
Ser professor
Ser professor é a mais nobre dádiva à
humanidade e o maior contributo para o progresso dos povos e das nações.
E, como ninguém nasce professor, é necessário aprender-se a ser. Leva
muitos anos de estudo, trabalho, sacrifício, altruísmo e até dor.
Um professor tem que aprender o que ensina, o modo de ensinar e tudo
(mesmo tudo) sobre os alunos que vão ser sujeitos à sua actividade
profissional. Mas não se iludam: depois de tudo isso um professor nunca
está formado. Tem que aprender sempre. Um professor carrega para toda a
vida o fardo de ter que ser aluno de si próprio. De se cuidar, de estar
sempre atento, ter os pés bem postos no presente e os olhos bem focados
no futuro.
Ser professor obriga a não ter geração. Professor tem que saber lidar
com todas elas, as que o acompanham durante quatro décadas de carreira.
É pai, mãe e espírito santo. E, para o Estado, ainda é um funcionário
que, zelosamente, se obriga a cumprir todas as regras da coisa pública.
Por tudo isso, professor é obra permanentemente inacabada. É contentor
onde cabe sempre mais alguma coisa. O professor é um intelectual, mas
também é um artesão; é um teórico, mas que tem que viver na e com a
prática; é um sábio, mas que tem de aprender todos os dias; é um
cientista que tem que traduzir a sua experimentação para mil linguagens;
é um aprendente que ensina; é um fazedor dos seres e do saberes; mas é
também um homem, ou uma mulher, como todos nós, frágil, expectante e
sujeito às mais vulgares vulnerabilidades.
O professor contenta-se com pouco: alimenta a sua auto-estima com o
sucesso dos outros (os que ensina), e tanto basta para que isso se
revele como a fórmula mágica que traduz a medida certa da sua satisfação
pessoal e profissional. Por isso é altruísta e, face ao poder, muitas
vezes ingénuo e péssimo negociador.
O professor vive quase todo o tempo da sua carreira em estádios
profissionais de enorme maturidade e de mestria. São estádios em que a
maioria dos docentes se sentem profissionalmente muito seguros, em que
trabalham com entusiasmo, com serenidade e com maturidade, e em que, num
grande esforço de investimento pessoal, se auto conduzem ao impulsionar
da renovação da escola e à diversificação das suas práticas lectivas.
Infelizmente, de onde devia partir o apoio, o incentivo e o
reconhecimento social, temos visto aplicar medidas políticas, e
expressar pensamentos, através de palavras e de obras, que menorizam os
professores, que os denigrem junto da opinião pública, no que constitui
o maior ataque à escola e aos professores perpetrado nas últimas três
décadas do Portugal democrático.
Um ataque teimoso, persistente, vitimador e injustificado que tem levado
o grande corpo da classe docente a fases profissionais negativas, de
desânimo, de desencanto, de desinvestimento, de contestação, de
estagnação, e de conformismo, o que pressagia a mais duradoira e a mais
grave conjuntura profissional de erosão, mal-estar e de
desprofissionalização.
Se não for possível colocar um fim rápido a estas políticas de agressão
profissional, oxalá uma década seja suficiente para repor toda uma
classe nos trilhos do envolvimento, do empenhamento e do ânimo, que
pressagiem o regresso ao bem estar e à busca do desenvolvimento pessoal.
Importante, agora, será a persistência na ilusão. Os professores são uma
classe única e insubstituível. A sociedade já não sabe, nem pode, viver
sem eles. O Estado democrático soçobraria sem a escola. O novo milénio
atribui aos professores funções e competências indispensáveis ao
desenvolvimento da sociedade do conhecimento. O futuro tem que ser
construído com os professores e as suas organizações. Nunca contra, ou
apesar deles.
Ser professor é, portanto, tudo isto e muito mais. É uma bênção, é um
forte orgulho e uma honra incomensurável. Quem é professor ama o que faz
e não quer ser outra coisa. Mesmo se, conjuntural e extemporaneamente,
diz o contrário. Fá-lo por raiva e revolta contra os poderes que,
infamemente, o distraem da sua missão principal e, injustamente, o
tentam julgar na praça pública, com cobardia e sempre com grave falta ao
rigor e à verdade.
Como diria a minha colega Alen, ao longo da história mais recente a
sociedade já precisou que os professores fossem heróis para que
assegurassem o ensino nos momentos mais difíceis e nas condições mais
adversas; já necessitou que fossem apóstolos para que aceitassem ganhar
pouco; que fossem santos para que nunca faltassem, mesmo quando doentes;
que se revelassem sensíveis, para que garantissem as funções
assistenciais e se substituíssem à família e ao Estado; e que,
simultaneamente, se mantivessem abertos e flexíveis para aceitarem todas
as novas políticas e novas propostas governamentais. Mesmos as mais
ilógicas e infundadas.
Porém, agora é bom que os mantenhamos lúcidos, para que possam
ultrapassar com sucesso este injusto desafio a que, ultimamente, têm
vindo a ser sujeitos.

João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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