PEDRO MEXIA, ESCRITOR
"Portugal já
sobreviveu
a muitos fins do mundo anunciados"

Assumindo-se como um pessimista, mas não
um catastrofista, Pedro Mexia recorda que Portugal ao longo da sua
história esteve «permanentemente em crise» e que vai resistir a mais um
momento difícil. Sem rodeios, o escritor garante não gostar do mundo
literário e dos seus protagonistas, detestando a intriga, a maledicência
e a inveja cultivada entre profissionais do mesmo ofício. Sobre a sétima
arte, diz que o cinema em sala vai resistir à vaga do digital. Defende a
criminalização por difamação na internet, justificando que a rede não
pode ser um “far west” jurídico. Crítico do novo Acordo Ortográfico,
rejeitando a prevalência do critério fonético em nome de um «ilusório
ecumenismo da língua portuguesa», Mexia preconiza que não se consegue
dominar o Português, na dimensão oral e escrita, sem ler autores
nacionais.
O actual estado da nação deprime ou é uma fonte de inspiração para
escrever ficção, poesia ou crónica?
Para mim é um pouco indiferente uma vez que os temas sobre os quais
escrevo habitualmente não são de natureza pública. Escrevo, basicamente,
sobre objectos estéticos, livros, filmes, discos, relações pessoais,
amorosas ou outras. Não estão desligadas do mundo, mas são realidades
relativamente autónomas. Desse ponto de vista o estado da nação é, de
algum modo, irrelevante para a minha actividade profissional.
Li numa entrevista que o pessimismo é «uma espécie de doutrina
infalível da sua vida». Como é que um pessimista crónico, como se
auto-define, vê o País?
Talvez por ser pessimista estou menos negativo do que outros. Temos um
discurso catastrofista e de fim do mundo, e no que diz respeito ao País,
questões como as contas públicas, a independência nacional, o fracasso
das elites, a crise do parlamentarismo, são angústias e perplexidades
que existem na vida pública portuguesa pelo menos desde que há
parlamentarismo e jornais. No século XIX afloraram-se estas questões. No
século XX a discussão das contas públicas foi uma constante, em 1890,
com o ultimato a autonomia de Portugal discutia-se, como agora se debate
a nossa soberania face ao FMI, por exemplo. Perante isto, creio que não
estamos a assistir a nada radicalmente novo. Há muitos fins do mundo
anunciados, mas já sobrevivemos no passado a muitos, enquanto País.
O sociólogo António Barreto disse um dia que Portugal corre o risco
de desaparecer. Subscreve?
Portugal sempre esteve às voltas com essa possibilidade durante toda a
sua existência, sendo permanentemente um País em crise, em parte devido
à sua reduzida dimensão, por ser pobre, periférico, transmitindo a
sensação exasperante de que não se sabe governar. Precisa sempre de
estar inserido em algo, primeiro no enquadramento de séculos do império,
posteriormente substituído pela União Europeia. Depois há condicionantes
que marcam sempre: vivemos séculos com um vizinho poderoso, perdemos a
independência durante 60 anos, fomos invadidos pelos franceses,
governados pelos ingleses, a corte exilou-se no estrangeiro, sofremos
várias revoluções, um regicídio, etc.
O sebastianismo permanece muito enraizado na alma nacional?
De alguma forma. Nós conseguimos ser, ao mesmo tempo, apocalípticos e
sebastianistas, o que pode parecer contraditório, visto que o fim do
mundo se defronta com uma visão messiânica do homem providencial ou do
líder carismático que está para chegar. Creio que o povo alimenta um
falso catastrofismo e uma esperança eterna no surgimento de um salvador.
E tivemos vários. O mais paradigmático dos tempos modernos foi Salazar.
Mas o epíteto de magno das finanças atribuído ao Presidente do Conselho
foi dado anteriormente a Afonso Costa. Sem esquecer o despotismo
esclarecido do Marquês de Pombal. No fundo, todos líderes por norma
autoritários que tentaram colocar o País nos eixos. ;
«Pântano» é uma expressão da autoria do ex-Primeiro-Ministro, António
Guterres. É uma boa imagem para descrever a situação política e social?
No momento em que a utilizou a expressão era excessiva, tendo inaugurado
uma tendência nefasta, iniciada por ele e continuada por Durão Barroso,
de abandonarem o País em situações de emergência. Os governos em
Portugal só sabem governar com maioria absoluta. Os que vencem eleições
com maioria relativa sentem-se um pouco incapazes. Devido ao facto de
haver grande tradição de coligações ou negociações parlamentares, os
nossos políticos acham que ou governam com maioria absoluta ou vivem no
«pântano». Para ser franco, acho uma prática democrática pouco saudável.
Pelo que descreveu, por termos sobrevivido a outras situações
igualmente difíceis, está confiante que vamos vencer mais esta crise?
A independência esteve sempre ameaçada num contexto bélico, o que temos
agora não é uma invasão militar ou a ocupação por parte de uma potência,
mas que assume contornos económicos e de soberania pelo facto de
estarmos integrados num conjunto de nações em que representamos uma
pequena parcela, ainda para mais com escassa influência. Considero-me um
eurocéptico, mas confesso que não há alternativa ao projecto europeu.
Portugal não tem viabilidade fora da Europa.
Integra o «Governo Sombra», um programa de sátira política na TSF,
com Ricardo Araújo Pereira e João Miguel Tavares. Pensa que o mediatismo
dos comentadores pode condicionar a orientação de voto de alguns
cidadãos?
Penso que posso falar pelos três: nenhum de nós está interessado na
confusão entre humor e a militância política. Nenhum de nós representa
uma facção ou uma sensibilidade. Exprimimos opiniões pessoais sobre
política. E ponto final. Agora, é provável que o programa tenha
influência na opinião pública, e pode ajudar a formar opinião, mordaz,
sobre certas personalidades ou medidas adoptadas, mas não quero imaginar
que haja pessoas que façam a sua orientação de voto com base num
programa satírico. O Ricardo Araújo Pereira tem uma popularidade muito
vincada, sendo dos três o único que se pode considerar uma figura
pública. Admito que o sketch dos Gato Fedorento sobre o aborto tenha
tido um efeito eleitoral, mesmo sem nunca ninguém ter medido o seu real
impacto.
Teve uma incursão política no CDS, mas desiludiu-se. Foi demasiado
romântico ou chegou à conclusão que são os carreiristas que por lá
permanecem mais tempo?
A minha permanência no partido consubstanciou-se em estar apenas
filiado. Conheci pessoalmente Paulo Portas quando ele chegou ao partido,
que insistiu para que eu aderisse ao CDS, no sentido de desenvolver
intervenção política, mas é algo que não está na minha natureza. Foi um
acto impulsivo em que acabou por pesar a admiração que tinha por Paulo
Portas aquando da sua passagem pelo «Independente». Mais tarde teci
algumas críticas ao partido, quando este era governo, o que me custou
muitos ataques, nomeadamente em blogs. Perante isto, achei que era uma
patetice conservar um cartão inútil e que me pesava. A vida política
exige um grau de sectarismo que a mim me desagrada profundamente. De
qualquer forma continuo a votar no CDS em legislativas, por razões
pragmáticas, visto ser o partido mais parecido com um partido
conservador, que é a área onde me reconheço.
Também é dos que pensa que não são os melhores que estão na política?
Isso acontece por três ordens de razão: primeira, a forma de
recrutamento principal acontece nas juventudes partidárias que não são
propriamente escolas de virtudes, incentivando a intriga, a baixa
política, o carreirismo, etc. A segunda é que mais do que uma classe
política desprestigiada, até por falta de lastro histórico, temos um
parlamento desprestigiado. O que leva a que muitos que até tenham
ambições políticas não sejam tentados a arriscar uma carreira como
deputados. Isso leva-nos a uma tradição incipiente e acidentada de
parlamentarismo. Finalmente, os políticos ganham mal. Ganham bem
relativamente a um ordenado médio de um cidadão, mas estão em
desvantagem comparativamente com personalidades mais capazes em diversas
áreas da vida privada, nomeadamente nas empresas. Perante isto, é
natural alguns sacrificarem o serviço público, que está mais exposto e
onde se ganha pior, em favor de um conselho de administração numa
fundação ou numa empresa. Dito assim pode parecer chocante, mas é uma
das justificações que explica que as elites não se interessem muito pela
política.
Existe a ideia feita que ser ministro não é o mais importante, mas
sim ter passado por lá. Concorda?
Os cargos governativos servem como uma espécie de pontos de passagem
para angariar contactos para a vida empresarial e económica futura. Sem
colocar em causa a integridade das pessoas, não me agrada,
instintivamente, ver Jorge Coelho na Mota-Engil. Há qualquer coisa que é
desconfortável na transição de governantes influentes para grandes
grupos que muitas vezes vivem de negócios com o Estado. O grau de
promiscuidade torna-se insustentável.
Foi atraído pela escrita muito cedo, mas acabou por tirar Direito.
Acabaria, finalmente, por enveredar pela carreira de escritor e crítico.
As teias da lei não o seduziram?
Gostava da série televisiva…(risos). Agora a sério, muitos que seguem
essa carreira universitária sentem-se atraídos por uma advocacia de
inspiração anglo-saxónica e com a barra de tribunal. Sinceramente não
gostei do curso que tirei, não me identifiquei com o que estava a
estudar. Foi um erro de casting. Acho que nunca daria um bom
profissional na área jurídica.
Porque é que diz que não gosta do mundo literário e dos escritores?
O choque entre o meu entusiasmo com a literatura e a mesquinhez da vida
literária foi demasiado violento. Gosto demasiado de romances, poemas e
peças de teatro, mas não suporto a intriga, a maledicência e a inveja
naqueles encontros com dezenas de escritores. É muito desagradável
perceber que a maioria dos escritores são tão mesquinhos. Tudo gira à
volta de ressentimentos, invejas, competição, azedume e que não suportam
que existam escritores mais lidos do que outros e uns com melhor crítica
do que outros, etc.
Foi alguma vez mal tratado pela classe devido a eventuais críticas
literárias menos abonatórias que tenha redigido?
Seguramente houve os que não gostaram de análises minhas, mas não ouvi
críticas directas que me visassem, pelo menos que eu desse conta. Mas
quando eu estava presente ouvia conversas desagradáveis sobre terceiros,
e é bem provável que falassem sobre mim nas minhas costas, mas nunca vou
saber. O que é chocante é a «décalage» muito grande entre a qualidade da
obra e a maledicência. Isto desgosta-me.
Admite que é um experimentalista e o teatro foi a sua mais recente
incursão. Já este ano levou à cena, depois de um convite de João
Lourenço, director do Teatro Aberto, uma peça chamada «Agora a sério»,
de Tom Stoppard. Como analisa este seu primeiro trabalho como encenador?
Interessava-me abordar a crença que temos de que cada vez que iniciamos
uma relação pensamos: «desta vez é que é a sério». Posso dizer que
gostei medianamente desta experiência, necessariamente nova e
inesperada. Gostei muito de traduzir e de alguns aspectos da concepção e
da montagem do espectáculo. Gostei moderadamente do resultado final,
notou-se, claramente, que era uma primeira encenação. Não gostei
especialmente do meu papel de encenador, nomeadamente no trabalho com os
actores, a que eu atribuo o facto de não ter uma personalidade, eu diria
mesmo, autoritária. Que nestes casos, é necessária.
Esteve nos últimos anos como sub-director e director interino da
Cinemateca, após a morte de João Bénard da Costa. Admitiu, publicamente,
obstáculos burocráticos e financeiros para implementar o seu trabalho. O
eterno problema da cultura portuguesa é a falta de dinheiro ou a sua
ineficaz aplicação?
A Cinemateca é financiada por uma taxa sobre a publicidade das
televisões. O que seria teoricamente bom revelou-se desastroso num
momento em que a publicidade caiu a pique. A instituição ficou muito
descapitalizada para fazer a sua programação habitual. Pelo que li a
Cinemateca terá resolvido os seus problemas financeiros de curto prazo,
mas desconheço se no futuro vai manter o mesmo modelo de financiamento.
A confirmar-se esta resolução vem em boa altura, visto que a Cinemateca,
para além das suas funções básicas de preservar e exibir filmes,
apresta-se para alargar de forma brutal o seu acervo com a entrada dos
arquivos da RTP. É algo que extravasa o cinema no sentido estrito,
estamos a falar de um projecto que é a memória cultural e histórica
portuguesa. Isso não se faz sem recursos, nomeadamente humanos e
técnicos.
Nos últimos anos temos assistido a um incremento da produção
cinematográfica no nosso País. Há público para o cinema que se produz?
Para ser rigoroso, nos últimos dois anos o número de filmes produzidos
tem decrescido. Respondendo à sua pergunta, devo dizer que há um
problema irresolúvel: não dispomos de dimensão para termos um cinema
comercial, regular e viável. Mesmo os filmes de grande sucesso fazem
«apenas» 200 mil espectadores. Isso paga o filme, mas não é um sucesso.
Sendo que a maioria dos filmes nacionais anda francamente abaixo dos 20
mil espectadores. O cinema português vive de um modelo que não pode
depender só do mercado, sob pena de extinção pura e simples. Em
determinada altura apostámos numa lógica mais de visibilidade
internacional em detrimento da viabilidade comercial. O nosso cinema
granjeia algum prestígio no circuito dos festivais e nas revistas
especializadas. Temos 4 ou 5 cineastas vivos que são conhecidos em todo
o lado onde há cinema de autor sério, ciclos e retrospectivas. As
pessoas sabem quem é o Manoel de Oliveira, o Pedro Costa, o João Botelho
e até outros nomes que para nós são menos evidentes, como o Manuel Gomes
ou o Pedro Rodrigues. Aqui levanta-se uma questão de natureza
político-cultural: deve o Estado, logo os cidadãos através dos seus
impostos, financiar um produto que é, de certa forma, elitista? Enquanto
o cinema depender de dinheiros públicos para a sua sobrevivência, e eu
não creio que possa ser de outra maneira, terá sempre de depender de uma
decisão do Estado sobre que política de cinema pretende. E isso poucas
vezes houve. Nunca ficou evidente uma aposta clara e definitiva do
Estado português neste sector.
Tem havido política cultural num sentido mais amplo?
A espaços, sim. Uma política cultural ; exige eficácia e efeitos
duradouros. Durante a vigência do ministro Manuel Maria Carrilho - e sou
insuspeito para dizer isto porque não é personalidade que aprecie -,
conjugaram-se três factores: uma ideia clara, uma força política junto
do governo e uma verba do Orçamento de Estado significativa. Sem estes
ingredientes qualquer política do Ministério da Cultura será sempre
frouxa ou incompleta. É verdade que também promoveu um lado clientelar,
inspirando-se um pouco no modelo francês de Jack Lang, em que a certa
altura os artistas são uma espécie de assalariados do Estado. Não é
desejável que os artistas estejam politicamente a soldo, o que acaba por
explicar certas atitudes de sobranceria protagonizadas por alguns
agentes do meio artístico que facilmente entram em polémicas públicas
sobre determinados assuntos.
O paradigma cinematográfico está em transformação. A sala de cinema
está irremediavelmente a perder terreno para o sofá das nossas salas?
O sector tem sido confrontado com o decréscimo da afluência de
espectadores aos cinemas e o facto de a quase exclusividade das salas se
localizarem em centros comerciais. Por outro lado, o fenómeno do digital
muda tudo, a relação com o cinema, a sua estética, etc. Para mim nada
substitui a película, mas são óbvias as vantagens da sofisticação
tecnológica, nomeadamente com o DVD, uma pessoa que não tenha uma
educação cinéfila clássica pode beber grandes ensinamentos, sendo o DVD
uma espécie de universidade do cinema, através dos extras, dos
comentários, etc. Por outro lado, é mais fácil o transporte do digital,
enquanto a película se degrada mais facilmente. Estou a pensar em
programações de cinema em regiões do interior, onde não existem muitas
salas comerciais, onde se pode exibir um filme em condições técnicas e
de segurança que a película não permite. O João Botelho está a seguir
esta lógica com o seu mais recente «Filme do Desassossego», com
projecções digitais em cine-teatros um pouco por todo o País.
O cinema, tal qual o conhecemos, vai sobreviver?
O meu lado pessimista, e não catastrofista, faz-me afirmar que o cinema
já viu muitos fluxos e refluxos. A sua morte já foi anunciada, primeiro
com a televisão e depois com a internet, mas a verdade é que continua a
existir como fenómeno de massas. Em suma, o cinema, enquanto ritual
colectivo, não vai acabar. As pessoas vão preferir ver alguns filmes em
casa, mas outros vão desejar vê-los exibidos nas salas apropriadas, para
ouvir as gargalhadas de uma comédia ou a emoção do drama.
As proliferação das pipocas em certas salas é um exemplo da
descaracterização do ambiente tradicional do cinema?
Não sou um fundamentalista anti-pipocas, nem isso é um crime de
lesa-cinema, mas o acto de comer nas salas, na medida em que provoca
ruído e cheiro, pode prejudicar a fruição do vizinho do lado. De alguma
forma é algo intrusivo. Alguns cinemas ficam verdadeiros chiqueiros
depois de uma sessão. Apesar disso não me choca em filmes de puro
entretenimento, uma atitude mais distendida do público. Agora não
imagino é alguém a ver um filme do Ingmar Bergman a comer pipocas…
«A Lei Seca» é o nome do seu mais recente blog. Como vê o imparável
fenómeno das redes sociais?
A minha experiência com o Facebook durou poucos meses. Hoje em dia, não
me ocorrem muitas coisas positivas para dizer sobre essa rede social. No
Twitter nunca tive conta aberta. Já os blogs sempre me interessaram
imenso. Tenho blogs desde 2002 e espero continuar a ter na medida em que
representam um suporte simples e imediatamente acessível para a escrita.
Para além dos artigos que escrevo para os jornais e para revistas de
forma obrigatória, senti necessidade de ter um registo mais solto, com
menos protocolo, sem estar condicionado pelo número de caracteres e pela
imposição do tempo e do próprio tom, o que dá uma enorme liberdade
criativa, para além de ser um bom treino de escrita.
Qual é o lado pernicioso das redes sociais?
As redes sociais reflectem a sociedade. O anonimato é que é novo. As
pessoas permitem-se escrever certas coisas que não diriam em público,
devidamente identificadas. Lamento que ao nível dos comentários se desça
a um nível lamentável, tal qual acontece nos comentários nas notícias
nos sites de jornais. A liberdade de expressão tem custos, o que é
difícil é estabelecer a fronteira sobre o que é o custo legítimo da
liberdade de expressão e o seu abuso intolerável. Sou maximalista, ou
seja, penso que se deve ser o mais tolerante possível, excepto na
difamação. Uma coisa é despejar uma série de insultos sobre uma pessoa,
outra, completamente diferente, é acusá-la de corrupção ou pedofilia,
por exemplo.
Defende a criminalização por práticas difamatórias na net?
Não é fácil criminalizar comportamentos no domínio virtual. Na origem da
internet esteve a não censura do que lá se escreve. Por mais que seja
necessário penalizar comportamentos incorrectos na rede vai sempre
revelar-se pouco eficaz. Agora também acho que a internet não pode ser
uma terra de ninguém ou um “far west” jurídico.
Os maus resultados a Português têm sido recorrentes nos últimos anos.
A falta de hábitos de leitura explica tudo?
Essa é uma das explicações mais plausíveis. Hoje, comparando uma pessoa
que esteve na faculdade com outra que não esteve, sinto diferenças
positivas, nomeadamente ao nível da mundivivência, mas salta logo à
vista a questão do uso do português, claramente em foco pela negativa,
demasiado simplificado e abastardado. Basicamente vingou a ideia que se
é perceptível enquanto comunicação, chega. Isso é uma ideia muito pobre
da língua. Sem ler autores portugueses dificilmente se fala bem
português. Mas não basta estudar os clássicos. Não sei exactamente de
que constam actualmente os programas, mas mesmo quando eu estudava não
creio que os autores que então se liam fossem os mais convidativos para
criar uma relação de prazer com a leitura. Certamente que eu não tive
nenhum prazer com a leitura de «Eurico, o Presbítero» ou mesmo um livro
admirável, mas que a meu ver é uma escolha errada, que se chama «Amor de
perdição». Igualmente não compreendo porque é que se estuda «A Sibila»
de Agustina Bessa-Luís, de quem eu gosto imenso, ou o «Memorial do
Convento», de um autor tão difícil como José Saramago.
Que solução defende?
Devia haver um cânone alternativo de introdução dos alunos à literatura
portuguesa para que fossem evitados livros tão pesados como os que
referi. O prazer de ler autores portugueses é algo que deve ser
cultivado e creio que se reflectirá, necessariamente, na forma como as
pessoas dominam a língua, em termos orais e escritos.
A relação das pessoas com a língua depende do apego à literatura?
Sem dúvida. Mas aproveito para abordar um assunto no topo da
actualidade, indire-ctamente relacionado com aquilo que estamos a falar,
e com o qual discordo, o novo Acordo Ortográfico. Critico porque aceita
um princípio que acho profundamente errado que é a prevalência da
fonética sobre a filologia, ou seja, a origem da palavra. Submeter a
língua a um critério fonético, em nome de um pretenso e ilusório
ecumenismo da língua portuguesa, não penso que seja um sinal positivo na
forma como as pessoas se devam relacionar com a língua que falam e
escrevem.
Portugal está a ser prejudicado pela crescente hegemonia do Brasil na
cena internacional?
Há um argumento perverso dos que defendem que devemos aproximar a nossa
língua do português falado no Brasil porque eles têm um maior número de
habitantes. A lógica subjacente a este acordo é a seguinte o que é
preciso é que nos entendamos oralmente e a regra escrita siga a regra
falada. Parece-me um caminho perigoso e pouco culto de entender a
língua. Mas é uma inevitabilidade. Aliás basta abrir alguns jornais para
ver que este modelo já está a ser adoptado. Felizmente o jornal onde eu
escrevo, o «Público», não seguiu esse exemplo.
Este processo de transição híbrido poderá dificultar a generalização
harmónica do processo?
Não facilita. Depois há que esperar muitas resistências. De escritores e
intelectuais, por exemplo. Mas as dificuldades não se ficam por aqui. No
Brasil, nomeadamente, os escreventes, não acredito que abdiquem do
trema. As duplas grafias e as consoantes mudas vão dar problemas. Veja
que para definir a assistência de um qualquer espectáculo, seja uma peça
de teatro ou uma tourada, o termo espectadores passou para «espetadores».
Não me parece um contributo cultural interessante.

Nuno Dias da Silva - texto
Ana Baião / Expresso - fotos
Cara da Notícia
Pedro Mexia nasceu a
5 de Dezembro de 1972, em Lisboa. Escritor, crítico literário e mais
recentemente encenador, é comentador do programa «Governo sombra»,
às sextas-feiras na TSF e escreve aos sábados no jornal «Público» na
coluna «Menos por Menos». Escreve mensalmente na revista «Ler» e é
um dos comentadores do programa televisivo «O que fica do que
passa», no canal Q, das Produções Fictícias, na plataforma Meo. Na
televisão foi comentador-residente do programa «O Eixo do Mal», na
SIC-Notícias. Entre 1998 e 2007 fez crítica literária no Diário de
Notícias. Escreveu também artigos para a revista Grande Reportagem.
Na sua passagem pela Cinemateca foi sub-director e posteriormente
director interino, aquando da morte de João Bénard da Costa.
Em termos académicos, após ter concluído os seus estudos
secundários, ingressou no curso de Direito da Universidade Católica
Portuguesa, que completou com sucesso. Prosseguiu para a Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa onde realizou um mestrado em
Estudos Americanos. Publicou seis livros de poemas: Duplo Império
(1999), Em Memória (2000), Avalanche (2001), Eliot e Outras
Observações (2003), Vida Oculta (2004), Senhor Fantasma (2007), e
três colectâneas de crónicas, Primeira Pessoa (2006), Nada de
Melancolia (2008). O seu último livro foi lançado na última semana
de Outubro e chama-se «A vida dos outros». Trata-se de um «ensaio
erudito», como define no prefácio o historiador Rui Ramos. Na
blogosfera, em parceria ou em solitário, colaborou em «A Coluna
Infame», «Dicionário do Diabo», «Fora do Mundo», «Estado Civil» e
«Lei Seca», que mantém na actualidade. Desses blogues nasceram três
volumes de diários: Fora do Mundo (2004), Prova de Vida (2007) e
Estado Civil (2009).

DOMINGO AMARAL EM
ENTREVISTA
Um bom final é
essencial ao romance
Escritor e jornalista Domingos Amaral
acaba de lançar Quando Lisboa Tremeu. O seu sexto romance é uma ficção
histórica que tem como cenário um dos maiores terramotos da história da
humanidade, o terramoto de 1755 em Lisboa. As respostas do autor à
entrevista chegaram por email. Por escrito confessa que o ponto final de
cada livro seu é acompanhado por uma certa angústia e cansaço, e lê e
leva sempre a sério as críticas que fazem aos seus livros. Sobre o
sucesso de um livro afirma «é sempre um fenómeno misterioso». Mas um bom
final é essencial para se conseguir uma boa história.
Quando Lisboa Tremeu (chancela da Casa das Letras) é o seu sexto e o
mais recente romance. O que o levou a escrever tendo como cenário o
terramoto de 1755?
Desde criança que me fascina a ideia de que na cidade onde vivo e nasci
aconteceu um gigantesco terramoto, um dos maiores de sempre da história
da humanidade. Ao longo do tempo, li muitos livros sobre o tema, e a
dado momento senti a vontade de escrever uma história minha passada
nesses tempos tão brutais e difíceis.
Ao situar-se num período histórico distante, Quando Lisboa Tremeu
precisou de um trabalho de pesquisa mais exigente que o dos anteriores
romances?
Sim, é evidente que foi necessário fazer uma pesquisa maior, para que
fosse possível fazer uma reconstituição histórica que não cometesse
erros. Tentei que as descrições, e o comportamento dos personagens,
fosse o mais aproximada possível da realidade que se conhece sobre esses
tempos.
Para o romance Quando Lisboa Tremeu espera o mesmo sucesso que o
anterior, Enquanto Salazar Dormia?
O sucesso de um livro é sempre um fenómeno misterioso, e por isso
normalmente não tenho expectativas muito elevadas. Se as pessoas
gostarem e comprarem tanto como o “Enquanto Salazar Dormia” isso será
óptimo, e ficarei contente.
Para um escritor homem representa um desafio maior descrever a mente
feminina e construir personagens femininos?
Qualquer personagem, homem ou mulher, é sempre um desafio. Não sinto uma
dificuldade maior a construir personagens femininos, pois costumo
observar muito as mulheres e ouvi-las, e isso ajuda.
Na sua opinião quais são os ingredientes necessários para se
conseguir um bom romance?
Bons personagens. Conflitos entre eles. Uma história que nos surpreenda,
que crie dilemas aos personagens que nos fascinam ou incomodam. Um bom
final é essencial, seja ele feliz, triste ou irónico.
Quando inicia um romance já sabe como é que vai ser o final?
Sim. Gosto de construir a história passo a passo, faço um resumo do que
tem de se passar em cada capítulo, sei o que vai acontecer a cada um dos
personagens e como tudo vai acabar. Só depois começo a escrever o texto,
os diálogos.
Costuma ler a crítica que fazem aos seus livros? Leva-a a sério?
Leio sempre e levo sempre a sério. Por mais dolorosa que uma crítica
possa ser, se não passarmos além da dor não passamos além do Bojador.
Quais são os sentimentos que acompanham o último ponto final de cada
romance que escreve?
Uma certa angústia e o cansaço. Nunca sei se as pessoas vão gostar e
isso incomoda-me, mas passado algum tempo passa. O cansaço recupera-se
com umas férias.
Tem um curso de Economia, tirado em Portugal e um mestrado em
Relações Internacionais, numa Universidade Norte Americana. Mas o
Jornalismo foi a profissão que sempre exerceu. O Jornalismo foi sempre
uma escolha?
Sim, foi uma escolha pois sempre gostei de escrever. O jornalismo é uma
forma de contar narrativas da realidade, e isso ajuda para quem gosta de
histórias escritas.
Começou o percurso jornalístico no já extinto jornal Independente.
Que leitura faz desses dias?
Tenho uma boa nostalgia sobre esses tempos. Foi uma boa escola.
É escritor, director da revista GQ, e cronista em jornais nacionais.
Na sua opinião quais poderão ser as consequências da actual crise
financeira no mercado dos livros, jornais e revistas?
Não sou um oráculo, capaz de prever o futuro, mas parece-me evidente que
em épocas de crise geral se vendem menos revistas, jornais e livros, e
isso vai afectar essas indústrias.
Mas, é uma conjuntura, e essas costumam mudar, e espero que esta também
mude e melhores dias apareçam.
A vinda do e-book, e da possível pirataria associada, representa uma
ameaça a ter em conta?
Tem tanto de ameaça quanto de oportunidade. Vai abrir o mercado em
certas áreas, vai trazer problemas novos. O mundo está sempre a mudar, e
temos de saber adaptar-nos a isso.
O Darwin dizia que sobreviveriam os mais adaptáveis (fittest), e não os
mais fortes, como erradamente se diz que ele disse.
Já desistiu de algum livro que tivesse começado a escrever?
Já desisti de ideias. Às vezes, as ideias parecem boas no início, mas
quando se começa a trabalhar nelas mais profundamente, tornam-se becos
sem saída e sem graça, e aí devemos deitá-las fora, sem qualquer
arrependimento.
Encontra-se a trabalhar em algum novo romance?
Ainda não. Estou em pousio.

Eugénia Sousa
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