Director Fundador: João Ruivo    Director: João Carrega    Publicação Mensal    Ano XIII    Nº152   Outubro 2010

Cultura

GENTE & LIVROS

Lev Tolstoi

«Khadji-Murat sempre tinha acreditado na sua sorte. Ao empreender qualquer coisa, estava seguro do seu êxito, e tudo lhe saía bem. Pelo menos assim tinha sido, com raras excepções, durante toda a sua impetuosa vida militar. Neste momento esperava que também assim fosse. Pensava numa maneira de, com o exército que lhe iria conceder Vorontsov, dirigir a marcha contra as tropas de Chamil, fazê-lo prisioneiro e vingar-se dele, e de que modo o czar russo o recompensaria, e em como iria governar não só a Avária mas toda a Tchetchénia, que se lhe submeteria. Absorvido nestas ideais, não se apercebeu de que tinha adormecido.

Sonhou que, acompanhado pelos seus guerreiros, cantando e gritando «Aqui vem Khadji-Murat!», aparecia de improviso perante Chamil e o capturava, a ele e às suas mulheres que choravam e soluçavam.»


In Khadji-Murat
 

Lev Nikolaievich Tolstoi (9 de Setembro de 1828 - 20 de Novembro de 1910) nasceu em Yasnaya Polyana, na Região de Tula, Rússia.

Lev Tolstoi, quarto filho do conde Nikololai Llyich Tolstoi e da condessa Mariya Tolstaya, ficou órfão cedo e foi educado por preceptores. Ao alistar-se no exército russo começava uma etapa da vida do jovem Conde Tolstoi que ficaria marcada pela bebida, o jogo e o sexo. Mas é também na juventude que adopta um estilo de vida espiritualizado, fundamentado no cristianismo, e que se prolongaria até à morte. Com a finalidade de espiritualizar e purificar a existência, abraça um programa de auto-aperfeiçoamento das capacidades morais e intelectuais, visando sempre o Bem. Após a conversão ao cristianismo deixa de beber e de fumar, passa a ser vegetariano e a vestir-se como um camponês, com roupas e calçado que ele próprio costura. Pacifista convicto chega a trocar correspondência com Mahatma Gandhi, que chamaria ao escritor o maior «apóstolo da não-violência». A par da sua carreira de escritor, Tolstoi foi um notável pensador do seu tempo, com uma influência comparável à do próprio czar.

O cunho moral que Tolstoi deu à sua vida ficou impresso nos seus livros. A sua obra maior, o romance Guerra e Paz (1865-1869) levou sete anos a escrever e marcou a literatura mundial. Anna Karenina (1875-1877) e Khadji-Murat (publicado em 1912) foram outros romances relevantes na obra de Toltoi.

Em 1862 casou-se com Sônia Andreievna Bers, com que teve 13 filhos. Um casamento de muitas contrariedades que chocava com o modo como Tolstoi pretendia viver.

Incompatibilizado com a família, que ao contrário do escritor não deseja uma vida de desapego material, aos 82 anos de idade abandona a casa. É durante a fuga que contrai pneumonia e morre na estação ferroviária de Astapovo, provincía de Riazan. Ao funeral de Tolstoi compareceram milhares de pessoas.

Da bibliografia de Tolstoi fazem parte, entre outros, os títulos: Infância (1852); Adolescência (1859); Juventude (1856); O Reino de Deus está em Vós (Ensaio 1894); A Sonata a Kreutzer (Romance 1889); e Ressurreição (romance 1899).

Khadji-Murat. Khadji-Murat era um lendário chefe militar Tchecheno que lutava pela libertação do seu povo, contra a tirania do czar Russo. Mas um dia, Khadji-Murat abandona os seus companheiros e alia-se às forças do czar, numa aliança para derrotar o inimigo comum, Chamil, de quem pretende vingar-se. Esta será a decisão que o deixará sozinho contra o mundo e sem um lugar para onde voltar.

Eugénia Sousa

 

 

 

LIVROS

Novidades literárias

D. QUIXOTE. Silêncio, de Shusaku Endo. Ano de 1640. O padre jesuíta português Sebastião Rodrigues embarca rumo ao Japão, para ajudar os cristãos japoneses e perceber o que aconteceu ao seu antigo mentor, Cristovão Ferreira. Rodrigues vai encontrar um clima terrível de perseguição religiosa, com o poder Japonês a obrigá-lo à escolha tão impossível como cruel de abandonar os seus fiéis, ou abandonar a Deus. Silêncio é a obra-prima de um escritor cuja prosa elegante é comparada a de Graham Greene.
 

PLANETA EDITORA. Poço de Solidão, de Radclyffe Hall. Publicado pela primeira vez em 1928, Poço de Solidão causou polémica na Europa e na América. Ao ser proibido na Inglaterra, causou uma luta pela liberdade de expressão entre os sectores mais liberais, tornando-se um «livro proibido». Numa abordagem crua, Poço de Solidão acompanha a vida de Stephen, uma mulher em luta pela aceitação e respeito, na sociedade inglesa do começo do século XX.
 

CASA DAS LETRAS. Tempestade, de William Boyd. Quando o climatologista Adam Kindred, perde, numa única tarde, a identificação, os cartões de crédito, a casa e o emprego, nada mais lhe resta do que partir para o submundo de Londres. Perseguido pela polícia e por um inimigo impiedoso, Adam Kindred terá de por à prova o seu instinto de sobrevivência. Tempestade é um thriller arrebatador.
 

PRESENÇA. A Casa dos Sete Pecados, de Mari Pau Domínguez. Madrid, 1568. Para garantir ao reino um filho homem, o rei Filipe II aceita desposar a sobrinha, Ana da Áustria, quando o objecto do seu desejo é a jovem aia das filhas. Mas o soberano mais poderoso do seu tempo tem de saber que todos os passos, mesmo os de natureza sentimental, se revestem de importância vital para o destino da corte espanhola. A Casa dos Sete Pecados venceu o Prémio Caja Granada de Romance Histórico.
 

CAVALO DE FERRO. Álbum Marítimo é composto por 50 fotografias e as suas histórias, tendo como tema a relação que desde sempre o homem estabeleceu com o mar. As fotografias foram seleccionadas do arquivo do Mariner`s Museum por John Szarkowski, fotógrafo e historiador, e por Richard Benson, fotógrafo e decano da Yale School os Arts, a partir de um arquivo de mais de meio milhão de fotografias. Álbum Marítimo é um livro extraordinário, recomendado a todos os que amam o mar.
 

EUROPA-AMÉRICA. História Política de Portugal 1910-1926, de Douglas L. Wheeler. A Primeira República foi o regime parlamentar mais instável da Europa Ocidental, com 45 governos sucessivos entre o período da monarquia constitucional (1834-1910) e o regime emergente de 1926. É sobre este momento da nossa história política que o autor se debruça nesta obra, que assinala o centenário da República em Portugal.
 

ESFERA DOS LIVROS. Grácia Nasi, de Esther Mucznik. Esta é a biografia de uma mulher notável que ousou desafiar o poder instituído e traçar o próprio destino. Nascida em Portugal em 1510, Grácia Nasi ficou viúva aos 25 anos. Sozinha e dona de um império comercial cobiçado por todos, Grácia Nasi acabou por se revelar uma excepcional mulher de negócios e uma sobrevivente nata.
 

ÂNCORA. A Batalha do Bussaco, de José Pires. Quando se comemoram os 200 anos da Batalha do Bussaco, o autor recria neste álbum de Banda Desenhada a famosa batalha. Um meritório esforço luso-britânico para deter as tropas invasoras de Napoleão Bonaparte, e demonstrar indubitavelmente o valor da reputação militar portuguesa.
 

 

 

PELA OBJECTIVA DE J. VASCO

Um eléctrico chamado desejo

Diogo Infante encenou o clássico Um eléctrico chamado desejo, de Tennessee Williams. Uma professora, frágil e solitária, cuja vida não correu como desejava, visita a sua irmã num bairro pobre de Nova Orleães e… a não perder.

No Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, até 31 de Outubro, interpretado por Alexandra Lencastre, Albano Jerónimo, Lúcia Moniz e Pedro Laginha entre outros.

 

 

 

Música

Expensive Soul - Utopia. Mais um trabalho com carimbo nacional, a dupla de Leça da Palmeira está de regresso aos discos com “Utopia”.New Max e Demo apresentaram um dos discos mais frescos deste ano de 2010.

O primeiro avanço do trabalho foi o single “O Amor é mágico” que surpreendeu e conquistou o público Português. O som da banda mantém a mesma linha dentro do hip hop, soul e funk, com influências das músicas dos anos 60.

A pausa de aproximadamente quatro anos permitiu preparar um disco mais maduro, com uma boa evolução nas letras e na componente instrumental. Este novo “Utopia” veio relançar e consolidar a carreira desta banda que pode continuar a crescer no nosso panorama musical e a transmitir boas vibrações.

Em relação as destaques deste cd, em primeiro lugar o fantástico single “O Amor é mágico”, e depois os temas “ Tem calma contigo”, “Contador de histórias” e “Dou-te nada”. Na música este ano de 2010 tem para já um saldo muito positivo, muitos projectos novos e vários discos novos de bandas e cantores já consagrados. Os Expensive Soul vão no rumo certo para conseguirem o seu “lugar ao sol”!.
 


Kylie Minogue - Aphrodite. Kylie Minogue regressou aos discos com “Aphrodite”, o 11º trabalho de uma carreira de sucesso que começou a meio da década de 80.

O cartão-de-visita foi o tema “All the lovers” que chegou às Rádios e em simultâneo às pistas de dança, através das remisturas que acompanham o single. Destaque para a versão de “Dada Life” e a excelente remistura, que tem a assinatura de Michael Woods, e marcou presença nas pistas de dança em todo o mundo. Com este “Aphrodite” a Australiana conseguiu colocar o seu nome de novo nos top´s, e assim tentar esquecer o penúltimo trabalho, “X”, que passou muito despercebido! A sonoridade das novas canções é totalmente dentro da linha electrónica de dança, o house na sua componente mais comercial com algumas influências do electro. A cantora conta com um grande naipe de convidados ilustres como é o caso de Calvin Harris, Jake Shears, dos Scissor Sisters e Tim Rice, dos Keane. Destaque para o primeiro single “All the lovers” e as faixas “Get outta my way” e “Can´t beat the feeling”. Embora um pouco longe da fórmula mágica utilizada em temas como “Can´t get you out of my head”, não deixa se ser uma proposta interessante!
 


Enrique Iglesias - Euphoria. Um dos nomes mais credenciados da música latina voltou aos discos, Enrique Iglesias apresentou o novo capítulo da sua carreira, “Euphoria”.

A primeira amostra do trabalho foi dado a conhecer dois meses antes da edição do álbum, o single “I like it” que tem a participação especial de Pitbull e influências do clássico de Lionel Richie “All night long”. O trabalho é apresentado em Espanhol e Inglês e tem uma lista interessante de convidados, como é o caso de Wisin & Yandel, o veterano Juan Luis Guerra, Akon e a lindíssima Nicole Scherzinger. O novo “Euphoria” é uma verdadeira caixa de surpresas. O músico apresenta um trabalho bem diferentes dos anteriores. A música latina deixa de ser dominante e surgem agora outros ritmos que o cantor ainda não tinha utilizado. O romantismo e as baladas continuam presentes, mas a novidade está na aposta na música electrónica e em outros ritmos como o reggae. Os temas fortes são o single “I like it” e os temas “Heartbeat”,”Why not me” e “Dile que”.

Tendo Anna Kournikova como musa inspiradora, inspiração não deve faltar ao cantor…

Hugo Rafael

 

 

 

BOCAS DO GALINHEIRO

Dennis Hopper, e não só

De há uns tempos a esta parte, as notícias de desaparecimento de grandes nomes do cinema sucedem-se. É inevitável, sabemos, mas a 7ª arte vai ficando mais pobre. A marca de cada um perdurará para sempre nos seus filmes. Mas, como diria o outro, não é a mesma coisa.

Daqueles que hoje aqui trazemos, um dos primeiros a abalar foi Dennis Hopper, para mim o inesquecível realizador e intérprete de “Easy Ryder”, que com um orçamento mínimo se tornou num êxito impar, venceu o prémio de Melhor Primeira Obra em Cannes, uma fita que me marcou na adolescência, que vi vezes sem conta, por Hopper, por Peter Fonda, por um até então quase desconhecido Jack Nicholson, e pela banda sonora, com temas chave duma época que nunca nos cansamos de ouvir. Um filme que será recordado como um dos primeiros grandes êxitos do cinema independente e paradigma da contra-cultura psicadélica da costa Oeste, um road movie onde dois hippies montados nas suas shoppers atravessavam os EUA à procura do seu sonho americano, que se desfaz na ponta de uma caçadeira reaccionária, a par de “The Trip”, de Roger Corman, de 1967, também com Hopper e Fonda no elenco. A propósito desta corrente seria caso para citar aqui a aventura americana de Michelangelo Antonioni e o seu filme de 1970, Zabriskie Point, com música, entre outros, dos Pink Floyd. Mas não é da contracultura da costa Oeste que queremos falar mas de Dennis Hopper. E muito havia a dizer deste multifacetado artista, fotógrafo, pintor e actor forjado no Actor’s Studio, onde mais poderia ser, nascido em Dodge City em 1936, que se estreou no cinema com “Fúria de Viver” (1955), de Nicholas Ray, onde contracenou com James Dean. Da amizade entre os dois, e com a morte de Dean, o “papel” de rebelde ficou destinado a Dennis Hopper que muito cedo começou a ter problemas com o star system de Hollywood, desde logo com Henry Hathaway na rodagem de “O Homem que Não Queria Matar” (1958), desaguisado que lhe trouxe alguns amargos de boca e que, para sempre (?) o relegou para as margens do sistema, onde, diga-se, se movimentava com grande à vontade, ganhando quase o exclusivo dos papéis de vilão até ao final da sua carreira. Basta lembrar o seu Tom Ripley de “O Amigo Americano” (1976), de Wim Wenders, em que contracena nada mais nada menos que com Nicholas Ray, neste filme uma espécie de mentor de Ripley, e, em tempos mais recentes, o Frank Booth de “Blue Velvet” (1986), de David Lynch. Pelo meio o fotógrafo passado do “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Coppola, um dos cineastas da geração pós “Easy Rider, que a par de, entre outros, Martin Scordese, vão virar o cinema americano. Depois de “Blue Velvet” voltou à realização com “Los Angeles a Ferro e Fogo”, de 1988, e “Testemunha Involuntária” e “Ardente Sedução”, ambos de 1990, de entre outros. Morreu em casa em Los Angeles aos 74 anos, a 29 de Maio. A 26 de Março aparecera pela última vez em público na colocação da sua estrela no Hollywood Walk of Fame.

Outro nome grande que agora se despediu foi Claude Chabrol, a 12 Setembro. Tinha 80 anos e deixou para trás umas dezenas de filmes e mais de 50 anos de actividade. O facto de ser, juntamente com o também não há muito desaparecido Eric Rohmer, um dos fundadores da Nouvelle Vague, o movimento francês que juntou nomes como os de François Truffaut, Alain Resnais, Jean Luc Godard, para referir só estes, a par de uma filmografia que teve tanto de inovadora como de heterogénea, fazem dele um dos nomes maiores desta geração e senhor de uma filmografia onde se destacam “O Sangue dos Outros”, “A Cerimónia”, ou o seu último título, de 2009, “Bellamy”.

A 28 de Setembro desapareceu Arthur Penn, realizador americano de 88 anos, que, se não fosse por mais, que o é, seria sempre lembrado como o homem que dirigiu “Bonnie and Clyde”, de 1967. Foi acima de tudo um bom contador de histórias, de “O Milagre de Anne Sullivan”, a “O Pequeno Grande Homem”, passando por “Perseguição Impiedosa “ ou mesmo o seu filme de estreia “Vício de Matar”, a sua particular visão de Billy The Kid, com Paul Newman, filmes em que a realidade nos é mostrada de uma forma crua e não poucas vezes desconcertante.

Por fim, a 30 de Setembro, outro grande actor, Tony Curtis, deixou-nos aos 85 anos. Bastava “Quanto Mais Quente Melhor” (1959), de Billy Wilder, para que este nova-iorquino do Bronx, de origem húngara, entrasse para a galeria dos imortais, com Jack Lemmon e Marylin Monroe como acompanhantes de luxo. Porém, seria muito ingrato reduzir um intérprete tão versátil como Curtis a este filme. “Criss Cross”, “Winchester 73”, “Houdini”, “The Sweet Smell of Socess”, “The Last Tycoon” ou “Trapeze” e “Spartacus”, dão bem a dimensão e da grandeza da sua carreira.

A ele e aos outros gostaríamos de voltar outro dia. Sem promessas.

Até lá, bons filmes!

Luís Dinis da Rosa

 

 

 

Educação às tiras

Cartoon: Bruno Janeca
Argumento: Dinis Gardete

 

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