Violência na escola:
conta-me como foi.
Convenhamos: sempre houve bullying na
escola. Todos guardamos memória disso. Na escola e no emprego, na
família e no desporto, nos quartéis e nas igrejas, nos partidos e, até,
nos mais insuspeitos grupos de amigos… Sempre o houve, onde e quando se
agregaram pessoas e se formaram grupos onde coexistem fortes e fracos,
chefes e chefiados, agressores e vitimados, ou seja, sempre e quando de
desenvolveram relações de desigualdade na partilha do poder.
Em variadíssimas gerações, e por diversos motivos, os “caixa de óculos”,
os “pencudos”, os “pés de chumbo”, as “mamalhudas”, os “gungunhana”, os
“espinafres”, os “fanhosos”, os “minorcas”, os “graxistas”, os
“dentolas”, os “cabelos de rato”, os “nerd”…, sempre foram motivo de
jocosidade e, logo, também vítimas de processos de exclusão e de
achincalhamento, verbal e quantas vezes físico, pelos seus pares. Outras
vezes, dizia a voz dos sociólogos, tudo isso até favorecia a
socialização do indivíduo pelo grupo.
Noutros tempos, pouco ou nada se sabia fora das paredes das instituições
educativas; ou então, tudo se perdia entre regras de falsa etiqueta
proporcionadas pela paridade e homogeneidade dos grupos sociais que
tinham acesso à escola, sobretudo aos níveis de escolaridade mais
avançados. Hoje, felizmente, sabe-se mais e, sobretudo, sabe-se melhor.
Por exemplo, dizem-nos que 40 por cento das crianças portuguesas são
vítimas de bullying. E, nesse escandaloso número, ainda nem se
contabiliza a violência psicológica exercida por alguns jogos de
consola, por alguns sites que as crianças e jovens visitam e até por
alguns programas de televisão a que assistem, sem qualquer controle
parental.
O que mudou entretanto? Tanta coisa! Desde logo, a democratização do
acesso ao ensino (uma escola para todos) trouxe para a escola muitos
jovens de diferentes culturas sociais, de diferentes “tribos urbanas”,
com as suas linguagens, gestos, símbolos, valores e vestuários
diferenciadores em relação “ao outro” e identificadores “entre si”. É
que, também se sabe que o bullying se desenvolve mais quando os
indivíduos são forçadas a coabitar, algumas vezes contra-vontade e
noutras contra-natura, no mesmo espaço e ao mesmo tempo.
Depois, as lideranças começaram a centrar-se nos mais “desiguais”
perante a maioria: a desigualdade dos que se auto-marginalizam face às
regras, a dos manipuladores do poder, da força e da coacção psicológica,
a dos detentores de uma enorme capacidade de mentir e de resistir. O
impacto foi de tal ordem de grandeza que gerou, em inúmeros casos, que
os professores tivessem perdido a governação objectiva das instituições
em que trabalham. Isto, quando não são eles mesmo a motivação e o
principal alvo da violência que aí se desenrola. Todos os dias…
Finalmente, tenhamos em conta que a exponencial evolução dos meios e dos
processos de comunicação de massas (internet, telemóveis, PCs portáteis,
fotografia e filme digitais…) permitiu que o bullying ultrapassasse
rapidamente as portas da escola, do bairro, da cidade, do país…
revelando-se um verdadeiro campeão de audiências nas redes sociais da
internet – referimo-nos, claro está, ao cyberbullying.
Nesta sociedade que tarda a reencontrar-se e onde até a imbecilidade
humana tem direito à globalização; onde infelizmente não sobram exemplos
de coerência e de ética; onde se permite que todos os dias se destrua um
pouco mais deste planeta que é única casa de todos, não é de estranhar
que desde muito cedo (98% das mães americanas inquiridas admitiram que
os seus filhos, com menos de dois anos de idade, já tinham acesso e
brincavam na internet…) se incrementem as tentações totalitárias,
desumanas e irracionais e que estas se sobreponham ao prazer de brincar,
de conviver e de aprender com o “outro”.
Por isso, hoje, a diferença situa-se na ténue fronteira da amplitude a
que pode chegar a pressão dos pares sobre o indivíduo (o mal são os
outros?), e da justificação que se quiser dar ao livre arbítrio que
conduz à selecção da motivação e da vítima.
João Ruivo
ruivo@rvj.pt
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