GENTE & LIVROS
Lev Tolstoi
«Khadji-Murat sempre
tinha acreditado na sua sorte. Ao empreender qualquer coisa, estava
seguro do seu êxito, e tudo lhe saía bem. Pelo menos assim tinha sido,
com raras excepções, durante toda a sua impetuosa vida militar. Neste
momento esperava que também assim fosse. Pensava numa maneira de, com o
exército que lhe iria conceder Vorontsov, dirigir a marcha contra as
tropas de Chamil, fazê-lo prisioneiro e vingar-se dele, e de que modo o
czar russo o recompensaria, e em como iria governar não só a Avária mas
toda a Tchetchénia, que se lhe submeteria. Absorvido nestas ideais, não
se apercebeu de que tinha adormecido.
Sonhou que, acompanhado pelos seus guerreiros, cantando e gritando «Aqui
vem Khadji-Murat!», aparecia de improviso perante Chamil e o capturava,
a ele e às suas mulheres que choravam e soluçavam.»
In Khadji-Murat
Lev Nikolaievich Tolstoi
(9 de Setembro de 1828 - 20 de Novembro de 1910) nasceu em Yasnaya
Polyana, na Região de Tula, Rússia.
Lev Tolstoi, quarto filho do conde Nikololai Llyich Tolstoi e da
condessa Mariya Tolstaya, ficou órfão cedo e foi educado por
preceptores. Ao alistar-se no exército russo começava uma etapa da vida
do jovem Conde Tolstoi que ficaria marcada pela bebida, o jogo e o sexo.
Mas é também na juventude que adopta um estilo de vida espiritualizado,
fundamentado no cristianismo, e que se prolongaria até à morte. Com a
finalidade de espiritualizar e purificar a existência, abraça um
programa de auto-aperfeiçoamento das capacidades morais e intelectuais,
visando sempre o Bem. Após a conversão ao cristianismo deixa de beber e
de fumar, passa a ser vegetariano e a vestir-se como um camponês, com
roupas e calçado que ele próprio costura. Pacifista convicto chega a
trocar correspondência com Mahatma Gandhi, que chamaria ao escritor o
maior «apóstolo da não-violência». A par da sua carreira de escritor,
Tolstoi foi um notável pensador do seu tempo, com uma influência
comparável à do próprio czar.
O cunho moral que Tolstoi deu à sua vida ficou impresso nos seus livros.
A sua obra maior, o romance Guerra e Paz (1865-1869) levou sete anos a
escrever e marcou a literatura mundial. Anna Karenina (1875-1877) e
Khadji-Murat (publicado em 1912) foram outros romances relevantes na
obra de Toltoi.
Em 1862 casou-se com Sônia Andreievna Bers, com que teve 13 filhos. Um
casamento de muitas contrariedades que chocava com o modo como Tolstoi
pretendia viver.
Incompatibilizado com a família, que ao contrário do escritor não deseja
uma vida de desapego material, aos 82 anos de idade abandona a casa. É
durante a fuga que contrai pneumonia e morre na estação ferroviária de
Astapovo, provincía de Riazan. Ao funeral de Tolstoi compareceram
milhares de pessoas.
Da bibliografia de Tolstoi fazem parte, entre outros, os títulos:
Infância (1852); Adolescência (1859); Juventude (1856); O Reino de Deus
está em Vós (Ensaio 1894); A Sonata a Kreutzer (Romance 1889); e
Ressurreição (romance 1899).
Khadji-Murat. Khadji-Murat era um lendário chefe militar Tchecheno que
lutava pela libertação do seu povo, contra a tirania do czar Russo. Mas
um dia, Khadji-Murat abandona os seus companheiros e alia-se às forças
do czar, numa aliança para derrotar o inimigo comum, Chamil, de quem
pretende vingar-se. Esta será a decisão que o deixará sozinho contra o
mundo e sem um lugar para onde voltar.
Eugénia Sousa
LIVROS
Novidades literárias
D. QUIXOTE. Silêncio, de Shusaku
Endo. Ano de 1640. O padre jesuíta português Sebastião Rodrigues embarca
rumo ao Japão, para ajudar os cristãos japoneses e perceber o que
aconteceu ao seu antigo mentor, Cristovão Ferreira. Rodrigues vai
encontrar um clima terrível de perseguição religiosa, com o poder
Japonês a obrigá-lo à escolha tão impossível como cruel de abandonar os
seus fiéis, ou abandonar a Deus. Silêncio é a obra-prima de um escritor
cuja prosa elegante é comparada a de Graham Greene.
PLANETA EDITORA. Poço de
Solidão, de Radclyffe Hall. Publicado pela primeira vez em 1928, Poço de
Solidão causou polémica na Europa e na América. Ao ser proibido na
Inglaterra, causou uma luta pela liberdade de expressão entre os
sectores mais liberais, tornando-se um «livro proibido». Numa abordagem
crua, Poço de Solidão acompanha a vida de Stephen, uma mulher em luta
pela aceitação e respeito, na sociedade inglesa do começo do século XX.
CASA DAS LETRAS. Tempestade, de
William Boyd. Quando o climatologista Adam Kindred, perde, numa única
tarde, a identificação, os cartões de crédito, a casa e o emprego, nada
mais lhe resta do que partir para o submundo de Londres. Perseguido pela
polícia e por um inimigo impiedoso, Adam Kindred terá de por à prova o
seu instinto de sobrevivência. Tempestade é um thriller arrebatador.
PRESENÇA. A Casa dos Sete
Pecados, de Mari Pau Domínguez. Madrid, 1568. Para garantir ao reino um
filho homem, o rei Filipe II aceita desposar a sobrinha, Ana da Áustria,
quando o objecto do seu desejo é a jovem aia das filhas. Mas o soberano
mais poderoso do seu tempo tem de saber que todos os passos, mesmo os de
natureza sentimental, se revestem de importância vital para o destino da
corte espanhola. A Casa dos Sete Pecados venceu o Prémio Caja Granada de
Romance Histórico.
CAVALO DE FERRO. Álbum Marítimo
é composto por 50 fotografias e as suas histórias, tendo como tema a
relação que desde sempre o homem estabeleceu com o mar. As fotografias
foram seleccionadas do arquivo do Mariner`s Museum por John Szarkowski,
fotógrafo e historiador, e por Richard Benson, fotógrafo e decano da
Yale School os Arts, a partir de um arquivo de mais de meio milhão de
fotografias. Álbum Marítimo é um livro extraordinário, recomendado a
todos os que amam o mar.
EUROPA-AMÉRICA. História
Política de Portugal 1910-1926, de Douglas L. Wheeler. A Primeira
República foi o regime parlamentar mais instável da Europa Ocidental,
com 45 governos sucessivos entre o período da monarquia constitucional
(1834-1910) e o regime emergente de 1926. É sobre este momento da nossa
história política que o autor se debruça nesta obra, que assinala o
centenário da República em Portugal.
ESFERA DOS LIVROS. Grácia Nasi,
de Esther Mucznik. Esta é a biografia de uma mulher notável que ousou
desafiar o poder instituído e traçar o próprio destino. Nascida em
Portugal em 1510, Grácia Nasi ficou viúva aos 25 anos. Sozinha e dona de
um império comercial cobiçado por todos, Grácia Nasi acabou por se
revelar uma excepcional mulher de negócios e uma sobrevivente nata.
ÂNCORA. A Batalha do Bussaco, de
José Pires. Quando se comemoram os 200 anos da Batalha do Bussaco, o
autor recria neste álbum de Banda Desenhada a famosa batalha. Um
meritório esforço luso-britânico para deter as tropas invasoras de
Napoleão Bonaparte, e demonstrar indubitavelmente o valor da reputação
militar portuguesa.
PELA OBJECTIVA DE J.
VASCO
Um eléctrico chamado
desejo
Diogo Infante encenou o clássico Um
eléctrico chamado desejo, de Tennessee Williams. Uma professora, frágil
e solitária, cuja vida não correu como desejava, visita a sua irmã num
bairro pobre de Nova Orleães e… a não perder.
No Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, até 31 de Outubro,
interpretado por Alexandra Lencastre, Albano Jerónimo, Lúcia Moniz e
Pedro Laginha entre outros.
Música
Expensive Soul - Utopia. Mais um
trabalho com carimbo nacional, a dupla de Leça da Palmeira está de
regresso aos discos com “Utopia”.New Max e Demo apresentaram um dos
discos mais frescos deste ano de 2010.
O primeiro avanço do trabalho foi o single “O Amor é mágico” que
surpreendeu e conquistou o público Português. O som da banda mantém a
mesma linha dentro do hip hop, soul e funk, com influências das músicas
dos anos 60.
A pausa de aproximadamente quatro anos permitiu preparar um disco mais
maduro, com uma boa evolução nas letras e na componente instrumental.
Este novo “Utopia” veio relançar e consolidar a carreira desta banda que
pode continuar a crescer no nosso panorama musical e a transmitir boas
vibrações.
Em relação as destaques deste cd, em primeiro lugar o fantástico single
“O Amor é mágico”, e depois os temas “ Tem calma contigo”, “Contador de
histórias” e “Dou-te nada”. Na música este ano de 2010 tem para já um
saldo muito positivo, muitos projectos novos e vários discos novos de
bandas e cantores já consagrados. Os Expensive Soul vão no rumo certo
para conseguirem o seu “lugar ao sol”!.
Kylie Minogue - Aphrodite. Kylie
Minogue regressou aos discos com “Aphrodite”, o 11º trabalho de uma
carreira de sucesso que começou a meio da década de 80.
O cartão-de-visita foi o tema “All the lovers” que chegou às Rádios e em
simultâneo às pistas de dança, através das remisturas que acompanham o
single. Destaque para a versão de “Dada Life” e a excelente remistura,
que tem a assinatura de Michael Woods, e marcou presença nas pistas de
dança em todo o mundo. Com este “Aphrodite” a Australiana conseguiu
colocar o seu nome de novo nos top´s, e assim tentar esquecer o
penúltimo trabalho, “X”, que passou muito despercebido! A sonoridade das
novas canções é totalmente dentro da linha electrónica de dança, o house
na sua componente mais comercial com algumas influências do electro. A
cantora conta com um grande naipe de convidados ilustres como é o caso
de Calvin Harris, Jake Shears, dos Scissor Sisters e Tim Rice, dos Keane.
Destaque para o primeiro single “All the lovers” e as faixas “Get outta
my way” e “Can´t beat the feeling”. Embora um pouco longe da fórmula
mágica utilizada em temas como “Can´t get you out of my head”, não deixa
se ser uma proposta interessante!
Enrique Iglesias - Euphoria. Um dos nomes mais credenciados da
música latina voltou aos discos, Enrique Iglesias apresentou o novo
capítulo da sua carreira, “Euphoria”.
A primeira amostra do trabalho foi dado a conhecer dois meses antes da
edição do álbum, o single “I like it” que tem a participação especial de
Pitbull e influências do clássico de Lionel Richie “All night long”. O
trabalho é apresentado em Espanhol e Inglês e tem uma lista interessante
de convidados, como é o caso de Wisin & Yandel, o veterano Juan Luis
Guerra, Akon e a lindíssima Nicole Scherzinger. O novo “Euphoria” é uma
verdadeira caixa de surpresas. O músico apresenta um trabalho bem
diferentes dos anteriores. A música latina deixa de ser dominante e
surgem agora outros ritmos que o cantor ainda não tinha utilizado. O
romantismo e as baladas continuam presentes, mas a novidade está na
aposta na música electrónica e em outros ritmos como o reggae. Os temas
fortes são o single “I like it” e os temas “Heartbeat”,”Why not me” e
“Dile que”.
Tendo Anna Kournikova como musa inspiradora, inspiração não deve faltar
ao cantor…
Hugo Rafael
BOCAS DO GALINHEIRO
Dennis Hopper, e não
só
De há uns tempos a esta parte, as
notícias de desaparecimento de grandes nomes do cinema sucedem-se. É
inevitável, sabemos, mas a 7ª arte vai ficando mais pobre. A marca de
cada um perdurará para sempre nos seus filmes. Mas, como diria o outro,
não é a mesma coisa.
Daqueles que hoje aqui trazemos, um dos primeiros a abalar foi Dennis
Hopper, para mim o inesquecível realizador e intérprete de “Easy Ryder”,
que com um orçamento mínimo se tornou num êxito impar, venceu o prémio
de Melhor Primeira Obra em Cannes, uma fita que me marcou na
adolescência, que vi vezes sem conta, por Hopper, por Peter Fonda, por
um até então quase desconhecido Jack Nicholson, e pela banda sonora, com
temas chave duma época que nunca nos cansamos de ouvir. Um filme que
será recordado como um dos primeiros grandes êxitos do cinema
independente e paradigma da contra-cultura psicadélica da costa Oeste,
um road movie onde dois hippies montados nas suas shoppers atravessavam
os EUA à procura do seu sonho americano, que se desfaz na ponta de uma
caçadeira reaccionária, a par de “The Trip”, de Roger Corman, de 1967,
também com Hopper e Fonda no elenco. A propósito desta corrente seria
caso para citar aqui a aventura americana de Michelangelo Antonioni e o
seu filme de 1970, Zabriskie Point, com música, entre outros, dos Pink
Floyd. Mas não é da contracultura da costa Oeste que queremos falar mas
de Dennis Hopper. E muito havia a dizer deste multifacetado artista,
fotógrafo, pintor e actor forjado no Actor’s Studio, onde mais poderia
ser, nascido em Dodge City em 1936, que se estreou no cinema com “Fúria
de Viver” (1955), de Nicholas Ray, onde contracenou com James Dean. Da
amizade entre os dois, e com a morte de Dean, o “papel” de rebelde ficou
destinado a Dennis Hopper que muito cedo começou a ter problemas com o
star system de Hollywood, desde logo com Henry Hathaway na rodagem de “O
Homem que Não Queria Matar” (1958), desaguisado que lhe trouxe alguns
amargos de boca e que, para sempre (?) o relegou para as margens do
sistema, onde, diga-se, se movimentava com grande à vontade, ganhando
quase o exclusivo dos papéis de vilão até ao final da sua carreira.
Basta lembrar o seu Tom Ripley de “O Amigo Americano” (1976), de Wim
Wenders, em que contracena nada mais nada menos que com Nicholas Ray,
neste filme uma espécie de mentor de Ripley, e, em tempos mais recentes,
o Frank Booth de “Blue Velvet” (1986), de David Lynch. Pelo meio o
fotógrafo passado do “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Coppola,
um dos cineastas da geração pós “Easy Rider, que a par de, entre outros,
Martin Scordese, vão virar o cinema americano. Depois de “Blue Velvet”
voltou à realização com “Los Angeles a Ferro e Fogo”, de 1988, e
“Testemunha Involuntária” e “Ardente Sedução”, ambos de 1990, de entre
outros. Morreu em casa em Los Angeles aos 74 anos, a 29 de Maio. A 26 de
Março aparecera pela última vez em público na colocação da sua estrela
no Hollywood Walk of Fame.
Outro nome grande que agora se despediu foi Claude Chabrol, a 12
Setembro. Tinha 80 anos e deixou para trás umas dezenas de filmes e mais
de 50 anos de actividade. O facto de ser, juntamente com o também não há
muito desaparecido Eric Rohmer, um dos fundadores da Nouvelle Vague, o
movimento francês que juntou nomes como os de François Truffaut, Alain
Resnais, Jean Luc Godard, para referir só estes, a par de uma
filmografia que teve tanto de inovadora como de heterogénea, fazem dele
um dos nomes maiores desta geração e senhor de uma filmografia onde se
destacam “O Sangue dos Outros”, “A Cerimónia”, ou o seu último título,
de 2009, “Bellamy”.
A 28 de Setembro desapareceu Arthur Penn, realizador americano de 88
anos, que, se não fosse por mais, que o é, seria sempre lembrado como o
homem que dirigiu “Bonnie and Clyde”, de 1967. Foi acima de tudo um bom
contador de histórias, de “O Milagre de Anne Sullivan”, a “O Pequeno
Grande Homem”, passando por “Perseguição Impiedosa “ ou mesmo o seu
filme de estreia “Vício de Matar”, a sua particular visão de Billy The
Kid, com Paul Newman, filmes em que a realidade nos é mostrada de uma
forma crua e não poucas vezes desconcertante.
Por fim, a 30 de Setembro, outro grande actor, Tony Curtis, deixou-nos
aos 85 anos. Bastava “Quanto Mais Quente Melhor” (1959), de Billy Wilder,
para que este nova-iorquino do Bronx, de origem húngara, entrasse para a
galeria dos imortais, com Jack Lemmon e Marylin Monroe como
acompanhantes de luxo. Porém, seria muito ingrato reduzir um intérprete
tão versátil como Curtis a este filme. “Criss Cross”, “Winchester 73”, “Houdini”,
“The Sweet Smell of Socess”, “The Last Tycoon” ou “Trapeze” e
“Spartacus”, dão bem a dimensão e da grandeza da sua carreira.
A ele e aos outros gostaríamos de voltar outro dia. Sem promessas.
Até lá, bons filmes!
Luís Dinis da Rosa
Educação às tiras
Cartoon: Bruno Janeca
Argumento: Dinis Gardete
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