ANTHIMIO DE AZEVEDO,
METEOROLOGISTA
Senhor do tempo
Durante anos a fio foi o homem que entrou
pela casa dos portugueses em horário nobre para anunciar a chuva ou o
bom tempo no dia seguinte. Mesmo reformado, Anthimio de Azevedo não
deixa de acompanhar e pronunciar-se, de forma sábia e pedagógica, sobre
os cada vez mais extremos fenómenos climatéricos. O meteorologista
afirma que «falta sentido de Humanidade», e que estamos «a gastar o
Planeta como se fossemos os últimos habitantes». Sobre o sistema de
ensino refere ser «chapa um» para todas as mentalidades e teima na
receita do «como se faz», em vez do «porque se faz».
As suas capacidades de comunicador enquanto homem da meteorologia
fizeram com que ainda hoje perdure na memória afectiva de muitos
portugueses. Que lembranças guarda do período em que foi apresentador do
Tempo no canal do Estado, em que o sol e a as nuvens ainda eram
representados através de símbolos magnéticos?
Fui apresentador da informação meteorológica, quanto ao “estado do
tempo”, na RTP, de 1964 a 1967, interrompi oficialmente para ir chefiar
o Serviço Meteorológico da Guiné. Voltei à RTP em 1971 a 1975, para
regressar à Guiné-Bissau, em 1976-1977, como técnico da Organização
Meteorológica Mundial para organização do serviço, agora nacional, e
formação de pessoal.
Regressei à RTP em 1981, para apresentação de previsões gerais e para a
agricultura, até Abril de 1990, quando fui para a minha terra, os
Açores, como Director Regional de Meteorologia e Sismologia.
Nessa altura não havia as novas tecnologias...
Foram tempos de ”meteorologia de “lápis e borracha”. Recebíamos
observações das 00 TMG e 12 TMG, que cobriam: o Atlântico Norte até ao
Trópico de Câncer, parte oriental da América do Norte, América Central,
Noroeste de África e toda a Europa até aos Montes Urais. Os boletins
chegavam por telefax; iam sendo marcados manualmente por pessoal
treinado e, cerca de 4 horas depois da hora da carta, começava a
interpretação e análise, começava a meteorologia de “lápis e borracha”.
O meteorologista começava a interpretar o campo da pressão e as
diferenças de massas de ar, mas… vinha mais um boletim, terrestre ou
oceânico, que obrigava a usar a borracha. Pelas 6h depois da hora da
carta, tentava-se um boletim de previsão que cobria o período até 24h
depois da hora da carta.
Da carta das 12 TMG saía, por volta das 18h, o boletim para os meios de
informação. (O TMG é agora Tempo Universal Coordenado – TUC, porque o
observatório meteorológico de Greenwich foi transformado em museu. Mas o
meridiano de Greenwich, considerado meridiano de longitude 00, foi
mantido como referência mundial). Na RTP, a situação geral e as
previsões eram riscadas, a giz, numa carta de plástico. Houve evoluções
progressivas.
Depois de reformar-se, ainda voltou à televisão…
Em 1990 regressei a Lisboa, reformei-me, e fui convidado para coordenar
e apresentar a informação meteorológica na TVI, então Canal 4. Aí a
técnica de apresentação evoluiu rapidamente para a electrónica, com um
sistema semelhante ao da CNN de então e de agora. O apresentador é que
comanda a mudança de imagem, com um comando de interruptor com cabo,
durante muitos anos; agora com comando de emissor. A imagem não está no
“croma”.
A meteorologia “personalizada” regressou, em 2007, após 17 anos de
ausência. Pensa que este tipo de apresentação credibiliza a informação
meteorológica?
Qualquer informação televisiva é mais credibilizada pela “força” de
comunicação de um apresentador. O que seria um telejornal de legendas
comentadas em “off”? Porquê o locutor? E porque não é um, ou uma,
qualquer? Para a meteorologia é fundamental uma imagem de evolução
comentada da situação: explica indirectamente porquê a previsão
anterior, acertou ou falhou, aponta para a evolução que se prevê e as
suas consequências, tanto mais que, sendo agora usadas previsões por
computador, ajustadas a cada região, o computador debita o que lhe
introduzimos como características de evolução, aquela evolução que dá
sequência ao que vem de trás. Mas a natureza não tem compromissos com os
modelos que nós inventamos para interpretá-la…Muda sem aviso. Comentar a
evolução até agora e descrever a sequência que, na continuidade, se
prevê, é prevenir.
Comparando o tempo em que estava no activo e a actualidade, deu-se um
grande salto em termos de fiabilidade das previsões, graças à
sofisticação dos meios tecnológicos?
Deu-se um grande salto no tempo de análise e previsão. Quando começamos
a trabalhar com análise e previsão por computador, com as observações
das 18h TUC tínhamos a previsão, para o dia seguinte, por volta das 04h.
Agora, por volta das 04hTUC, temos a previsão para 4 dias e, um pouco
mais tarde, para 10 dias e a 30 níveis na atmosfera. Os coeficientes de
acerto no Centro Europeu de Previsão a Médio Prazo, que pode orgulhar-se
da qualidade das suas previsões em áreas de previsão de outros centros,
são de 96 % para 24 h, de 75% para o quarto dia e de 30% para o décimo
dia. A natureza não nos previne das suas mudanças…
Este verão está a ser especialmente quente, tendo-se já registado
quatro ondas calor desde Maio. Pode-se falar em anormalidade?
As nossa vidas são pequenas comparadas com o fluir do tempo em geral. Em
5 Junho de 1985 o termómetro de temperatura máxima registou, no
aeroporto a Portela, 43,0 grau Celsius de máxima. Quem se lembra disso?
A nossa memória meteorológica depende muito do nosso desejo de “bem
estar”.
Ainda este Verão a Europa de leste esteve debaixo de água, existindo
ainda o caso das temperaturas históricas registadas na Rússia. É exagero
afirmar que o ; tempo está louco?
As diferenças regionais que actualmente estamos a verificar, são
desconcertantes, mas… serão exactamente anomalias? Nós vemos os estados
do tempo na dimensão das nossas vidas e de alguém mais velho. Não vemos
em termos de Humanidade, não vemos em termos de tempo astronómico.
Ouve-se comentar que as andorinhas estão a aparecer mais cedo, de ano
para ano (cerca de 15 dias). Mais cedo em relação ao calendário oficial
de começo da Primavera. Que há plantas a florir mais cedo. Mas
andorinhas e plantas têm um calendário biológico, que se rege pela
“precessão dos equinócios”. Ou seja, pelo tempo astronómico de começo
das estações. Não temos já a sensação de uma indefinição de começo das
estações, mesmo em relação aos nossos tempos de ida para a escola?
O filme «A verdade inconveniente», de Al Gore, veio alertar para a
influência negativa do homem no clima. Que quota parte de culpa tem a
mão humana no extremar dos fenómenos meteorológicos?
O filme do senhor Al Gore, um espirro político de um político que não
foi eleito, teve a oportunidade de criar imagens de informações
científicas escondidas pelos interesses comerciais e não entendidas pelo
vulgo. Mas há no Havai um observatório de poluição da atmosfera. E há um
IPCC (Internacional Pannel for Climate Change) que há muito informou que
o dióxido de carbono, CO2 , na atmosfera triplicou desde a Revolução
Industrial.
Disse, em entrevista ao Correio da Manhã, em 28 Setembro de 2008, que
«se todos os países do Mundo deixassem de emitir gases com efeito de
estufa, seriam necessários três séculos para a natureza recuperar dos
danos sofridos». Significa isto que os estragos infligidos na Terra são
quase irreversíveis?
Foram quatro climatologistas ligados ao IPCC, que afirmaram, num artigo
publicado na Scientific American de Agosto de 2007: “A Física por detrás
das mudanças do clima”, que a atmosfera levaria cerca de três séculos a
recompor-se. Mas não parámos com a poluição. Na reunião de alterações
climáticas de Copenhaga, depois das cimeiras de Kioto, Rio e Janeiro e
Montreal, o senhor Presidente dos Estados Unidos da América, pessoa
responsável, como tem mostrado, só pode afirmar que “ os E.U. se
comprometem a reduzir a sua carga poluente, até 2020, em 17% do nível de
2005”. 17%, só, pelo país mais poluidor do planeta (a China e a índia
vão ultrapassar rapidamente!). Depois desta “garantia” que as empresas
petrolíferas e químicas permitiram, fica “o quê?” Fica a
irresponsabilidade e desrespeito pela pessoa humana dos novos poluidores
e a cínica atitude de compromisso de todos os países poluidores que não
têm metas de redução da sua poluição, de “pagarem quotas de poluição aos
países não poluidores” ou seja “como és pobretana e não poluís, toma lá
para comeres… e evoluíres (até seres membro do clube dos poluidores!)”.
Pensa que falta assumir de forma global uma consciência ecológica?
Que papel devem ter os governos de todo o mundo?
Falta sentido de Humanidade! Estamos a gastar o Planeta como se fossemos
os últimos habitantes dele. E é frequentíssimo ouvir, de pessoas
responsáveis: “Quando é que prevêem isso? Mil anos? Quem cá estiver que
se amanhe!. “Os governos existem mais para “representarem o seu partido”
do que para resolver problemas. Só quando já não há hipótese de adiar é
que se pensa em resolver. É utópico pôr os governos de todo o Mundo em
uníssono.
O posicionamento do anticiclone dos Açores é apontado pelos
especialistas do Tempo como o maior responsável pela maior parte dos
fenómenos meteorológicos no velho continente. Utilizando uma linguagem
simples pode explicar-nos o seu efeito para termos um dia de sol ou de
chuva?
Sobre o anticiclone dos Açores, aproveito a oportunidade para esclarecer
que: - Um anticiclone é um centro de pressão atmosférica alta, porque o
ar desce no interior dessa região. O contrário de anticiclone é ciclone,
que é um centro de pressão baixa, porque o ar sobe sobre essa região.
Por erro de conceito, costuma ouvir-se falar de ciclone como região de
mau tempo. Ora é verdade que as situações de mau tempo só se podem
formar em centros ciclónicos, porque o ar sobe, facilita a formação de
nuvens e de correntes de ar ascendente que transporta calor e humidade
para níveis superiores gerando problemas de instabilidade. Mas, dos
centros ciclónicos que se formam na atmosfera terrestre, 96% não chegam
a ser tempestade. Ciclone não é sinónimo de tempestade!!! No Hemisfério
Norte, em torno dos anticiclones o ar roda no sentido dos ponteiros do
relógio e em sentido contrário em torno dos centros ciclónicos. No
Hemisfério Sul, as circulações são ao contrário, por causa da rotação da
Terra de oeste para leste.
Então, o anticiclone dos Açores, definido por ser um centro de pressão
alta localizado, com muita frequência, perto do Arquipélago dos Açores,
transporta ar frio do norte. Se o anticiclone está perto da costa
ocidental da Europa, transporta sobre o continente todas as
características de estado do tempo no Norte da Europa. Está sempre
associado a um centro ciclónico a leste do anticiclone. A circulação
conjunta compromete as situações. Se o A, como se designa anticiclone,
está perto da Península Ibérica, bloqueia a vinda de ar marítimo e de
chuva, para a Península. O anticiclone dos Açores está a manifestar
tendência para estar, com muita frequência, entre o Arquipélago dos
Açores e a Península Ibérica, provocando já a antevisão de algumas áreas
da Península Ibérica com faltas graves de água em 2025. ( Conforme Peter
Gleik. Hidrologista conceituado, num artigo “Poupemos a nossa água!” ,
onde apresenta uma carta mundial com análise “Onde haverá água em
2025!”).
Falando agora de questões relacionadas com a educação. Que formação e
bases deve um estudante ter se quiser seguir a carreira de
meteorologista?
A formação universitária para ser meteorologista é a licenciatura em
ciências geofísicas, curso que tem sido modificado. Mas, se há vagas no
quadro e aparecem candidatos, precisam de ter formação em Física e
Matemática, a nível compatível. Eu fiz a licenciatura com a primeira
estrutura do curso: as cadeiras mais exigentes de Matemática e de Física
e uma introdução às geofísicas interna (sismologia e vulcanismo) e
externa (meteorologia), seguindo-se um estágio de dois anos já em
Meteorologia.
De uma forma global, que opinião tem sobre o sistema de ensino em
Portugal?
O sistema de ensino em Portugal continua a ser “chapa um” para todas as
mentalidades. É muito no ensino de «Como se faz»! (receita pura). Falta
o fundamental da formação do conhecimento: «Porque se faz!» (razão dos
porquês). A formação pelos porquês implica professores que saibam os
porquês especializados para cada universo de conhecimento. Portanto,
mais professores, capazes de leccionar alunos com níveis diferentes de
aquisição (e teríamos turmas pequenas especiais, muitos mais professores
a trabalhar e reprovações a muito menos). Mas os professores não devem
parar no que aprenderam. Devem actualizar-se. Senão teremos o caso
daquela professora que ensinava que a Terra está mais perto do Sol no
nosso verão (o Verão do Hemisfério Norte), quando isso foi verdade há
uns doze mil anos, com ciclo completo em 24 000 anos. É a precessão das
estações a que me referi numa das questões anteriores.
Nuno Dias da Silva
Direitos Reservados
Cara da Notícia
Anthimio José de Azevedo,
nasceu em Ponta Delgada, S.Miguel, Açores, a 27 de Abril de 1926. É
licenciado em Ciências Geofísicas e especializado em Meteorologia e
Climatologia. Na Meteorologia Nacional, chefiou o Serviço
Meteorológico da Guiné (1967-1970). Foi Técnico da Organização
Meteorológica Mundial para Organização e Formação na Guiné-Bissau
(1975-1977). Chefiou as Divisões de Climatologia (1981-1985);
Formação Meteorológica (1985-1988); Relações Internacionais
(1988-1990).
Foi Delegado Nacional ao Grupo de Códigos da Organização
Meteorológica Mundial (1975-1990) e ao Grupo de Meteorologia do
Comité Militar da OTAN (1986-1992). Foi Director Regional para
Meteorologia e Geofísica Interna, nos Açores (1990-1992.
Para Meteorologia em televisão, na RTP, foi apresentador (1962-1990)
– com interrupções para as comissões na Guiné, antes e depois da
independência. Na TVI, foi coordenador e apresentador de
Meteorologia (1992-1996). No 10.º aniversário da METEOSAT apresentou
as previsões para Portugal, via televisão alemã ZDF, desde
Darmstadt. Em termos de docência foi professor auxiliar convidado na
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, de Climatologia
para Engenharia do Ambiente, de 1997-98 a 2007-08, e de
Meteorologia, para Ciências do Mar, de 2004-05 a 2007-08.
CHEGA AO FIM EM AGOSTO
Amália na voz dos
jovens
Os Amália Hoje despediram-se dos palcos
no mês de Agosto de 2010, colocando um ponto final no Projecto Musical
que no ano passado mais álbuns vendeu em Portugal. Para Nuno Gonçalves,
um dos mentores do projecto, Amália Hoje foi um risco e um desafio, mas
cumpriu-se o objectivo de dar a conhecer Amália Rodrigues às gerações
mais novas.
É certo que os Amália Hoje é um tipo de iniciativas que não é
inédito, aconteceu, por exemplo, com os Humanos. Mas foi um grande
desafio pegar nos temas da Amália?
O repertório dos Humanos era um repertório que não existia, ou seja, não
estava gravado, havia apenas cassetes. Deve ter sido extremamente
estimulante para eles, mas não havia um termo de comparação, nós não
sabíamos como as maquetes soavam. Nos Amália Hoje tínhamos o grande
peso, e a grande responsabilidade, de Amália ser a maior artista de
sempre, de Portugal. Era um desafio grande, mas também um grande risco.
Primeiro pelas comparações óbvias com a Amália Rodrigues, e em segundo
lugar, arriscarmos interpretar canções de sempre, numa linguagem não
muito comum no Fado. Foi um objectivo cumprido, e uma feliz coincidência
de estarmos todos juntos, para podermos fazer isto pela música
portuguesa.
Como é que foi feita a escolha para o lote dos temas que foram
incluídos neste trabalho?
Foram aqueles que nós achamos que serviam melhor a linguagem Pop, e a
estética Pop, que nós queríamos. Não queríamos escolher aqueles fados
mais óbvios da Amália Rodrigues e os mais conhecidos. Se hoje a Gaivota
é possivelmente uma das músicas mais conhecidas da Amália Rodrigues é
também devido a este projecto. Fizemos questão de não escolher um Povo
que Lavas no Rio, ou o própria Amália, ou O Barco Negro. Foi uma escolha
em que queríamos dar a conhecer um outro lado da Amália, que não estava
conhecido.
Em relação às roupagens utilizadas nos temas, foi também um excelente
desafio pegar naqueles temas e dar-lhe vida nova, dar-lhe o som actual?
Sim, nós vimos de uma estética Pop, nos The Gift. Eu e a Sónia vimos do
Pop alternativo. O bom disto foi tentarmos juntar, ou cruzar, novas
músicas portuguesas, os Moonspell, o Paulo Praça. Então o desafio foi
mesmo esse, tentarmos actualizar as canções de Amália Rodrigues. Ao
final deste tempo, quando se assiste a um concerto ao vivo dos Hoje,
consegue-se perceber que os Hoje soam a hoje, ou seja, apesar de tudo,
conseguimos ter aqui uma identidade muito própria, que é muito
agradável.
Depois do estúdio, no palco as canções ganham nova vida?
Sim, por isso mesmo lançamos um disco ao Vivo, os Amália Hoje ao Vivo,
gravado no Coliseu de Lisboa. Precisamente no dia em que fez 10 anos que
a Amália Rodrigues faleceu. Foi uma data emblemática e nós sentimos que
estas canções foram feitas também para o povo, tal e qual como a Amália
as cantava. Este sentir o pulso deste fenómeno é extremamente importante
para o Projecto e obviamente que as canções ganham uma vida nova, ganham
uma dinâmica de palco. Acaba também por ser um puro divertimento, nós
divertimo-nos imenso a tocar. Isto é muito interessante.
O disco Amália Hoje foi o álbum mais vendido no nosso mercado, no ano
de 2009. Foi uma boa surpresa?
Foi, mas nós já estávamos à espera a partir do momento em que o disco
esteve em número um, desde Abril, até quase Outubro. Houve ali duas
semanas que saiu para número dois, mas já sabíamos à partida que um
disco quando está seis meses no top, em número um, corríamos esse risco.
Foi uma agradável surpresa, numa altura em que cada vez se vendem menos
discos, termos uma quádrupla platina a cantar em Português.
Com o enorme sucesso deste projecto foi também uma forma de dar a
conhecer os temas da Amália, e sobretudo de chamar a atenção do público
mais jovem para o Fado?
O objectivo era mesmo esse. Nós sabíamos que as gerações que conheceram
Amália em vida redescobriram as canções, e voltaram a ouvi-las, e quem
não conhecia, experimentou pela primeira vez ouvir. Por exemplo, no
vídeo clip oficial da Gaivota, quando nós começamos a gravar o disco,
havia 400 ou 500 “views”, e hoje em dia temos mais de 100 mil “views”,
na própria “bio” original Amália. A nova geração descobriu Amália
Rodrigues através dos Hoje e o objectivo primordial era esse. Hoje
quando vemos crianças de 4, 5, 6 anos a cantar os refrões, e a cantar
não só os singles, mas também os outros temas, como é o caso de Foi
Deus, do Nome de Rua, da Formiga Bossa Nova, é um sinal que o objectivo
foi cumprido. Não só os mais velhos conhecem hoje em dia Amália
Rodrigues, os mais novos também cantam Alexandre O`Neill, ou seja, temos
miúdos de 5 anos a cantar a mais rica da poesia portuguesa. Acho que é
muito interessante e de saudar.
Em relação aos elementos do projecto há um elemento surpresa, quase
improvável, que é o vocalista dos Moonspell?
O casamento é todo improvável, o Paulo Praça, a Sónia Tavares e o
Fernando Ribeiro não são escolhas óbvias. Se calhar a Sónia, sim, porque
é minha parceira dos The Gift, mas eu queria correr riscos nesse
sentido. Sabia que o Fernando era uma pessoa muito ligada às palavras,
com dois livros de poesia editados, seria a pessoa indicada para cantar
estes poemas com sentimento profundo; o Paulo Praça é um homem do Norte,
e queria que este disco também tivesse pronúncia do Norte. O fado está
associado a Lisboa, mas não é só Lisboa, Amália Rodrigues cantava em
todo o lado, daí a escolha do Paulo Praça, que vem de Vila do Conde; e a
Sónia porque achava que era a pessoa, em Portugal, que podia ir ao
choque com as comparações directas com a Amália Rodrigues, ou seja, é
uma pessoa que tem uma personalidade vocal muito forte. Para mim é a
melhor vocalista feminina do momento e tenho a sorte de poder viver na
mesma cidade que ela, ter a mesma banda com ela, e poder desfrutar da
voz dela, em todos os concertos.
Tendo a Amália Rodrigues um rico espólio de temas, uma discografia
bastante longa, há intenção, de voltar com um segundo trabalho?
De momento, não. Como eu disse no início foi uma feliz coincidência
estarmos os três vocalistas livres, - comigo - para fazermos este
projecto. Viveu de espontaneidade, viveu também de muita verdade,
empenhamo-nos imenso para que este não fosse daqueles projectos
plásticos. Empenhamo-nos muito nisto, por isso tocamo-lo ao vivo, até
final de Agosto. Mas a porta fecha-se. O caminho mais óbvio seria talvez
fazer o Amália Hoje, dois. Mas nós achamos que o caminho mais óbvio é o
Paulo Praça fazer um disco a solo, que vai lançar já em Setembro; os
Moonspell gravarem um disco novo; e os The Gift também saírem com um
disco novo. É o caminho que nós achamos que faz sentido, nesta altura.
A Dupla The Gift em breve também com um trabalho de originais. Podem
vir muitas surpresas?
Sempre. Nós nos The Gift nunca escolhemos o caminho mais fácil. Quem
gosta dos The Gift está sempre à espera de alguma diferença e acho que
isso se vai notar no próximo disco. Se depois as pessoas gostam, ou não,
também depende um bocado do papel das rádios. Saber se na altura certa
estarão lá para apoiar os temas.
Entrevista: Hugo Rafael
Texto: Eugénia Sousa
Direitos Reservados
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