ANA GUEDES RODRIGUES,
JORNALISTA
"Estou longe de
ter tocado no tecto"

A competência e a simpatia com que
enfrenta as câmeras tornaram Ana Guedes Rodrigues, aos 28 anos, um
fenómeno televisivo de grande popularidade. A apresentadora do «Jornal
da Uma» da TVI revela que recebe muitas mensagens de estudantes que a
questionam sobre o segredo do seu sucesso. Capacidade de sacrifício e
gostar do que se faz são os conselhos da pivô que refere ainda que
muitos dos jovens que estudam Comunicação Social querem ser famosos a
todo o custo, de preferência sem grande esforço.
Tem uma página de fãs no Facebook e foi recentemente eleita a mais
elegante da Gala de Natal da TVI. Li numa entrevista que acha que a
notoriedade conquistada tem um «lado óptimo e outro lado assustador».
Como lida com esta repentina exposição pública?
Creio que tenho lidado bem, nomeadamente na vertente mediática. As
pessoas costumam abordar-me de forma elogiosa, o que faz com que ganhe
confiança no desempenho do meu trabalho. O lado mau do mediatismo é a
perda de privacidade. Mesmo de férias num destino distante, não estamos
livres que nos reconheçam, porque há sempre um português em qualquer
parte do mundo. Os olhares são por vezes muito indiscretos. Mas o que me
perturba mesmo são alguns comentários obscenos que recebo no meu e-mail
da TVI de pessoas que se sentem muito próximas, talvez porque entramos
na casa delas todos os dias. É quando a bolha que nos parece proteger,
acaba por rebentar. De qualquer forma, procuro que estes episódios não
afectem a minha relação com o público.
Não é normal um pivô ter uma ascensão tão rápida. Alguma vez pensou
aos 28 anos ser uma das principais caras do canal mais visto em
Portugal?
Não lhe posso dizer que esperava chegar a este ponto tão rapidamente,
mas confesso que trabalhei muito para isso. Tive sorte e estive com as
pessoas certas nos momentos certos. Mas também fiz sacrifícios pessoais
muito grandes, abandonei a minha cidade natal, o Porto, para vir,
primeiro para Faro e agora para Lisboa, o que me custou muito.
É pouco frequente pivôs com idade inferior a 30 anos apresentarem os
telejornais mais vistos, como são os do almoço e do jantar. Como explica
o seu caso?
Repare que os que são hoje grandes pivôs começaram a sua carreira com a
minha idade. Estou a falar do Júlio Magalhães, Carlos Daniel, José
Alberto Carvalho, só para citar alguns, agora todos na casa dos 40 anos.
A fidelização de uma cara a apresentar os boletins noticiosos é uma
estratégia que todos os canais seguem, por isso quando se aposta num
rosto novo, não deixa de ser um risco. Pode correr bem e pode correr
mal. No meu caso, penso que não podia estar a correr melhor. Sou segura
e confiante naquilo que faço.
Tem alguma referência televisiva?
Gosto imenso do Mário Crespo. É um jornalista que fala e bem sobre
qualquer assunto, para além de ter as características de um comunicador
nato. Por vezes temos dúvidas se está a ler o teleponto ou se está a
falar de improviso. Tem atributos ao alcance de poucos.
Nos Estados Unidos há a tendência para apostarem nos “anchors” (ou
âncoras) maduros e com cabelos brancos. Na Europa o cenário é algo
diferente. A antiguidade não tem que ser um posto?
Isso depende do espírito do canal. A antiguidade é um posto na BBC, mas
o mesmo já não se passa na CNN, que é uma estação mais aberta e menos
formal. Na vizinha Espanha apostam em caras muito jovens e dinâmicas.
Concordo que um jornalista maduro, com 30 anos de carreira às costas e
com centenas de reportagens feitas, imprime mais credibilidade à
informação. Contudo, a antiguidade não tem de ser um sinónimo exclusivo
de credibilidade. Tudo depende da maturidade do jornalista. Um jovem
pode desempenhar o cargo com a mesma segurança que um jornalista sénior.
Que qualidades deve ter um pivô?
Basicamente, saber passar a mensagem para o público e ser convicto e
seguro daquilo que está a dizer. Confiança em si próprio e preparação
prévia são fundamentais. De que adianta ser um pivô sénior se não
existir uma boa ligação com o telespectador? Certamente quem está lá em
casa vai reparar em detalhes como a cor da gravata, o cenário, etc.
Chegar a apresentar o noticiário das 20 horas, em horário nobre,
seria o topo de carreira para si?
Não vejo como tal. O que muda verdadeiramente é a visibilidade e a
responsabilidade, já que o sucesso ou uma gafe são ampliados de forma
superlativa. O “Jornal Nacional” praticamente duplica em termos de
telespectadores o “Jornal da Uma”. Se algum dia tiver essa oportunidade
veria esse momento como mais um desafio da vida e não um degrau para
chegar ao topo da carreira. Plenamente realizada sinto-me agora, apesar
de achar que posso ainda crescer muito como pivô do «Jornal da Uma».
Estou longe de ter tocado no tecto.
O impacto da televisão é brutal e se determinado vídeo for parar ao
You Tube, nem se fala. O momento hilariante que teve com o Manuel Luís
Goucha, no «Você na TV», em que gracejou com o namorado do apresentador,
tem quase 450 mil visualizações na internet. Como reagiu?
Não estava à espera. Foi uma brincadeira que saiu naturalmente. Aquele é
um momento por tradição descontraído em que lançamos as notícias das 13
no programa do Goucha e da Cristina Ferreira e nunca imaginámos a
repercussão dos comentários e das visualizações. Também deu para notar
que Portugal ainda está preso a alguns preconceitos e certas pessoas
ainda vislumbram maldade em comentários completamente descontraídos e
bem-humorados.
São muitas as críticas à qualidade e aos critérios informativos dos
canais portugueses. Concorda que os telejornais são, na generalidade,
demasiado prolongados e algo sensacionalistas?
Numa televisão generalista, em que existem dois boletins noticiosos por
dia, não me parece exagerado o tempo de duração destes telejornais.
Acima de tudo procura-se dar ao telespectador informação mais ampla
possível sobre os vários campos da sociedade. Quanto às críticas de
sensacionalismo, a fama começou por ser da TVI, mas hoje creio que
ninguém tem moral para atirar pedras aos telhados dos outros. Se há
sensacionalismo ele existe em todos os canais. As televisões pautam-se
todas pela mesma bitola e hoje se se sintonizar os telejornais das 20
horas poucas diferenças se conseguem encontrar, nomeadamente nos temas
de abertura.
Como é que explica essa homogeneização noticiosa?
O principal problema do jornalismo português, em particular, e do
jornalismo do século XXI, em geral, é a falta de investigação. Os
motivos são vários: escasseiam recursos humanos e técnicos e os valores
económicos sobrepõem-se ao interesse jornalístico. E todos sabem, as
audiências assim o provam, que o público gosta das reportagens de
investigação. O caso do “Jornal de Sexta-Feira”, apresentado por Manuela
Moura Guedes, era disso exemplo. Hoje, ainda se faz investigação na TVI,
mas provavelmente menos. A pressão do tempo é enorme e um jornalista de
investigação pode estar um ou dois meses em exclusivo atrás de uma
determinada notícia. Os constrangimentos económicos com que se debatem
os grupos de Comunicação Social não se compadecem com esta espera.
Como reage às críticas de «futebolização» da Comunicação Social,
especialmente a televisiva?
Acho que não têm razão de ser. O público pede e gosta dessa informação.
Portugal é um dos países do mundo com mais jornais desportivos diários,
três. As pessoas adoram futebol. No dia seguinte vemos as audiências e
elas atingem um pico, por isso é natural que se mantenha essa estratégia
noticiosa. Pode-se discutir se o tema era notícia ou não, se calhar não
interessará é a todos. Os próprios casos judiciais que são notícia
porventura não cativam toda a gente. Estou certa que a minha avó não se
atrai minimamente pelo processo “Face Oculta”, apesar de ser um tema que
já abriu dezenas de telejornais.
A SIC-Notícias, a TVI24 e a RTP-N constituem a oferta televisiva dos
canais de informação contínua em Portugal. Temos país para a coabitação
de três canais?
Se eles existem, pelos vistos há. A televisão é um meio mais imediato.
Ao contrário dos jornais é gratuita e já aparece tudo feito, não precisa
de se digerir e interpretar o que veicula como os jornais. Vivemos numa
era em que se consome o que é mais rápido.
Mas há matéria informativa suficiente para preencher 24 sobre 24
horas?
Portugal é pequeno, mas passa-se muita coisa. O que é preciso é saber
explorar a dimensão das notícias. Veja que o espaço de opinião e debate
cresceu muito com o aparecimento destes canais. Isso é uma mais-valia
para a opinião pública formar a sua consciência crítica sobre tudo o que
a rodeia.
E pese embora haja quem queira subvalorizar o povo português, acho que
nós gostamos de informação e especialmente a que aprofunda e analisa os
temas com carácter de investigação, com uma acutilância quase policial,
digamos assim.
Licenciou-se em Comunicação Social, um curso que atrai muita gente,
mas com poucas saídas. Como vê esta situação?
Os jovens têm que ter a noção que o mercado está saturado e não é só no
jornalismo, é em quase todas as áreas. Mas é importante as pessoas
lutarem pelos seus sonhos. Fazer aquilo que gostamos é meio caminho
andado para nos empenharmos mais.
Que conselho daria aos jovens com um «canudo» na mão e sem colocação
no mercado de trabalho?
Não podem estar parados. Têm que encontrar uma solução, um trabalho
temporário. Se não arranjarem colocação na área do curso que tiraram,
terão de estar, nem que seja temporariamente, noutra área. Numa
seguradora, numa lavandaria ou num “call center”, o importante é
produzir e ter a consciência de que se fez tudo o que estava ao alcance.
E, acima de tudo, estar atentos ao mercado de trabalho. O que se passa é
que as pessoas alimentaram enquanto estudantes muitas ilusões e depois a
decepção é tremenda.
Defende a redução do número de cursos de Jornalismo?
A selecção de estudantes de Jornalismo não pode ser feita como acontece
com a Medicina. Um estudante que entrou com 13 valores pode ter mais
vocação do que um que entrou com 16. Não se pode fechar a porta desta
maneira. Seria injusto. Todos devem ter oportunidade de demonstrar o que
valem. Ainda esta semana ouvi que na Primavera vai abrir portas um novo
grupo de Comunicação Social da responsabilidade de Emídio Rangel. Quem
sabe se a oportunidade para muitos desempregados ou recém-licenciados
não está neste projecto?
Costuma ser abordada na rua por estudantes de Jornalismo?
Eu recebo muitos e-mails de jovens, universitários e do ensino
secundário, que se sentem perdidos e que pedem aconselhamento sobre a
profissão. E há alguns que chegam mesmo a pedir-me «cunhas». O que eu
noto é que muitos dos que dizem querer seguir o jornalismo televisivo
estão a viver um sonho irreal. Mascaram a vontade de ser famoso, com o
desejo de ser jornalista. Alguns dos e-mails que recebo perguntam
directamente: Como é que eu posso ser pivô? Há algum curso? No fundo,
estão a pedir-me que lhes diga como é que eles podem ser como eu. Querem
ser famosos, mas de preferência de forma fácil. Não pode ser. Isto é a
subversão dos valores. Para chegar alto é preciso fazer sacrifícios
inimagináveis.
Mas a imagem de quase perfeição que os pivôs passam não pode aliciar
muitas mentes mais iludidas?
Esta sociedade veicula ideais de perfeição. As pessoas têm de ser todas
magras, todas bonitas, elegantes e as mulheres têm de caber todas num
36. Esta é a imagem da profissão que vendemos todos os dias. A verdade é
que o jornalismo dá trabalho e ninguém nos garante a fama.

Nuno Dias da Silva
Cara da Notícia

Ana Guedes Rodrigues nasceu
em 1982 na cidade do Porto. É jornalista desde os 21 anos.
Licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Letras do
Porto, instituição onde começou a redigir as primeiras «peças» para
o portal do curso na internet. Na sequência do protocolo da
faculdade com a TVI, fez um estágio de 6 meses na delegação da
estação da «cidade invicta». Não foi admitida, mas nem assim
desistiu. Candidatou-se à vaga na delegação de Faro e rumou ao
Algarve onde esteve 9 meses como repórter. Retornou ao Porto, para
fazer uma pausa no Jornalismo. Trabalhou numa companhia de seguros,
sem nunca perder de vista o regresso à profissão. O início do Porto
Canal foi a porta aberta que não desaproveitou. Fez os castings, foi
aceite e por ali ficou até ao arranque do TVI24. Contactou Júlio
Magalhães, o actual director de informação da TVI e seu chefe no
Porto, que após informá-la que a redacção do canal informativo
estava fechada conseguiu abrir uma excepção por «apreciar o seu
trabalho». Ana Rodrigues prestou provas e entrou como repórter do
canal de informação na sua cidade, o Porto. Começou a dar nas vistas
e após ter feitos testes para pivô, elogiada pela própria Manuela
Moura Guedes, surgiu a oportunidade de preencher uma vaga no “Diário
da Manhã”, onde esteve meio ano a apresentar no duro horário das 7
às 10 da manhã. O bom desempenho levou-a a apresentar o “Jornal da
Uma”, a partir do Verão de 2009, alternando com Pedro Carvalhas. Na
semana em que não se senta na cadeira do estúdio, pega no microfone
e vai para a rua fazer reportagens e directos. Viajar é a sua
paixão. Para já, as deslocações mais frequentes são mesmo entre a
capital do país e a capital do norte. «Lisboa é a cidade onde
trabalho, o Porto a cidade onde sou feliz», diz.

JOE BERARDO FALA DO
BUDDHA EDEN GARDEN E DA CULTURA
Entrada nos museus
deveria ser gratuita

O comendador José (Joe) Berardo considera
que a entrada nos museus portugueses deveria ser gratuita. A pretexto do
Buddha Eden Garden, um jardim que ocupa cerca de 30 hectares e que
resulta numa homenagem Em entrevista ao Ensino Magazine, aquele que é
considerado como um dos maiores coleccionadores de arte do país, explica
como a arte pode contribuir para a paz entre os povos.
O Buddha Eden Garden é um espaço com cerca de 35 hectares, idealizado
e concebido pelo Comendador José (Joe) Berardo, em resposta à destruição
dos Budas Gigantes de Bamyan. Essa atitude do Governo Talibã foi uma das
razões para criar o jardim da paz?
Sim, indubitavelmente! Fiquei profundamente chocado com a atitude do
Governo Talibã, que destruiu, intencionalmente, monumentos únicos do
Património da Humanidade. Em minha opinião foi um dos maiores actos de
barbárie cultural, apagando da memória obras-primas, do período tardio
da Arte Gandhara. Desde essa altura, e já lá vão 10 anos, decidi criar
este extenso jardim oriental, prestando, de certo modo, homenagem a
esses colossais Budas, que durante séculos foram referências culturais e
espirituais. Acredito que com iniciativas como esta podemos ajudar à
promoção dos valores essenciais do Homem, contribuindo para disseminar a
cultura da paz.
Qual o segredo para que no Buddha Eden Garden se respire tanta
tranquilidade?
O local onde está hoje instalado o Jardim era já um sítio
tradicionalmente calmo e tranquilo, onde se sentiam boas vibrações.
Entretanto, quando surgiu a ideia de dar início a este projecto
transmitimos a nossa percepção ao arquitecto, que idealizou o desenho
dos trajectos e a disposição das esculturas de forma cadenciada. Neste
espírito de harmonia e serenidade seleccionámos um conjunto de plantas,
que se adequassem ao projecto, vocacionado para a meditação e promoção
da interacção social e cultural, conforme os princípios da solidariedade
e da dignidade humana.
Numa época conturbada como a que o mundo vive, onde a sociedade é
cada vez menos tolerante, este jardim surge como um espaço de
reconciliação...
Sim. Para nunca nos esquecermos que é nos momentos difíceis, que devemos
ter, ainda, maior compreensão entre os seres humanos, respeitando as
suas diferenças. Este Jardim não tem qualquer tendência religiosa, nós
abrimos as portas, a todas as pessoas, independentemente, da religião,
etnia, nacionalidade, sexo, idade, condição cultural ou social,
convidando à união, comunicação e meditação, como forma de redescobrir a
felicidade.
Quando o jardim ficou concluído e pronto para ser aberto ao público,
qual foi o sentimento que mais o marcou?
O Buddha Eden Garden, ainda, não abriu oficialmente. Embora estejamos
abertos ao público e tenhamos recebido inúmeros visitantes desde do
início da sua construção, a verdade é que não tivemos, até agora, uma
inauguração propriamente dita. Neste momento, ainda, temos alguns
trabalhos a decorrer, essencialmente no que diz respeito à parte da
flora, mas pretendemos terminá-los em breve. No entanto, por definição,
um jardim nunca está acabado.
Acredita que através da arte é possível promover-se a paz no mundo?
Ao longo dos anos, a cultura tem contribuído muito nessa área. Acredito
que a arte é uma relação com o mundo e nesse sentido ajuda-nos a
conhecer o próximo, contribuindo incontestavelmente ao cultivo do
respeito entre os seres humanos.
Como é que é possível manter, em Portugal, uma estrutura com essa
dimensão em funcionamento?
É difícil, mas acho que todos nós temos o dever de preservar o
património e dividir com os outros as coisas boas da vida.
O Buddha Eden Garden é já uma referência internacional. A sua
construção exigiu o recurso a muitos meios técnicos e humanos?
Claro, o resultado está à vista! Estamos a falar de centenas de
esculturas, que variam entre os 50 centímetros e os 21 metros,
ultrapassando as 6000 toneladas de mármore e granito, às quais se juntam
900 soldados de terracota pintados à mão, variadíssimos elementos
relativos à cultura oriental e um extenso património natural. Mas, tudo
isto só foi possível porque desde do início do projecto contamos com a
excepcional coordenação do Telmo Santos, o verdadeiro homem dos sete
ofícios! Polivalente e corajoso este homem dedicou-se de corpo e alma ao
Buddha Eden Garden empenhando toda a sua vontade, força e dedicação.
As peças aí apresentadas foram produzidas para o efeito, ou algumas
já pertenciam à sua colecção?
Todas estas peças expostas foram especialmente criadas para o Buddha
Eden Garden.
Mudando de assunto. O Comendador desde sempre foi um dos grandes
impulsionadores e coleccionadores de arte em Portugal. Pode dizer-se que
hoje os portugueses apreciam mais esta vertente cultural que noutros
tempos?
Acho que todos os seres humanos conforme vão melhorando os seus
conhecimentos, vão apreciando as coisas boas da vida. Uma das minhas
grandes motivações enquanto coleccionador foi sempre possibilitar a
partilha com o público. As grandes obras de arte são somente grandes
quando vistas e admiradas por todos.
Chegou a defender que os museus em Portugal deveriam ter entrada
gratuita para a população. Foi essa a filosofia que empregou no Buddha
Eden Garden?
Penso que se queremos contribuir para melhorar a cultura dos povos,
temos que possibilitar o acesso aos espaços culturais, quer sejam
museus, jardins, monumentos ou locais com interesse histórico.
Normalmente, as pessoas com maior poder financeiro não pagam para
visitar esses espaços, mas se queremos sensibilizar o grande público
temos que promover o acesso livre, principalmente, numa altura como
esta, em que a nossa economia está a viver tempos complicados. A nossa
grande herança, a que recebemos e que vamos legar às gerações futuras, é
o nosso património cultural.
Aliança Underground Museum foi outra das suas apostas. Está
satisfeito com o funcionamento desse espaço?
A primeira grande surpresa do Aliança Underground Museum foi a
transformação de cerca de um quilómetro e meio de túneis subterrâneos
num extraordinário museu. Com as novas tecnologias deixou de ser
necessário colocar milhões de garrafas de espumante em estágio, por
isso, tínhamos toda aquela área praticamente sem utilidade. Quis juntar
o útil ao agradável e fizemos ali um grande investimento de
melhoramento, que só foi possível graças à extraordinária força de
vontade das pessoas da Aliança Vinhos de Portugal e da equipa
pluridisciplinar constituída por elementos da Fundação Berardo da Ilha
da Madeira e da Colecção Berardo de Lisboa e Sintra. O processo de
transformação foi feito em tempo recorde. Em apenas quatro meses
arranjamos o espaço, construímos estruturas expositivas e montamos
milhares de peças. Isto é obra e é, também, exemplificativo da dedicação
e trabalho de muitas pessoas!
Após a inauguração fiquei agradavelmente surpreendido com os resultados
deste Museu, especialmente pela grande procura que tem tido. Temos
alguns dias com 800 visitantes, tem sido uma grande surpresa! O
casamento entre a cultura, a gastronomia e os vinhos, é uma combinação
fantástica. E prova disso foi o prémio que o Aliança Underground Museum
recebeu no passado dia 15 de Janeiro, sendo considerado o “Melhor
Enoturismo sem Estadia” na Gala dos prémios W 2010 promovida pelo
enólogo e crítico de vinhos Aníbal Coutinho. Este tipo de reconhecimento
é para nós um grande motivo de orgulho, pois não temos ainda um ano de
funcionamento e contamos já com várias distinções e uma grande afluência
de público.
E no que respeita ao seu museu em Lisboa. A aposta foi ganha? É para
continuar?
Nós temos um acordo com o Governo Português e não há razão para parar.
Embora, as dificuldades económicas sejam grandes, temos que dar as mãos
e seguir em frente.

RICARDO ARAÚJO PEREIRA EM
ENTREVISTA
"A Relação de uma
pessoa com um clube
é como um casamento, mas mais fiel"

Ricardo Araújo Pereira é o elemento
mais mediático de um quarteto que revolucionou a história do humor em
Portugal, os Gato Fedorento. A divulgar o livro Chama Imensa, que reúne
as crónicas que escreveu sobre o futebol, o humorista fala da sua paixão
de sempre pelo clube da Luz e da vida difícil dos humoristas
portugueses. Sobre o possível regresso dos Gato Fedorento à televisão
ironiza «Se tudo correr bem, não».
Chama Imensa reúne várias crónicas de um Jornal. Como foi feita a
escolha para a edição final?
Basicamente tiramos as que ainda tivessem menos interesse do que estas;
tiramos as que se referissem de tal forma a um acontecimento que estava
muito marcado no tempo, e as pessoas já não se lembrassem dele. De
resto, entraram todas.
Continua a colaborar com uma conceituada revista. É fácil, todas as
semanas, arranjar material para escrever?
O problema em Portugal é que ou não arranjamos tema, porque acontece
muito pouca coisa, ou acontece qualquer coisa que é mais engraçada do
que o que quer que seja que consigamos inventar. Esse é um dos problemas
do país. Ou não tem acontecimento nenhum ou tem acontecimentos tão
grotescos que é redundante olhar para eles de uma forma humorística. É
muito difícil a vida de um humorista em Portugal.
Porquê a escolha de Chama Imensa para dar título ao livro?
Por causa do hino do Benfica “Ser Benfiquista é ter na alma a chama
imensa”. É isso que eu tenho na alma. Este não é o hino do Benfica, o
hino do Benfica é outro, mas este é uma espécie de hino popular do
Benfica. É por causa desse verso que o Luís Piçarra cantava.
O Gato Fedorento poderá regressar à SIC em 2011?
Se tudo correr bem, não. Se tudo correr bem, vamos estar sossegados. Mas
estamos a ver se faz sentido voltarmos com alguma coisa, e que coisa
será essa. Não está nada planeado.
É uma vantagem para o humorista ser imparcial e poder gozar e brincar
com aquilo que entende?
Eu não acredito na imparcialidade do jornalista, quanto mais na do
humorista. O humor parte de um ponto de vista sobre a realidade, e a
partir do momento que adoptamos esse ponto de vista, não estamos a ser
imparciais. Nunca escondi que era do Benfica, que era de esquerda,
enfim, seja o que for. Por isso nunca enganei ninguém, daqui toda a
gente sabe o que é que leva.
Já alguma vez recebeu um convite para ser adepto do outro lado da
segunda circular?
Não. (Risos). Acho que eles não têm interesse em ter-me lá. Nunca recebi
convites. A relação de uma pessoa com um clube é como um casamento, mas
mais fiel. Por que uma pessoa não olha para outros clubes a pensar «olha
este novo clube também, realmente, interessa-me». É só mesmo o nosso.
Um dos sketches que lhe deu gozo foi a caricatura do treinador do
Sporting, na altura?
O Paulo Bento. Só consigo imitar as pessoas que são fáceis de imitar,
não tenho talento para mais que isso. Era divertido fazer a imitação do
Paulo Bento. Convidamo-lo uma vez para entrar num sketche connosco, mas
ele recusou muito amavelmente, e depois convidou-nos ele para irmos
almoçar. Temos com o nosso actual Treinador Nacional uma relação muito
cordial.
Fiquei muitíssimo bem impressionado sempre que estivemos com o Paulo
Bento.
Dá-lhe mais gozo escrever ou depois representar as ideias?
Escrever. O nosso trabalho principal é escrever. É ali que acontece
tudo. É nessa altura que nos divertimos mais, e é ali que fica tudo
definido.
As ideias surgem com facilidade para criar os sketches?
Com mais ou menos facilidade. Nunca se sabe bem de onde é que elas
surgem, mas vão surgindo, quando têm mesmo de surgir. Outras vezes
aparecem sem estarmos à espera delas e depois vamos trabalhá-las.
O Herman José abriu caminho para outra vaga de humoristas? Estava um
pouco à frente para a época, em Portugal?
O Herman abriu caminho de mais do que uma maneira. Não só abriu caminho
por que o tipo de humor que ele fazia era diferente daquele que se
estava a fazer na altura, como abriu caminho por que foi censurado, uma
ou duas vezes, e isso fez com que os novos agora possam estar mais à
vontade. Ele é como o nosso Martim Moniz, meteu o pé na porta e agora
entramos todos.
Quando teve o primeiro contacto com a SIC Radical, na primeira edição
do Gato Fedorento, a crítica disse que era humor inteligente. Gostou
desse rótulo?
Não especialmente. Normalmente quando uma coisa não tem muita graça, a
crítica diz que é humor inteligente. É possível que tenha sido isso. «Eu
não percebo que graça é que isto tem, é capaz de ser humor
inteligente.». Então puseram-nos esse rótulo, que é muito desagradável e
receio que afaste público. As pessoas não têm especial apreço por coisas
que são inteligentes - Estou a brincar.
É mais agradável ter ideias que façam pensar as pessoas, que não se
riam logo no primeiro instante?
Não. Isso é uma discussão antiga. O trabalho do humorista é fazer rir as
pessoas. Há sempre alguém que diz «mas o humorista também devia fazer
pensar». Ora eu não conheço ninguém que consiga rir sem pensar. Se me
estou a rir é por que estive a pensar naquilo que me faz rir. Portanto,
o objectivo é fazer rir.
Actualmente, em Portugal, os humoristas são cada vez mais
inteligentes e criam coisas mais interessantes?
Não faço a mínima ideia (Risos). Mas acho que há de tudo em Portugal e
isso é bom, não é? Há todas as variedades de humorista. Como quando
vamos ao supermercado e há batatas fritas de todos os sabores. Às vezes
quase não há batatas fritas com sabor a batata, mas os outros sabores há
todos. Com os humoristas é a mesma coisa.

Entrevista: Hugo Rafael
Texto: Eugénia Sousa
VICENTE FERREIRA,
REPRESENTANTE DOS INSTITUTOS POLITÉCNICOS NA FUTURÁLIA
Globalização exige
melhores competênicas

Vicente Ferreira, presidente do
Instituto Politécnico de Lisboa, é o representante do Conselho
Coordenador dos Institutos Politécnicos na Comissão Consultiva da
Futurália. Na sua perspectiva, a organização deste tipo de eventos é uma
oportunidade para os jovens e as suas famílias. Aquele responsável
revela que a gloobalização exige competências de excelências. Um desafio
a que os politécnicos têm sabido responder.
Qual a importância da Futurália para o ensino superior politécnico?
Sendo a Futurália um evento de âmbito nacional, que proporciona uma
oportunidade estruturada de contacto com as alternativas de educação e
de formação, e congregando o ensino superior politécnico um vasto leque
de licenciaturas e mestrados com reconhecido impacto e aceitação na
sociedade, indústria e serviços ao nível nacional e internacional,
impõe-se a representação deste tipo de ensino neste salão nacional de
ofertas, visitado por jovens que se encontram em período de tomada de
decisão. Esta representação é fundamental, sobretudo num ciclo económico
em que se pretende encorajar a adesão a escolhas promotoras de
empregabilidade, que ajudarão os jovens a construir percursos de vida
produtivos e sustentáveis, sendo igualmente fundamental apetrechar as
nossas empresas e o nosso sector produtivo com profissionais de alto
nível, capacitados para agir de forma inovadora, criativa e
empreendedora, perfil profissional preconizado no ensino politécnico.
A Futurália reúne, anualmente, milhares de alunos. Este ano haverá
também um dia dedicado às famílias. Em épocas de crise, os pais decidem
cada vez mais o futuro dos filhos, no que respeita às suas escolhas no
ensino superior?
Parece-me importantíssimo que a organização da Futurália desenvolva
actividades destinadas às famílias, pois estas, de facto, desempenham um
papel fundamental no apoio aos jovens, no seu processo de decisão. No
entanto, não me parece que os pais se devam substituir aos filhos nessa
área de decisão, assim como noutras áreas fundamentais ao planeamento
dos percursos de vida dos indivíduos. Aos pais compete ajudar o jovem a
ter acesso a informação actualizada, a proporcionar oportunidades e
experiências de vida promotoras de auto-conhecimento, assim como a
reflectir, em conjunto com os filhos, acerca de experiências e “lições
de vida” derivadas dos seus percursos únicos e pessoais. Mas, não me
parece que, no âmbito dos valores da nossa sociedade actual, os pais
queiram propriamente decidir o futuro dos filhos, mas sim apoiá-los a
tomar as decisões que são adequadas aos seus filhos. Não nos esqueçamos
que um filho pode possuir características pessoais e perspectivas de
vida diferentes, e não será por isso que terão de entrar em conflito!
Quais os desafios com que se deparam hoje os jovens portugueses?
Penso que os desafios dos jovens portugueses não serão assim tão
diferentes dos de outros jovens do espaço europeu. Hoje estamos numa
economia global, em que as empresas se formam, redimensionam,
deslocalizam e se extinguem constantemente. Por outro lado, a mudança
imposta pelo avanço tecnológico acontece a um ritmo alucinante. É por
isso, cada vez mais, importante que os trabalhadores do século XXI
desenvolvam competências de auto-gestão e regulação, pois serão eles a
gerir as suas carreiras, com menos apoio de estruturas e vínculos
laborais. Ser empreendedor, capaz de criar o seu próprio emprego, o de
outros, ou se mover em trabalhos por projectos e captar fontes de
financiamento (às vezes desaproveitadas) são desafios a que é importante
responder. Neste sentido, o desenvolvimento do empreendedorismo é uma
preocupação cada vez mais presente no Instituto Politécnico de Lisboa.
O ensino superior politécnico deve ter um cariz mais
profissionalizante. Na sociedade actual isso é uma vantagem para os
jovens que querem entrar no ensino superior?
O cariz profissionalizante não deve ser confundido com falta de
fundamentação científica. Move-nos a visão da qualidade, da exigência e
da permanente actualização. Efectivamente, procuramos que este
subsistema de ensino ofereça respostas aos problemas e às necessidades
de uma sociedade e economia modernas e em desenvolvimento, que requerem
a produção de um mercado de trabalho (mão de obre disponível) altamente
qualificada, voltada para a empregabilidade. Por isso, há que formar
profissionais conhecedores e altamente treinados em várias áreas de
actividade, prontos a aplicar os seus conhecimentos na resolução de
problemas concretos, seja em postos de trabalho definido, seja na
investigação aplicada. Não nos interessa ou nos move um tipo de ensino
meramente teórico, ou meramente prático. É-nos cara a integração
teórico-prática e o sentido de utilidade social e da relevância concreta
do que ensinamos. Muitos jovens preferem este tipo de ensino e ficam
muito satisfeitos face à facilidade que encontram na transição para o
mercado de emprego. Efectivamente, as nossas licenciaturas possuem as
altas taxas de empregabilidade no âmbito do sistema do ensino superior.
As instituições de ensino superior, universidades e politécnicos, têm
sabido responder aos desafios e às novas exigências do mercado?
As instituições de ensino superior têm procurado cada vez mais
corresponder aos desafios do mercado. No caso particular do ensino
politécnico, houve um grande esforço em torno da adaptação dos planos
curriculares dos cursos ministrados, a uma nova realidade, a da
globalização. Por isso, a nossa grande aposta tem passado muito pela
promoção do empreendedorismo e pela realização de programas de incentivo
a novas ideias. Acima de tudo, o importante é preparar os estudantes
para um mercado que procura inovação, criatividade e flexibilidade,
facto que tem vindo a ser conseguido através de um corpo docente muito
ligado ao mundo empresarial e conhecedor das suas exigências.
A máxima A vida é tua - descobre o teu caminho volta a ser o lema da
Futurália. Com que caminhos se deparam hoje os jovens portugueses?
Os jovens portugueses deparam-se com caminhos de incerteza e de mutação,
tal como os jovens de outros países europeus e de outras regiões do
mundo. Acabaram-se os empregos para toda a vida. As carreiras numa única
entidade empregadora. Por outro lado, em Portugal, em virtude de um
atraso educativo estrutural, os empregadores nem sempre reconhecem as
vantagens de valorizar, nas suas contratações, a formação especializada,
que por vezes preterem a favor de mão-de-obra mais barata e menos
qualificada. Este é um problema que em Portugal ainda necessita de ser
ultrapassado e que, a melhorar, beneficiará os nossos jovens e a sua
inserção profissional. O lema “A vida é tua, descobre o teu caminho”
parece-me estimulante e faz muito sentido. Mais do que nunca os jovens
terão de ser construtores motivados das suas situações de vida, quer a
nível profissional, quer a nível pessoal. E é importante que esse
caminho, nos dias de hoje, seja entendido como um percurso que
necessariamente envolverá formação de qualidade e de nível superior, e
contínua actualização. Está comprovado que possuir qualificação é
fulcral para aceder ao trabalho reconhecido e recompensado, quer do
ponto de vista social, quer do ponto de vista monetário. Descobrir o
caminho é uma aventura que implica ter experiências de vida, ser mais
participativo. Parece-me que ninguém descobre o seu caminho se ficar
sentado sozinho em casa. É preciso ir à luta. É preciso conviver. É
preciso experimentar. E os jovens, são, por natureza, exploradores na
vida. Mais do que nunca há que fazer prolongar essa natureza, estendo-a
a toda a vida, aprendendo continuamente e continuamente decidindo rumos
para o trabalho.

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