as vantagens de valorizar, nas suas contratações, a formação especializada, que por vezes preterem a favor de mão-de-obra mais barata e menos qualificada. Este é um problema que em Portugal ainda necessita de ser ultrapassado e que, a melhorar, beneficiará os nossos jovens e a sua inserção profissional. O lema “A vida é tua, descobre o teu caminho” parece-me estimulante e faz muito sentido. Mais do que nunca os jovens terão de ser construtores motivados das suas situações de vida, quer a nível profissional, quer a nível pessoal. E é importante que esse caminho, nos dias de hoje, seja entendido como um percurso que necessariamente envolverá formação de qualidade e de nível superior, e contínua actualização. Está comprovado que possuir qualificação é fulcral para aceder ao trabalho reconhecido e recompensado, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista monetário. Descobrir o caminho é uma aventura que implica ter experiências de vida, ser mais participativo. Parece-me que ninguém descobre o seu caminho se ficar sentado sozinho em casa. É preciso ir à luta. É preciso conviver. É preciso experimentar. E os jovens, são, por natureza, exploradores na vida. Mais do que nunca há que fazer prolongar essa natureza, estendo-a a toda a vida, aprendendo continuamente e continuamente decidindo rumos para o trabalho.

 


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