Uma escola para tolos?
O teimoso prosseguimento da implementação
das actuais medidas de política educativa anuncia uma clara mudança de
paradigma: a transição do modelo sixtie da “escola para todos”, para o
modelo pós-modernista da “escola para tolos”.
A grande reforma educativa sorvida dos quentes e vibrantes anos do final
da década de sessenta, consubstanciada nas filosofias do Maio de 68,
apontava para uma escola aberta, universal, inclusiva, interclassista,
meritocrática, solidária, promotora da cidadania e, até, niveladora, no
sentido que deveria esbater as desigualdades sociais detectadas à
entrada do percurso escolar.
Os professores passavam a ser mediadores da aprendizagem, promotores da
socialização e do trabalho partilhado. Os alunos metamorfoseavam-se em
aprendentes activos, participativos, concretizadores, co-líderes da sala
de aula e do rumo a dar às planificações. Os pais, descolarizados ou
iletrados, por vergonhosa opção de quatro décadas de ditadura,
entregavam os seus filhos naqueles centros de promoção do sucesso
social. Era a escola aberta à comunidade, uma escola moderna, que se
impunha à escola tradicional. Era, enfim, a escola para todos.
Com o decorrer dos anos, os governantes, lá no alto do seu douto saber,
entenderam que, já agora, os professores e a escola poderiam também
cumprir uma imensidão de funções até então cometidas ao Estado, às
famílias e à sociedade. Mesmo que não tivessem tido preparação para
isso, os professores tinham demonstrado que sabiam desenvencilhar-se e,
sobretudo, que não sabiam dizer não.
E desde então, essas passaram também a ser tarefas e funções da escola e
dos seus docentes. A partir desse momento, passámos a ter uma escola
que, por acaso, também era um local de aprendizagem formal, mas que,
sobretudo, se foi desenvolvendo como um espaço de aprendizagens sociais,
informais, socializadoras. E, por essa via, se baralha e se estigmatiza
uma escola que, altruisticamente, queria ser para todos, numa escola que
poderia ser para tudo. Era a escola para tudo.
Mais recentemente (reportando-nos ao baronato de Maria de Lurdes
Rodrigues e ao principado de Isabel Alçada), entendeu-se que a escola
gastava muito e os professores, numa mandrionisse secular, faziam pouco.
Logo, quem sabe? até poderiam ser substituídos uns pelos outros, à
molhada, degradantemente. Ou até secundarizados por skinnerianas
máquinas de ensinar, que apressadamente se viram baptizadas de
Magalhães, porque os governantes portugueses gostam que a história, tal
como as telenovelas, se repita.
Aos professores, era exigido que reincarnassem de novo: uns em
avaliadores, outros em avaliados; uns em directores, outros em
assessores, outros em assessorados; uns em titulares, outros em
titulados. E desta vez, a culpa não iria morrer solteira. Era preciso
desviar as atenções: o resvalar da escola não se podia correlacionar com
o acumular dos insucessos de continuadas e desastrosas políticas
educativas. Com o derrapar da instituição escolar, a responsabilidade
tinha que ser apenas atribuída a um dos actores: aos docentes, claro… e,
logo, à sua falência profissional. Acreditam? Pois… é a escola para
tolos.
O que eles não sabem nem sonham é que os professores têm dentro de si a
força regeneradora do saber, da cultura e da utopia social. Modelando
sabiamente os seus alunos, são os construtores de futuros. Dentro e fora
da escola querem partilhar a discussão do amanhã, porque aprenderam que
ter, é ceder e partilhar.
Infelizmente, como humanos que são, também erram: do seio da escola por
vezes saem maus políticos e, logo, más políticas. Mas não é por isso que
se deixam abater, já que exercem uma profissão que exige a reflexão
permanente, a busca de consensos, e a capacidade de ser persistente, sem
teimosia.
Hoje, e talvez por estarmos à beira de uma pressentida reedição do Maio
de 68, com os jovens na rua a contestarem as políticas e os políticos
que se enredaram em rotinas de salamaleques e na narcísica gestão das
suas imagens e carreiras, fazemos nossas as palavras dos Deolinda: “ E
fico a pensar/ que mundo tão parvo/ onde para ser escravo/é preciso
estudar”.
João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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